Bem de família pode ser penhorado por dívida de obra do próprio imóvel

28/10/2019

Por Orlando Quintino Martins Neto

Por Orlando Martins Quintino Neto

O artigo 1º da Lei 8.009/90 – que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família –, diz o seguinte:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

O artigo 3º, inciso II, da referida lei, por sua vez, diz o seguinte:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(…)
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

Como se vê, a lei afasta a impenhorabilidade nos casos em que o crédito for decorrente de financiamento destinado à construção do imóvel.

Quando a lei menciona “construção do imóvel”, é possível se afirmar que “construção” abrange também as situações de empreitada parcial, reformas e/ou melhorias realizadas no imóvel? Para o Superior Tribunal de Justiça, sim!

Em julgamento de recurso especial ocorrido recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, mesmo em se tratando de empreitada parcial, a impenhorabilidade do imóvel não é oponível ao credor que financiou a referida empreitada com o emprego de materiais e mão de obra.

Para o relator do recurso especial, Ministro Marco Buzzi, a interpretação a ser dada ao inciso II, do artigo 3º da Lei 8.009/90, é a seguinte:

Para os efeitos estabelecidos no dispositivo legal (inciso II do art. 3º da Lei nº 8.009/90), o financiamento referido pelo legislador abarca operações de crédito destinadas à aquisição ou construção do imóvel residencial, podendo essas serem stricto sensu – decorrente de uma operação na qual a financiadora, mediante mútuo/empréstimo, fornece recursos para outra a fim de que essa possa executar benfeitorias ou aquisições específicas, segundo o previamente acordado – como aquelas em sentido amplo, nas quais se inclui o contrato de compra e venda em prestações, o consórcio ou a empreitada com pagamento parcelado durante ou após a entrega da obra, pois todas essas modalidades viabilizam a aquisição/construção do bem pelo tomador que não pode ou não deseja pagar o preço à vista.

E diz ainda o relator em seu voto:

Não há falar esteja sendo realizada uma interpretação extensiva das exceções legais descritas na norma, vez que há subsunção da hipótese à exceção legal, considerando-se os limites e o conteúdo do instituto do financiamento, esse que, diferentemente do alegado pelos ora insurgentes, uma vez incontroversa a origem e a finalidade voltada à edificação ou aquisição do bem, não fica adstrito a mútuos realizados por agente financeiro do SFH.
 
Entendimento em outro sentido premiaria o comportamento contraditório do devedor e ensejaria o seu inegável enriquecimento indevido, causando insuperável prejuízo/dano ao prestador que, mediante prévio e regular ajuste, bancou com seus aportes a obra ou aquisição somente concretizada pelo tomador valendo-se de recursos do primeiro.

Ou seja, para a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, se o crédito é oriundo de financiamento para realização de obras no imóvel, seja para sua construção total, seja para sua construção parcial – a despeito de a lei não mencionar a hipótese de empreitada parcial –, aplica-se o disposto no inciso II, do artigo 3º, da Lei 8/009/90, de forma que o imóvel, mesmo em se tratando de bem de família, poderá ser penhorado livremente.

O julgamento do recurso ocorreu em 15/10/2019, e a íntegra do acórdão pode ser consultada clicando aqui.

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