Justiça do Trabalho: é possível a aplicação de juros na fase pré-judicial?

15/02/2022

Por Thiago Albertin Gutierre

Na última sessão plenária de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar as ADIs 5867 e 6021, e ADCs 58 e 59, surpreendendo a muitos, alterou radicalmente os critérios de atualização monetária dos créditos trabalhistas, reconhecendo a inconstitucionalidade da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária.

Prevaleceu, dada a maioria, o voto do Ministro Gilmar Mendes, que determinou a incidência do IPCA-E na fase extrajudicial e da taxa Selic na fase judicial, utilizando os mesmos critérios das condenações cíveis em geral “até que sobrevenha solução legislativa”. Vejamos a parte dispositiva do acórdão:

“Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes as ações diretas de inconstitucionalidade e as ações declaratórias de constitucionalidade, para conferir interpretação conforme a Constituição ao artigo 879, §7º, e ao artigo 899, §4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467, de 2017. Nesse sentido, há de se considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa Selic (artigo 406 do Código Civil)” (julgado em 18/12/20, vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio).” (g/n)

Para evitar eventuais questionamentos, o Ministro modulou os efeitos da decisão da seguinte maneira: (i) os pagamentos já realizados utilizando-se IPCA-E, TR ou qualquer outro índice, com juros de 1% ao mês deverão ser reputados válidos; (ii) deverão ser mantidas as decisões transitadas em julgado que expressamente adotaram a TR ou o IPCA-E e os juros de mora de 1% ao mês; (iii) aos processos em curso, inclusive na fase recursal, deverá ser aplicada de forma retroativa a SELIC, e; (iv) para os processos já transitados em julgado, sem que se tenha manifestação expressa quanto ao índice de correção monetária e taxa de juros, a SELIC deverá ser aplicada.

A decisão ainda foi complementada pelo STF em outubro de 2021 que, ao acolher parcialmente os Embargos de Declaração opostos pela Advocacia Geral da União (AGU), sanou o erro material do acórdão para fazer constar que a taxa Selic deve incidir após o ajuizamento da ação e não após a citação, vide abaixo:

“Decisão: (ED-terceiros) O Tribunal, por unanimidade, não conheceu dos embargos de declaração opostos pelos amici curiae, rejeitou os embargos de declaração opostos pela ANAMATRA, mas acolheu, parcialmente, os embargos de declaração opostos pela AGU, tão somente para sanar o erro material constante da decisão de julgamento e do resumo do acórdão, de modo a estabelecer “a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir do ajuizamento da ação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil)“, sem conferir efeitos infringentes, nos termos do voto do Relator. Impedido o Ministro Luiz Fux (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 15.10.2021 a 22.10.2021. data de publicação 09/12/2021” (g/n)

Com efeito, a aludida decisão afastou os juros de mora na fase judicial da Justiça do Trabalho visto que, no entender da mais alta corte judiciária, a taxa Selic – aplicável após o ajuizamento da ação – engloba tanto os juros quanto a correção monetária.

No entanto, surgiu uma nova discussão quanto à aplicação dos juros de mora na fase pré-judicial.

Isso porque, apesar de não constar expressamente na parte dispositiva do acórdão, o Ministro Gilmar Mendes fundamentou seu voto condutor da seguinte maneira:

“Desse modo, fica estabelecido que, em relação à fase extrajudicial, ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, deverá ser utilizado como indexador o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15/IBGE), em razão da extinção da UFIR como indexador, nos termos do art. 29, § 3º, da MP 1.973-67/2000.
Ainda quanto à fase extrajudicial, salienta-se que, além da indexação, devem ser aplicados os juros legais definidos no art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991, ou seja, a TRD acumulada no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento. Note-se que a discussão em torno do referido dispositivo dizia respeito à sua aplicação analógica como disciplinadora da correção monetária, à míngua de dispositivo legal específico trabalhista antes do art. 879, § 7º, da CLT. Por outro lado, diante da clareza vocabular do art. 39, “caput”, da Lei 8.177/91, não há como afastar sua aplicação, louvando-se na menção aos juros no art. 883 da CLT, na medida em que este último dispositivo consolidado refere-se exclusivamente à fase processual, sem definir índice ou percentual dos juros, até porque o objeto do comando é a penhora como fase da execução” (g/n)

Logo, além de determinar a utilização do índice IPCA-E para correção monetária na fase extrajudicial, o Ministro ressalvou que também devem ser aplicados os juros legais previstos no artigo 39 da Lei 8.177/91, qual seja a TRD, que era utilizada, até então, apenas como índice de correção monetária.

