Por Gabriel Sales CâmaraA sensação de encontrar bens imóveis em nome do devedor se resume em: alegria por saber que existem bens capazes de resguardar o pagamento da dívida; preocupação em procurar outras penhoras ou ônus na matrícula que frustrem o recebimento de valores do leilão no futuro; e ansiedade por fazer constar a penhora na matrícula do bem para garantir a preferência.
Como a prática nos ensina, não raras vezes os Devedores buscam crédito em instituições diferentes e acabam por se relacionar com Credores distintos ao longo de sua operação negocial, criando várias obrigações independentes umas das outras.
Isto quer dizer que, quando assolados pelos momentos de dificuldade, suas dívidas iniciam um efeito cascata de execuções distribuídas ao mesmo tempo, criando o estopim da corrida em busca do pioneirismo das medidas expropriatórias para garantir ao menos uma fatia do patrimônio do Devedor que resguarde a satisfação do crédito.
Neste momento, de furor dos Credores, várias são as ordens de penhora emitidas nos mais diversos processos, sendo certo que, quando encontrados imóveis de sua propriedade, nem sempre o primeiro Exequente a ter o auto de penhora lavrado na execução será o primeiro a ter o registro da penhora anotado na matrícula do bem.
Como vimos em artigo da Recuperação de Crédito escrito pelo Dr. Mohamad Fahad Hassan, a averbação premonitória de comunicação da distribuição de ação de execução – aquela prevista pelo artigo 828 do Código de Processo Civil – não gera preferência ao Credor que realizá-la.
A discussão aqui se volta ao ato da penhora, mais contundente que a averbação premonitória, mais amplos e absoluto em gerar quem tem direito a morder uma fatia do imóvel do Executado.
Desta situação, surge o seguinte questionamento: o que vale mais, o auto de penhora lavrado dentro da ação de execução ou o registro da penhora na matrícula do imóvel?
O artigo 797, caput do Código de Processo Civil foi preciso em preceituar: “(…) realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados”.
À primeira vista, parece que a discussão está resolvido; mas é neste momento que a Lei de Registros Público, n.º 6.015/73, indica em seu artigo 172 o princípio da Obrigatoriedade da Inscrição, nos seguintes termos: “no Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, ” inter vivos” ou ” mortis causa” quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade”.
O Código Civil referenda a Lei de Registros Público, tratando dos atos de disposição da propriedade de bem imóvel, entendendo que o registro é o marco legal de disposição de um imóvel, em seu artigo 1.245, caput e § 1º:
“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.”
A dúvida volta outra vez: seguir a previsão do artigo do Código de Processo Civil ou as disposições da Lei de Registros Públicos e do Código Civil?
Coube ao Superior Tribunal de Justiça debruçar-se sobre o tema e em acórdão paradigmático[1], replicado como fundamento para as decisões posteriores sobre o tema[2], decidiu da seguinte forma:
“RECURSO ESPECIAL (CF, ART. 105, III, “c”). PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CONCURSO DE CREDORES. MARCO TEMPORAL DO DIREITO DE PREFERÊNCIA DE CREDOR. ANTERIORIDADE DA PENHORA OU DO REGISTRO (AVERBAÇÃO) DO ATO CONSTRITIVO. DIREITO DE PRELAÇÃO DECORRENTE DA MERA FORMALIZAÇÃO DA PENHORA NO PROCESSO. RELEVÂNCIA DO REGISTRO PARA FIM DIVERSO. 1. Havendo pluralidade de credores com penhora sobre o mesmo imóvel, o direito de preferência se estabelece pela anterioridade da penhora (…) Assim, o registro ou a averbação não são atos constitutivos da penhora, que se formaliza mediante a lavratura do respectivo auto ou termo no processo. Não há exigência de averbação imobiliária ou referência legal a tal registro da penhora como condição para definição do direito de preferência, o qual dispensa essas formalidades.“Para que não se tenha dúvida da atualidade e importância da decisão, prolatada no ano de 2012, vejamos como decidiu a Ministra Regina Helena da Costa, da Primeira Turma do STJ, no Recurso Especial n.º 1.728.048/SP, julgado neste ano:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL COM PENHORA ANTERIOR AVERBADA NA MATRÍCULA. ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. GARANTIA QUE NÃO AUTORIZA O LEVANTAMENTO IMEDIATO DO NUMERÁRIO PELO CREDOR DO DEVEDOR EXPROPRIADO. DIREITO DE PREFERÊNCIA OU PRELAÇÃO DO CREDOR QUE PRIMEIRO PENHOROU O BEM IMÓVEL. DESNECESSIDADE DE PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS DA AÇÃO EXPROPRIATÓRIA. (…) III – O credor primeiro que efetuar a penhora sobre bens do devedor, adquire, por força dessa prioridade temporal, um direito de prelação ou de preempção legal e, em consequência, preferirá aos demais e subsequentes credores do mesmo bem, recebendo em primeiro lugar o pagamento de seu crédito. (…)”
Concluindo: o STJ decidiu que a regra contida no Código de Processo Civil, em seu artigo 797, deve prevalecer, estando claro que terá preferência o Credor que primeiro tiver lavrado o auto de penhora em sua execução, pouco importando quem foi o primeiro a fazer o registro na matrícula, em cartório.
A expertise indica que o pioneirismo do registro da penhora no cartório de imóveis se faz de suma importância, até para encerrar qualquer possível discussão que acometa o bem e possa afetar a celeridade, mas a lavratura da penhora nos autos, em primeiro lugar, é fundamental para garantir o primeiro pedaço do produto do leilão do imóvel.
Trabalhando nas reduções de formalidades, agregada a maior segurança em busca do pagamento da dívida, as diligências prévias para penhora de bens do devedor são práticas indissociáveis da área de Recuperação de Crédito do Teixeira Fortes, traduzidas também nas pesquisas de imóveis anteriores inclusive à distribuição das ações de Execução.
Garantindo o passo à frente não somente dos Devedores, mas principalmente dos demais credores, unindo perspicácia e aplicação da atualização das regras processuais conforme entendimento dos nossos Tribunais, tem-se que o conhecimento da questão da prevalência da lavratura do auto de penhora em detrimento do registro imobiliário do ônus, para gerar preferência do crédito, pode ser o fiel da balança entre receber pela dívida ou não. A atenção nestes detalhes tem que fazer parte da rotina para tornar-se expressão de luta contra a inadimplência.
[1]REsp 1209807/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2011, DJe 15/02/2012.
[2]Como nos casos REsp 1728048/SP, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/04/2019, DJe 20/05/2019; e REsp 1.334.635/RS, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTÔNIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 24/09/2019.
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