STJ afirma que imóvel de empresa pode ser considerado bem de família

07/07/2022

Por Alice Mendes de Carvalho

O bem de família instituído pela Lei nº 8.009/1990 tem como finalidade a proteção da entidade familiar em face das dívidas “contraídas pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam”, conforme prevê o artigo 1º.

Essa proteção legal, que tem como premissas básicas a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia, confere ao imóvel utilizado como residência da família a garantia de impenhorabilidade, com as ressalvas previstas no artigo 3º da Lei nº 8.009/1990. [1]

Diz a Lei nº 8.009/1990 que a impenhorabilidade recai sobre o imóvel de propriedade dos membros da família que nele residam, ou seja, a proteção seria conferida aos bens de propriedade das pessoas físicas. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a proteção legal também pode ser aplicada a imóvel pertencente a pessoa jurídica, decisão que merece atenção.

No caso julgado pelo STJ, o antigo proprietário do imóvel transmitiu-o à empresa da qual é sócio, com o objetivo de integralizar o seu capital social, mas continuou residindo no local. Após a transferência, a empresa ofereceu o imóvel como garantia de contrato de locação comercial, no qual figurava como locatária outra pessoa jurídica.

Como a empresa locatária não pagou os aluguéis, o locador executou a dívida e pediu a penhora do imóvel oferecido em garantia, mas o sócio da empresa proprietária do imóvel alegou que o imóvel não poderia ser penhorado, pois deveria ser considerado bem de família.

Coube, então, ao judiciário definir se o imóvel dado em caução em contrato de locação comercial, que pertence a uma sociedade empresária e é utilizado como moradia por um dos seus sócios, recebe a proteção da impenhorabilidade do bem de família.

Resumindo o caso, a Terceira Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.935.563 – SP, decidiu que o imóvel no qual reside o sócio não pode, em regra, ser objeto de penhora pelo simples fato de pertencer à pessoa jurídica, reconhecendo, assim, que o imóvel em questão deveria ser considerado bem de família. Eis um dos trechos do voto do Relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, com as suas razões de assim decidir:

“o imóvel no qual reside o sócio não pode, em regra, ser objeto de penhora pelo simples fato de pertencer à pessoa jurídica, ainda mais quando se trata de sociedades empresárias de pequeno porte. Em tais situações, mesmo que no plano legal o patrimônio de um e outro sejam distintos – sócio e sociedade -, é comum que tais bens, no plano fático, sejam utilizados indistintamente pelos dois.

É o que leciona Luiz Edson Fachin:

‘A impenhorabilidade da Lei nº 8.009/90, ainda que tenha como destinatários as pessoas físicas, merece ser aplicada a certas pessoas jurídicas, às firmas individuais, às pequenas empresas com conotação familiar, por exemplo, por haver identidade de patrimônios.’ (FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pág. 154).

Nesse contexto, se a lei tem por escopo a ampla proteção ao direito de moradia, o fato de o imóvel ter sido objeto de caução, não retira a proteção somente porque pertence à pequena sociedade empresária. Caso contrário, haveria o esvaziamento da salvaguarda legal e daria maior relevância do direito de crédito em detrimento da utilização do bem como residência pelo sócio e por sua família.”

Ou seja, de acordo com a tese fixada pela Terceira Turma do STJ, ainda que o imóvel esteja registrado em nome de pessoa jurídica, e mesmo o bem seja oferecido como garantia de obrigação assumida por outra pessoa jurídica, o imóvel pode ser considerado impenhorável se servir de residência para uma entidade familiar.

Diante de um caso como esse, faz-se necessário alertar os credores que analisem criteriosamente a situação fática dos imóveis oferecidos em garantia, independentemente do proprietário do bem ser pessoa física ou jurídica, para que evitem surpresas com a perda da garantia provocada pela alegação de impenhorabilidade por quem nele resida.

 

[1] Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

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