A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a validade de uma norma coletiva que autoriza o desconto de horas negativas acumuladas no banco de horas ao final de cada período de doze meses, ou nas verbas rescisórias em casos de pedido de demissão e dispensa por justa causa.
O banco de horas, regulado pelo artigo 59, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é um dos principais mecanismos de compensação de jornada utilizados pelos empregadores, substituindo o pagamento de horas extras por folgas compensatórias ou redução da jornada de trabalho.
De acordo com a legislação, o empregador pode ser dispensado do pagamento de horas extras se houver acordo ou convenção coletiva estabelecendo a compensação de horas, sendo que o banco de horas pode ter duração de até um ano quando estabelecido por negociação coletiva com o sindicato de classe. Para a validade do banco de horas, o empregador também deve observar: (i) a jornada máxima de dez horas diárias – com exceção de categorias especiais, como a dos motoristas, e de escala, como a de 12×36; (ii) o efetivo controle de jornada, com o apontamento do saldo positivo e negativo do banco de horas, e (iii) a disponibilização de acesso e acompanhamento do saldo por parte do empregado.
Ocorre que, anteriormente, o TST entendia que não era possível realizar o desconto do saldo negativo do banco de horas, mesmo em caso de pedido de demissão pelo empregado, uma vez que o risco da atividade deve ser assumido pelo empregador e sua transferência ao trabalhador, nesta hipótese, configurava uma afronta aos direitos trabalhistas.
Todavia, o referido entendimento foi alterado após a fixação da tese de repercussão geral – Tema 1.026 – pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Baseado nesta tese do STF, que consagrou a constitucionalidade de acordos e convenções coletivas, respeitando direitos absolutamente indisponíveis, a 2ª Turma do TST modificou sua posição, permitindo o desconto das horas negativas do banco de horas. Vejamos a ementa do acórdão:
“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA. ‘BANCO DE HORAS’ NEGATIVO. HORAS NÃO TRABALHADAS. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. CLÁUSULAS QUE PERMITEM DESCONTOS DOS VALORES CORRESPONDENTES AO FINAL DE 12 MESES OU POR OCASIÃO DA RESCISÃO CONTRATUAL A PEDIDO DO EMPREGADO OU MOTIVADA. VALIDADE.
1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 9ª Região visando compelir os réus a se absterem de firmar instrumentos coletivos com previsão de desconto do saldo negativo do ‘banco de horas’ ao final de 12 meses, ou nas verbas rescisórias, em casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa.
2. Esta Corte Superior adotava entendimento de invalidade de cláusula normativa com previsão de desconto de horas extras não compensadas no salário ou nas verbas rescisórias, haja vista a ausência de previsão legal, bem como por configurar transferência dos riscos da atividade econômica para o trabalhador.
3. Contudo, no julgamento do ARE n. 1.121.633, em regime de Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal firmou tese no sentido de que ‘são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis’ (Tema n. 1.046). Logo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a redução ou limitação dos direitos trabalhistas pelos acordos coletivos deve, em qualquer caso, respeito aos direitos absolutamente indisponíveis assegurados ‘(i) pelas normas constitucionais, (ii) pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporadas ao Direito Brasileiro e (iii) pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores’. A Suprema Corte, portanto, prestigiou a negociação coletiva, mas ressalvou aqueles direitos considerados de indisponibilidade absoluta.
4. Com efeito, o regime jurídico assegurado pela Constituição Federal atinente ao labor sobrejornada impõe o pagamento das horas extras com adicional de, no mínimo, cinquenta por cento em relação ao salário-hora normal (art. 7º, XVI, da Constituição Federal) ou compensação de horários (art. 7º, XIII, da Constituição Federal).
5. A instituição de ‘banco de horas’ com a possibilidade de desconto do tempo injustificadamente não trabalhado ao final de cada período de 12 (doze) meses ou nas verbas rescisórias em casos de pedido de demissão ou dispensa por justa causa, por si só, não é incompatível com a Constituição Federal, tratado internacional ou norma de medicina e segurança do trabalho.
6. Desse modo, à luz da tese vinculante do STF, impõe-se reconhecer a validade da norma coletiva em questão. Incidência da Súmula 333/TST e do art. 896, § 7.º, da CLT. Recurso de revista não conhecido.” [1]
Vale destacar que a decisão marca um importante precedente, já que, de acordo com a Ministra relatora, Maria Helena Mallmann, a implementação do banco de horas, nesses termos, não envolve direito irrenunciável e não viola direitos indisponíveis assegurados pela Constituição Federal, por tratados internacionais ou por normas de saúde e segurança no trabalho.
A justificativa reside no fato de que a CLT não veda explicitamente o desconto das horas não compensadas, alinhando-se, portanto, com os preceitos constitucionais. Portanto, o empregador passa a ter respaldo na jurisprudência da Corte Superior do Trabalho para realizar os respectivos descontos, desde que, é claro, observe as regras de validade do banco de horas.
Em resumo, a decisão da 2ª Turma do TST de validar a norma coletiva que permite o desconto salarial em caso de banco de horas negativo reafirma a importância das negociações coletivas nas relações de trabalho. Ao respeitar os limites impostos pela Constituição Federal e outras normativas de direitos indisponíveis, a decisão fortalece a autonomia das partes na definição de suas condições de trabalho e promove um ambiente de trabalho mais equilibrado e produtivo.
Esta decisão não apenas marca uma importante mudança na abordagem do banco de horas, mas também sublinha a necessidade de constante adaptação e entendimento das relações trabalhistas em um cenário jurídico dinâmico e em evolução contínua.
[1] TST – RR: 0000116-23.2015.5.09.0513, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 21/02/2024, 2ª Turma, Data de Publicação: 01/03/2024.
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