Por Aline Francisca Lopes
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgamento, trouxe mais uma ampliação ao rol taxativo trazido pelo CPC/2015,[1] proclamando o cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas após o trânsito em julgado da fase de conhecimento, ainda que não ocorram no âmbito de execução do julgado.
A taxatividade trazida no CPC/2015 vem sendo paulatinamente relativizada, com a extensão do rol para diversas outras hipóteses, conforme já abordado em artigo de autoria da Dra. Fernanda Elissa de Carvalho Awada.
Importante pronunciamento do STJ sobre o tema ocorreu em setembro/2018 (REsp n.º 1.722.866/MT), ao decidir pela mitigação desse rol taxativo quanto às decisões que envolvam matérias dos regimes falimentar e recuperacional, sob o fundamento de que, em se tratando de procedimento específico, não se terá a oportunidade de suscitar, em preliminar de apelação, as questões decididas durante o trâmite do feito, de modo que a via recursal possível seria somente o agravo de instrumento.
Logo depois, em dezembro/2018, o STJ proferiu julgamentos que novamente relativizaram a taxatividade (REsp nº 1.696.396/MT e REsp nº 1.704.520/MT), admitindo a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação, entendimento assentado pela Ministra Relatora Nancy Andrighi como taxatividade mitigada pelo requisito da urgência.
E não parou por aí. Seguindo essa vertente, em recente julgamento,[2] a Ministra Nancy novamente estendeu o rol taxativo ao decidir pelo cabimento do agravo de instrumento interposto contra decisão proferida após a sentença transitada em julgado, mas antes do efetivo cumprimento do disposto no comando sentencial, a partir de onde se teria a fase executória.
A decisão agravada foi proferida após o trânsito em julgado da ação que versava sobre uma suposta simulação de contrato de compra e venda de imóvel com o intuito de manter o bem sob posse de terceiro e quitar uma dívida junto à associação, tendo o juízo indeferido o pedido formulado pela parte para anulação das intimações referentes ao cancelamento da matrícula e das averbações.
A Ministra Nancy, relatora do caso, consignou que, apesar de a sentença não ter conteúdo condenatório propriamente dito, havia uma decisão judicial a ser cumprida (no caso, o cancelamento da matrícula e das averbações), razão pela qual qualquer decisão interlocutória prolatada após a sentença e, portanto, após o término da fase de conhecimento, deveria ser equiparada a uma decisão proferida em fase de execução, se enquadrando nas hipóteses de cabimento do agravo de instrumento inseridas no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC.
Para a Relatora, a taxatividade do caput e incisos do artigo 1.015 do CPC somente se aplica à fase de conhecimento, fundamentando a lógica de sua interpretação a partir do que dispõe o artigo 1.009, §1º do CPC,[3] que limita o regime de preclusões justamente à fase cognitiva, sem prejuízo da relativização da taxatividade também nas situações já antes apreciadas pela Corte.
A Ministra arremata seu raciocínio por meio de uma interpretação analógica, indicando que na maioria das situações elencadas no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC não se encerram por meio de uma sentença e, portanto, não seria possível a discussão por meio de apelação, sustentando que “as decisões interlocutórias proferidas nessas fases ou nesses processos possuem aptidão para atingir a esfera jurídica das partes, sendo absolutamente irrelevante investigar, nesse contexto, se o conteúdo da decisão interlocutória se amolda ou não às hipóteses previstas no caput e incisos do artigo 1.015 do CPC/2015".
A despeito da limitação legal expressa trazida pelo CPC/2015, e sem prejuízo de eventuais incoerências e lacunas oriundas dessa taxatividade, o que se tem visto, na prática, é a utilização do agravo de instrumento em variadas situações onde a parte interessada “encaixa” seu cabimento segundo a interpretação que melhor lhe convém, motivada justamente por esses recentes posicionamentos jurisprudenciais respaldados em interpretações extensivas da legislação que, frise-se, traz um rol taxativo, inferindo risco à segurança jurídica. O cenário mais seguro, e que se espera, é a alteração legislativa.
[1] Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
XII – (VETADO);
XIII – outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
[2] CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA.
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERIU O PEDIDO DE NULIDADE DAS INTIMAÇÕES OCORRIDAS APÓS A PROLATAÇÃO DA SENTENÇA. CABIMENTO DO RECURSO EM FACE DE TODAS AS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS EM LIQUIDAÇÃO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, EXECUÇÃO E INVENTÁRIO, INDEPENDENTEMENTE DO CONTEÚDO DA DECISÃO. INCIDÊNCIA ESPECÍFICA DO ART. 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015. LIMITAÇÃO DE CABIMENTO DO RECURSO, PREVISTA NO ART. 1.015, CAPUT E INCISOS, QUE SOMENTE SE APLICA ÀS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS PROFERIDAS NA FASE DE CONHECIMENTO. […] 3- Somente as decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento se submetem ao regime recursal disciplinado pelo art. 1.015, caput e incisos do CPC/2015, segundo o qual apenas os conteúdos elencados na referida lista se tornarão indiscutíveis pela preclusão se não interposto, de imediato, o recurso de agravo de instrumento, devendo todas as demais interlocutórias aguardar a prolação da sentença para serem impugnadas na apelação ou nas contrarrazões de apelação. […] 5- Na hipótese, tendo sido proferida decisão interlocutória – que indeferiu o pedido de nulidade das intimações após a prolatação da sentença – após o trânsito em julgado e antes do efetivo cumprimento do comando sentencial, cabível, de imediato, o recurso de agravo de instrumento, na forma do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015. 6- Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1736285/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 24/05/2019).
[3] Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.
§ 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
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