Assíduo debate: a Súmula 258 do STJ veda a execução de NP emitida em garantia de qualquer contrato?

17/07/2023

Por Isabela Almeida Rodrigues

Com a edição da Súmula n.º 258, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que “A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou” (grifos não originais).

A partir desse posicionamento, muitos juízes vêm interpretando equivocadamente a questão e adotando o mesmo entendimento para as notas promissórias emitidas em garantia aos contratos de cessão de direitos creditórios firmados com factorings e FIDCs, sustentando que não gozam de autonomia, são ilíquidas e não podem ser executadas sem apresentação do título que as originou, ou seja, do contrato de cessão.

Ocorre que aquela Súmula não declara, pura e simplesmente, a nota promissória como um título inexequível ou sem abstração, apenas afasta sua autonomia para que o emitente-devedor tenha a oportunidade de questionar, em sua defesa, qualquer aspecto acerca da constituição do débito. Mas, em absoluto, não retira sua exequibilidade.

Sob esse aspecto, é relevante reevocar o debate para destrinchar a Súmula n.º 258 do Superior Tribunal de Justiça e relembrar que, quando não se trata de contrato de abertura de crédito, é a falta de circulação que retira da nota promissória a sua autonomia, e não a vinculação do título a um contrato. Ademais, a falta de autonomia não torna o título inexequível.

Ao julgar o Recurso Especial n.º 1.367.403 – PR, o Superior Tribunal de Justiça definiu que a nota promissória que não foi colocada em circulação, ou seja, que permanece em posse do emitente, não possui autonomia, sendo possível o debate acerca da obrigação que a originou. Ou seja, a nota promissória permanece abstrata, desvinculada da obrigação original, mas o emitente-devedor tem o direito de discutir as causas da emissão do título.

Por si, a nota promissória é um título de crédito cambial, que surgiu para dar circulação ao crédito e cuja exigibilidade prescinde da apresentação das causas que lhe deram origem devido à abstração – que esvai o vínculo com o negócio jurídico que motivou a emissão do título – e à autonomia, que torna as obrigações estampadas no título independentes a partir da sua circulação e não permite que elas sejam discutidas em face de eventual endossatário.

É importante destacar que a autonomia é característica da nota promissória e não requisito. Portanto, ainda que ausente, não lhe retira a exequibilidade nem admite a discussão da origem do débito sem prévia insurgência do emitente-devedor.

A propósito, também com o julgamento do Recurso Especial n.º 1.367.403–PR, o Superior Tribunal de Justiça destacou que a exequibilidade da nota promissória é presumida e a discussão acerca da origem do débito deve ser apresentada em embargos à execução, visto que o ônus da prova é do emitente-devedor:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. PROVA PERICIAL INDEFERIDA. DIREITO CAMBIÁRIO. NOTA PROMISSÓRIA. ALEGAÇÃO DE NÃO PAGAMENTO EXTRACARTULAR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. OPOSIÇÃO DE EXCEÇÕES PESSOAIS. POSSIBILIDADE. TÍTULO. NÃO CIRCULAÇÃO.

1. As características ou princípios dos títulos de crédito – literalidade, autonomia e abstração – são passíveis de oposição quando a cártula é posta em circulação. Contudo, quando se trata de relação entre o credor original e seu devedor, é possível a arguição de exceções que digam respeito ao negócio jurídico que gerou o direito de crédito representado no título, porquanto a relação jurídica existente entre o devedor de nota promissória e seu credor contratual direto é regida pelo direito comum.

2. A dívida representada por título de crédito extrajudicial é provada pela existência de título que goze de presunção de liquidez e certeza. Portanto, se o devedor, em embargos à execução, sustenta que inexiste a causa subjacente ao título, é seu o ônus de comprovar a inexistência dessa causa.

3. A valoração da prova em recurso especial pressupõe que tenha havido contrariedade a princípio ou norma legal pertinente ao campo probatório. Na hipótese de a questão situar-se no propósito de análise das circunstâncias fáticas que nortearam o acórdão recorrido ou na rediscussão dos depoimentos testemunhais, a questão ultrapassa a valoração da prova para assentar-se em novo exame da prova para reavaliá-la.

4. Recurso especial conhecido em parte e desprovido. (grifos não originais)

Realizadas tais considerações, insta consignar que a referida Súmula não se aplica às factorings e FIDCs, pois a obrigação que origina a nota promissória emitida a favor destes é líquida, determinada nos termos da cessão em que são relacionados os direitos creditórios negociados entre as partes.

No entanto, ainda que a Súmula n.º 258 do Superior Tribunal de Justiça fosse aplicada às factorings e aos FIDCs, a nota promissória emitida em garantia às operações firmadas com estes ainda seria exequível, a partir de todos os pressupostos supra invocados.

De todo modo, a despeito da vigência da Súmula, com o julgamento do Recurso Especial n.º 1.562.274-SP, o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento no sentido de que, quando se tratar de operação com factoring ou FIDC, é possível a execução da nota promissória oferecida em garantia.

Isto posto, embora alguns tribunais insistam na indiscriminada aplicação da Súmula n.º 258 do Superior Tribunal de Justiça, dos pontos acima destacados se conclui pela possibilidade de execução da nota promissória emitida em garantia para factorings e FIDCs.

Ciente da sensibilidade e relevância do tema, o Teixeira Fortes Advogados mantém um olhar atento à questão de forma a resguardar o direito de seus clientes e evitar decisões judiciais que venham a ferir os dispositivos legais e jurisprudenciais acima mencionados.

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