O dano moral por morte e o valor da indenização

30/03/2021

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

A pretensão de reparação civil, em qualquer cenário, está intimamente ligada à responsabilidade do causador do dano em face do nexo causal. Trata-se do dever de reparar o lesado, com o objetivo de viabilizar seu retorno ao status quo. Nas palavras do jurista Caio Mário da Silva Pereira, “A rigor, a reparação do dano deveria consistir na reconstituição específica do bem jurídico lesado, ou seja, na recomposição in integrum, para que a vítima venha a encontrar-se numa situação tal como se o fato danoso não tivesse acontecido.” [1]

No entanto, uma das grandes questões enfrentadas pelos Tribunais é a fixação do valor das indenizações por danos morais em decorrência de morte. Em tese, o valor do dano é aplicado em atenção a uma dupla função: minimizar a dor da vítima e punir o ofensor, para que o fato não se repita.

Certamente não é possível quantificar-se financeiramente a dor emocional pela morte de um ente querido. Por isso, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que garantiu o direito à indenização por dano moral, juristas e magistrados buscam parâmetros para se chegar a um padrão no arbitramento de indenizações por morte. Surge, então, a seguinte questão: como decidir qual o valor a ser pleiteado ao Judiciário em tais casos?

A 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão publicado na Revista dos Tribunais, volume nº 650, página nº 66, proclamou que a função da indenização, na espécie, não é a de repor matematicamente um desfalque patrimonial, mas apenas a de “representar para a última uma satisfação igualmente moral ou, que seja, psicológica, capaz de neutralizar ou anestesiar em alguma parte o sofrimento impingido”.

Na análise do pedido de danos morais, o magistrado tem liberdade para apreciar e valorar a indenização dentro dos parâmetros pretendidos pelas partes, mas a fixação do valor dependerá das circunstâncias do caso concreto e da sensibilidade de cada julgador. Isso significa que, dentro de cada caso analisado, deve ser considerado, quanto à vítima, o tipo de ocorrência, o padecimento da própria pessoa e dos familiares e as consequências psicológicas causadas. Em relação à pessoa do ofensor, é necessário analisar a gravidade de sua conduta, sua situação econômica e seus sentimentos para causar a lesão.

Toda essa análise é necessária para que a indenização não seja ínfima, a ponto de servir de humilhação à vítima, tampouco exorbitante, para não representar enriquecimento sem causa desta. Contudo, em razão de tantos critérios para a fixação de valores de indenização, surgem disparidades entre os Tribunais em relação ao tema. Confira-se alguns exemplos:

(i) Para um caso de indenização por morte de mãe em razão de atropelamento, com reconhecimento em processo criminal por homicídio culposo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fixou, recentemente, dano moral no patamar de trinta salários-mínimos (valor de R$ 31.170,00):

ACIDENTE DE TRÂNSITO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ATROPELAMENTO SEGUIDO DE MORTE, DA MÃE DO AUTOR – AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE – INDENIZAÇÃO DEVIDA – SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS FUNDAMENTOS – ART. 252 DO RITJSP RECURSO NÃO PROVIDO. Caracterizados os danos morais em razão falecimento da mãe do autor por culpa do réu, de rigor a manutenção integral da sentença, cujos fundamentos se adotam como razão de decidir na forma do art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal.

“(…) A r. sentença de fls. 294/298, cujo relatório se adota, julgou parcialmente procedente a ação, ‘para condenar o requerido ao pagamento de indenização por danos morais ao requerente no valor de trinta salários-mínimos (R$ 31.170,00), acrescidos de correção monetária pela tabela prática do Tribunal de Justiça de São Paulo a partir desta data e juros de mora desde o acidente, conforme Súmula 54, do STJ’.

(…) Houve processo crime nº. 0008667-83.2016.8.26.0302, que tramitou pela 1ª Vara Criminal de Jaú/SP, no qual foi reconhecido que o requerido praticou homicídio culposo na direção de veículo automotor, dando causa ao acidente por imprudência e negligência, após realizar manobra não permitida. Houve condenação em primeiro e segundo grau, com trânsito em julgado da decisão. (…)” (Apelação nº 1004664-63.2019.8.26.0302, 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Paulo Ayrosa, DJ: 18/01/2021, destacou-se)

(ii) Para um caso de indenização por morte de pai – provedor da família – em razão de acidente de trânsito, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reduziu o valor de indenização de 100 salários-mínimos para 60 salários-mínimos:

“Ação de indenização em razão de acidente de trânsito. Alegação de prescrição afastada. Responsabilidade subjetiva do réu, motorista do ônibus, comprovada, em especial a conduta culposa. Excludente não demonstrada, assim como a alegação de culpa concorrente, afastada. Pensão alimentícia, de natureza civil, devida. Verba que não se confunde com a pensão previdenciária. Danos morais evidentes e presumidos. Dano in re ipsa. Montante indenizatório. Redução para R$ 60.000,00 para cada autor, diante das particularidades do caso concreto e das condições das partes, com correção do arbitramento e juros de mora da citação. Litigância de má-fé. Inocorrência. Recurso provido em parte.” (Apelação nº 0017650-22.2008.8.26.0506, 13ª Câmara de Direito Privado Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Cauduro Padin, DJ: 11/03/2021, destacou-se)

(iii) Em caso de falecimento dos dois genitores, mãe e pai de uma mesma família, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná fixou indenização por danos morais no valor de R$ 130.000,00 para cada autor, com destaque para a “média” considerada pela Câmara julgadora:

“APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. MORTE DO PAI E DA MÃE DAS AUTORAS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. (…) APELAÇÃO CÍVEL. LUCROS CESSANTES. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO ACERCA DO DANO MATERIAL SOFRIDO. INEXISTÊNCIA E SEGURO DE VIDA FIRMADO ENTRE A APELADA E A LITISDENUNCIADA. DANO MORAL. QUANTU INDENIZATÓRIO. CRITÉRIO BIFÁSICO. MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
“(…) 50. Levando isso em conta, pode-se extrair da jurisprudência desta Câmara que o valor médio da indenização se centra entre R$ 60.000,00 (setenta mil reais) e R$ 100.000,00 (cem mil reais).
(…) 57.Tendo isso em vista e a fim de ajustar o valor da indenização ao patamar médio utilizado por esta Câmara, respeitando as peculiaridades do caso, que envolveu a morte dos pais das autoras, a indenização deve ser majorada para R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais) para cada apelante, levando-se em conta também o valor fixado por esta Câmara quando do julgamento da apelação nº 0016099-36.2014.8.16.0001, ajuizada pelas primas das ora apelantes, que também perderam a mãe, a avó e as tios no mesmo acidente.” (Apelação nº 0003219-03.2014.8.16.0101, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Rel. Des. Clayton Maranhão, DJ: 18/07/2019, destacou-se)

Em razão de tais disparidades entre Câmaras e Tribunais, além da possibilidade de que o dano moral seja fixado em valor exorbitante para o ofensor ou ínfimo para a vítima, é possível que o Superior Tribunal de Justiça decida sobre o valor de indenização. A jurisprudência da C. Corte Superior admite, em caráter excepcional, a alteração do valor arbitrado, caso a quantia fixada mostre clara afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Apenas para exemplificar, destaca-se abaixo decisão do Superior Tribunal de Justiça proferida em caso de homicídio de filho, cometido acidentalmente por policial militar, no qual a Corte Superior manteve, recentemente, o entendimento proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba – que houvera fixado danos morais no valor de R$ 30.000,00 para a genitora – destacando a possibilidade de revisão do valor apenas caso a fixação, na visão da Corte, fosse exorbitante ou irrisória:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. HOMICÍDIO COMETIDO POR POLICIAL MILITAR EM SERVIÇO. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$ 30.000,00, QUE SE MOSTRA RAZOÁVEL. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO INADMISSÍVEL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DA PARAÍBA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O Tribunal de origem, à luz dos elementos fático-probatórios, consignou que o quantum indenizatório a título de danos morais no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a ser pago a mãe da vítima. Hipótese em o policial militar acidentalmente, efetuou disparo de arma de fogo, que ocasionou em óbito. 2. Não exige, pois, reparos o Acórdão recorrido no que se refere ao valor fixado a título de danos morais, uma vez que o quantum fora estipulado em razão das peculiaridades do caso concreto, levando em consideração o grau da lesividade da conduta ofensiva e a capacidade econômica da parte pagadora, a fim de cumprir dupla finalidade: amenização da dor sofrida pela vítima e punição do causador do dano, evitando-se novas ocorrências. Assim, a revisão do valor a ser indenizado somente é possível quando exorbitante ou irrisória a importância arbitrada, em violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não se observa in casu. 3. Agravo Interno do ESTADO DA PARAÍBA a que se nega provimento.” (Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.316.945-PB, Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ: 15/12/2020, destacou-se)

Tal possibilidade demonstra que, ainda que não haja uniformidade entre os órgãos julgadores, a própria Corte Superior também está em busca de parâmetros e limites para readequar as indenizações. Por certo as Cortes não pretendem subestimar o sofrimento da parte que demanda a indenização pela perda de seu ente querido, mas buscam encontrar alguns critérios objetivos para fixar a indenização para que não se configure um enriquecimento ilícito por parte daquele que possui o direito de recebê-la.

 

[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol II – Contratos. 21ª ed. Editora Forense, 2017. Versão ebook, cap. 283.

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