Por Romário Almeida Andrade
O mercado de antecipação de recebíveis gera alguns riscos aos adquirentes dos créditos, em especial bancos, empresas de fomento mercantil e fundos de investimento em direitos creditórios. Um desses riscos se refere à possibilidade de pluralidade de cessão, ou seja, à hipótese de que a originadora e cedente do recebível negocia o mesmo crédito por mais de uma vez.
É uma conduta configuradora de crime de estelionato, sem dúvidas, mas lamentavelmente tem ocorrido e o objetivo deste artigo é apenas discorrer sobre quem seria o credor legítimo a receber os créditos cedidos em pluralidade com base em precedentes judiciais.
O problema desse tipo de operação se dá no momento em que os cessionários que adquiriram o mesmo crédito promovem a cobrança do título contra o devedor sacado. Regra geral, ao se deparar com a cobrança por mais de um credor, o devedor propõe uma ação de consignação em pagamento para definir judicialmente quem deverá receber o crédito cedido. E aqui está a questão: qual critério o judiciário deve utilizar para declarar esse ou aquele cessionário como legitimado a receber o crédito?
Uma das saídas adotadas em precedentes judiciais e por parte da doutrina é a aplicação do critério da anterioridade da notificação. Ou seja, a cessão de crédito, quando realizada em favor de mais de um credor, será concretizada para aquele que primeiro notificar o devedor a respeito da cessão.
Em uma das decisões que partilhou desse entendimento, oriunda do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, foi assentado que “Na hipótese de dupla cessão de um mesmo crédito, o pagamento será devido para o cedido que primeiramente notificar o devedor.” (Apelação Cível nº 2007.054258-5, 1ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Stanley da Silva Braga).
Os precedentes que se alinham ao critério relacionado à anterioridade da notificação da cessão buscam seu fundamento na legislação civil, como o art. 290 do Código Civil, que estabelece que a cessão de crédito não é eficaz em relação ao devedor, senão quando a este notificada, ou seja, a operação somente estaria completa a partir do momento em que o devedor tomasse conhecimento da cessão. Uma das possíveis críticas a esse entendimento é que muitas transmissões de créditos são realizadas na forma da legislação cambiária, não se aplicando as disposições do Código Civil.
Em sentido diverso, contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente precedente, assentou que a disputa deveria ser resolvida à luz do critério cronológico das operações, com a “Prevalência da cessão de crédito primitiva, isto é, que foi realizada em primeiro lugar, porque foi efetuada quando a emitente do título era a titular do crédito originário.” (Apelação nº 1061398-63.2016.8.26.0100, 11ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Walter Fonseca, julgamento em 17.09.2018).
Quem defende o entendimento do judiciário paulista argumenta que, uma vez formalizada a primeira operação, todas as demais cessões, por corolário lógico, seriam ineficazes, uma vez que o cedente do crédito não mais seria o legitimado a transmitir o mesmo recebível novamente.
Há também o entendimento no sentido de que legítimo credor é aquele que possui os documentos da operação ajustada com o cedente, bem como os títulos representativos do crédito negociado. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que “legítimo credor é aquele que apresentou prova do Instrumento de Cessão de Crédito e comprovou a posse dos títulos discutidos.” (Apelação nº 70047641246, 12ª Câmara Cível, Rel. Ana Lúcia Carvalho Pinto, julgamento em 27.02.2014)
É um tema muito polêmico e, diante da ausência de uma jurisprudência, a análise de cada caso concreto, somada aos possíveis precedentes do tribunal julgador, definirá a solução (ou sorte) de quem será o legitimado a cobrar e receber os créditos cedidos em pluralidade.
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