As empresas podem recontratar os empregados demitidos?

27/07/2020

Por Eduardo Galvão Rosado

Entende-se por unicidade ou, simplesmente, continuidade do contrato de trabalho, o reconhecimento de um único contrato em casos em que o lapso temporal entre a demissão e a readmissão, pela mesma empresa, é exíguo.

De acordo com a Portaria nº 384/92, considera-se fraudulenta (portanto, como de lapso temporal exíguo) a rescisão contratual seguida de recontratação ou de permanência do trabalhador em serviço, ocorrida dentro dos 90 dias subsequentes à data em que formalmente a rescisão tenha se operado (vide artigo 2º). Em tais casos, salienta-se, inclusive, que a Justiça do Trabalho é firme em reconhecer como ininterrupta a prestação do serviço, e a consequente continuidade do contrato de trabalho que, embora com mais de um período, é considerado único (vide artigos 452 e 453, ambos da CLT).

Ainda de acordo com a citada Portaria, há 03 (três) exceções que, quando caracterizadas, importam em afastamento da unicidade contratual, são elas:

(i) demissão por justa causa;

(ii) recebimento de indenização legal (FGTS); e,

(iii) aposentadoria espontânea.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio é a Ementa abaixo:

“EMENTA RECURSO PATRONAL. UNICIDADE CONTRATUAL. RECEBIMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS RELATIVAS AO PRIMEIRO PERÍODO CONTRATUAL. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 453 DA CLT. O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO LEGAL RELATIVAMENTE AO PRIMEIRO CONTRATO CELEBRADO ELIDE A CONFIGURAÇÃO DE UNICIDADE CONTRATUAL, ARTIGO 453 DA CLT, SENDO DE CONSIDERAR-SE QUE, EM CASOS TAIS, AS PARTES CELEBRARAM CONTRATOS DISTINTOS. A CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, EM SEGUIDA À RESILIÇÃO CONTRATUAL, NÃO GERA A PRESUNÇÃO DE FRAUDE À LEI, SENDO NECESSÁRIO PROVA CABAL A ESSE RESPEITO. APELO PATRONAL PROVIDO. II (TRT-19 – RO: 00014661720165190001 0001466-17.2016.5.19.0001, Relator: Anne Inojosa, Data de Publicação: 26/04/2018)”

Acerca deste aspecto, é oportuno esclarecer que, com o cancelamento da Súmula nº 20 do TST (que previa: “Não obstante o pagamento da indenização de antiguidade, presume-se em fraude à lei a resilição contratual, se o empregado permaneceu prestando serviço ou tiver sido, em curto prazo, readmitido”), a unicidade será reconhecida se ficar comprovado que não houve interrupção na prestação de serviços. Vejamos:

“UNICIDADE CONTRATUAL. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERRUPÇÃO DA PRESTAÇÃO DE TRABALHO. Por unicidade contratual, entende-se o reconhecimento de um único contrato de trabalho, nos casos em que o lapso temporal entre a demissão e a readmissão, pela mesma empresa ou grupo, é exíguo ou inexistente, configurando a suposta interrupção como fraude. No caso em exame, ficou cabalmente comprovado que sequer houve a interrupção na prestação do trabalho, embora tenha havido a rescisão contratual, com o pagamento de todas as verbas rescisórias e até mesmo recebimento do seguro desemprego, o que atrai a aplicação das disposições do art. 40 do Código de Processo Penal (TRT-3 – RO: 00107992420145030028 0010799-24.2014.5.03.0028, Relator: Manoel Barbosa da Silva, Quinta Turma, Data de publicação: 01/06/2018)”