A questão, inclusive, já foi objeto de análise das mais altas cortes judiciais que vem entendendo pela aplicação dos citados juros legais na fase pré-judicial. Senão vejamos recentes julgados proferidos pelo TST e pelo STF:

“AGRAVO INTERNO EM RECURSO DE REVISTA. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. DECISÃO MONOCRÁTICA DE PROVIMENTO. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS APLICÁVEIS AOS CRÉDITOS TRABALHISTAS. FASE PRÉ-JUDICIAL. ATUALIZAÇÃO PELO IPCA-E MAIS JUROS LEGAIS. Nos termos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADC 58, a atualização dos créditos trabalhistas pelo IPCA-E, na fase pré-judicial, não exclui a aplicação dos juros legais previstos no caput do art. 39 da Lei n. 8.177/1991. Agravo conhecido e não provido. (TST – Ag: 8706720175230007, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 09/02/2022, 1ª Turma, Data de Publicação: 11/02/2022)”

 

“Conclui-se, portanto, que o ato reclamado encontra-se em harmonia com os precedentes desta CORTE. Registre-se que o parcial provimento do recurso na origem ocorreu apenas para fazer incidir, unicamente na fase extrajudicial, juros legais previstos no art. 39 da Lei 8.177/91, em conformidade com o que decidido na ADC 58. As razões apresentadas no voto deixam clara tal conclusão: Por tais motivos, entende a relatora ser o caso de determinar, para atualização monetária das parcelas que compõem a condenação, na fase pré-judicial, a aplicação do IPCA-E como índice de correção monetária. Quanto à incidência de juros nesse período (fase pré judicial), importante anotar que, com a publicação do acórdão da ADC 58, em 07.04.2021, restou determinado, também, para a fase extrajudicial, a incidência dos juros previstos no caput do art. 39 da Lei 8.177/91. (…) Já na fase judicializada, entendo que deve ser adotada a taxa SELIC, a qual engloba juros e correção monetária, a partir da data da distribuição da demanda, até que sobrevenha solução legislativa. Verifica-se que o Juízo Reclamado seguiu os parâmetros indicados no julgamento das referidas ações de constitucionalidade, quanto aos consectários legais aplicáveis à espécie. Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, NEGO SEGUIMENTO À RECLAMAÇÃO. Por fim, nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispenso a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República (STF – Rcl: 50189 MG 0063629-24.2021.1.00.0000, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 28/10/2021, Data de Publicação: 03/11/2021)”

Todavia, há uma crescente corrente jurisprudencial dos Tribunal Regionais do Trabalho que vem entendendo de modo diverso, notadamente em razão de não ter constado expressamente na parte dispositiva da decisão do STF a determinação para aplicar juros na fase pré-judicial, conforme demonstram os julgados abaixo:

“DO AGRAVO DE PETIÇÃO DA APLICAÇÃO DE JUROS NA FASE PRÉ-JUDICIAL. Não obstante o precedente vinculante firmado nas ADC’s 58 e 59, o caso em análise comporta hipótese distinta, pois não se questiona o índice de correção monetária, muito menos juros cumulados com SELIC na fase judicial. A controvérsia se limita a aplicação de juros na fase pré-judicial. Desse modo, tem-se que, mesmo antes da ADC 58 e 59, o juros eram aplicados somente após o ajuizamento da reclamação e que, atualmente, foi englobado pela SELIC na fase judicial. Por estas razões, dou provimento ao recurso para determinar o refazimento dos cálculos com exclusão de juros da fase pré-judicial. Agravo de Petição conhecido e provido para determinar o refazimento dos cálculos com exclusão de juros da fase pré-judicial. (TRT-11 00010231320155110005, Relator: VALDENYRA FARIAS THOME, 1ª Turma, Data de publicação: 13/12/2021)” (g/n)

 

“OMISSÃO. JUROS NA FASE PRÉ-JUDICIAL. 1. No contexto da aplicação do comando do STF na ADC n.º 58 e demais ações diretas julgadas em conjunto, com efeito constou da ementa do julgamento a menção a juros na chamada fase extrajudicial. 2. No entanto, a cumulação de juros de 1% ao mês com IPCA-E na fase extrajudicial) não tem amparo na parte dispositiva do acórdão, que é a ordem que efetivamente deve ser observada (aplicação dos artigos 489, III, e 504, I, ambos do CPC). 3. Os embargos são providos para acrescer fundamentos a decisão recorrida. 3. Embargos de declaração do exequente a que se dá parcial provimento. (TRT-4 – AP: 00207800320165040021, Data de Julgamento: 01/09/2021, Seção Especializada em Execução)” (g/n)

Como se vê, a questão ainda não está pacificada, no entanto, conforme se denota das recentes decisões das instâncias superiores, é provável que prevaleça a aplicação dos juros legais previstos no artigo 39 da Lei 8.177/91 (TRD) na fase extrajudicial, além da incidência do IPCA-E como índice de correção monetária.

Frisa-se, por fim, que a discussão não é inócua visto que o índice TR, que apresentava um percentual “zerado” desde setembro de 2017, voltou a sofrer variações em dezembro de 2021 fechando o mês com índice de 0,0488% e em janeiro de 2022 de 0,0605%.

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