“RECURSO DE REVISTA DOS RECLAMADOS. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. UNICIDADE CONTRATUAL CONFIGURADA. DISPENSA FRAUDULENTA. IMEDIATA CONTRATAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DAS MESMAS FUNÇÕES. PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS. RECONHECIMENTO DA UNICIDADE CONTRATUAL. O artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, ao fixar regra para a contagem do tempo de serviço do empregado na empresa em períodos descontínuos, excetua, expressamente, o caso de recebimento de indenização legal. A referida indenização, contudo, não se confunde com a percepção de verbas rescisórias em face de rescisão contratual fraudulenta. No caso concreto, foi reconhecida a prática fraudulenta da dispensa, tendo sido a reclamante dispensada do emprego e , no dia seguinte à rescisão contratual, recontratada para exercer as mesmas atividades sem alteração das condições de trabalho – o que, em observância ao princípio da primazia da realidade, autoriza o reconhecimento da continuidade da prestação laboral sob o mesmo vínculo empregatício. Assim, o pagamento das verbas rescisórias decorrentes da ruptura do suposto primeiro contrato de emprego não impede o reconhecimento da continuidade da prestação laboral e, consequentemente, da unicidade contratual (precedentes). Recurso de revista não conhecido. (TST – RR: 4793820135090009, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 22/03/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/03/2017)”

Em se tratando de contrato por prazo determinado, para que a empresa possa recontratar o empregado, para fazer novo contrato a prazo determinado, deverá aguardar o prazo de 06 (seis) meses. Assim prevê o artigo 452 da CLT:

“Considera-se por prazo indeterminado todo contrato que suceder, dentro de 6 (seis) meses, a outro contrato por prazo determinado, salvo se a expiração deste dependeu da execução de serviços especializados ou da realização de certos acontecimentos”.

Ocorre que, com a finalidade de diminuir os impactos nos contratos de trabalho decorrentes da pandemia, o Governo Federal editou a Portaria de n° 16.655/2020, que permite a recontratação dos empregados demitidos sem justa causa, com o afastamento da presunção de fraude na rescisão contratual, ainda que o novo contrato seja formulado em prazo inferior a 90 dias. Assim dispõe o artigo 1º da citada Portaria:

“Art. 1º Durante o estado de calamidade pública de que trata o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, não se presumirá fraudulenta a rescisão de contrato de trabalho sem justa causa seguida de recontratação dentro dos noventa dias subsequentes à data em que formalmente a rescisão se operou, desde que mantidos os mesmos termos do contrato rescindido.

Parágrafo único: A recontratação de que trata o caput poderá se dar em termos diversos do contrato rescindido quando houver previsão nesse sentido em instrumento decorrente de negociação coletiva”.

Como se denota, ao contrário do que vem sendo propagado em vários meios de comunicação, a recontratação do empregado, em período inferior a 90 dias (para casos de rescisão sem justa causa de contrato por prazo indeterminado), só não será considerada fraudulenta se forem mantidas as mesmas condições do contrato rescindido (salários e benefícios) que, só poderão sofrer alteração (a redução, por exemplo), via negociação coletiva (Acordo Coletivo ou Convenção Coletiva de Trabalho).

Em suma:

(i) de acordo com a Portaria nº 16.655/2020, não se presumirá fraude quando a recontratação do empregado demitido se der em período inferior a 90 dias, desde que, contudo, nas mesmas condições do contrato anterior;

(ii) apenas se houver previsão em instrumento coletivo (ou seja, com o aval do Sindicato da categoria) é que a recontratação poderá se dar em termos diversos do contrato rescindido;

(iii) em se tratando de contrato por prazo determinado, para a recontratação nessa mesma modalidade não houve nenhuma alteração, ou seja, por cautela, deve ser respeitado o intervalo de 06 meses; e,

(iv) em qualquer das hipóteses, o risco não será minimizado se o empregado – embora demitido – prosseguir laborando (sem interrupção) para o mesmo empregador (e/ou outras empresas do grupo).

Por fim, salienta-se que os efeitos da Portaria de n° 16.655/2020 retroagem de 20/03/2020 e serão válidos enquanto durar o estado de calamidade pública ocasionado pela Covid-19 que, de acordo com o Decreto Legislativo nº 6/2020, perdurará até 31/12/2020.

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