STF suspende os casos sobre “pejotização”: o que está em jogo?

09/06/2025

Por Eduardo Galvão Rosado e Emanuelle de Moraes Mastrogiacomo

I – Introdução:

O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu recentemente uma decisão de grande impacto para as relações de trabalho no Brasil. Em 14 de abril de 2025, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão, em todo o território nacional, de todos os processos que discutem a validade da contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas ou como autônomos — prática conhecida como “pejotização”.

A decisão foi tomada no contexto do reconhecimento, pelo Plenário do STF, da repercussão geral do Tema 1389, que trata da legalidade dessas formas de contratação e da competência da Justiça do Trabalho para analisá-las. O objetivo central da medida é evitar decisões judiciais conflitantes e garantir maior segurança jurídica enquanto o mérito da controvérsia não é julgado.

A suspensão dos processos gerou debates relevantes no meio jurídico e empresarial, especialmente sobre os limites da autonomia contratual, a distribuição do ônus da prova e a aplicabilidade dos entendimentos firmados anteriormente nos Temas 725 e na ADPF 324, que já haviam reconhecido a licitude da terceirização em quaisquer atividades.

Neste contexto, o presente texto apresenta um panorama atualizado sobre o posicionamento do STF, abordando os principais precedentes, o alcance da suspensão nacional dos processos e as possíveis consequências para o mercado de trabalho brasileiro.

II – Tema 725 da Repercussão Geral (e ADPF 324) do STF:

A Suprema Corte tem reiteradamente declarado a regularidade da execução de modelos de divisão do trabalho diversos daquele consubstanciado na típica relação empregatícia disciplinada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A compatibilidade da prática da terceirização, independentemente de estar ligada às atividades-fim ou meio da empresa contratante, foi definida como legítima no julgamento conjunto da ADPF 324 com o RE 958.252, do qual resultou a tese vinculante sobre a licitude de “qualquer forma de divisão de trabalho entre pessoas jurídicas distintas”.

Nos autos da ADPF 324, questionava-se a correção do conjunto de decisões contraditórias proferidas pela Justiça do Trabalho, baseadas na Súmula nº 331 do TST, que restringia a possibilidade de terceirização de serviços, acarretando aumento da litigiosidade e da insegurança jurídica. Por sua vez, o RE 958.252 tratava da impugnação de decisão que impediu uma empresa de celulose de terceirizar serviços de reflorestamento, por entender que esses serviços seriam essenciais à sua atividade principal, a fabricação de papel.

No julgamento da ADPF 324, firmou-se a constitucionalidade da terceirização de atividades-fim ou meio como forma legítima de organização econômica, com a seguinte tese:

“1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada.
2. Na terceirização, compete à contratante:
i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e
ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993”

O voto prevalente do ministro relator Luís Roberto Barroso sustentou que a terceirização de partes da cadeia produtiva é possível, seja em atividades-meio, seja em atividades essenciais ao negócio. Reforçou os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, que garantem liberdade de organização produtiva e de estratégias empresariais, inexistindo imposição legal de um modelo específico de produção.

No julgamento do Tema 725 – RE 958.252 –, reconheceu-se a possibilidade de divisão do trabalho não só por terceirização, mas também por outras formas jurídicas. A tese fixada foi:

“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Desses precedentes vinculantes, o STF entende que o mercado comporta a coexistência de trabalhadores contratados sob o regime celetista e outros, com maior autonomia, que prestam serviços sem vínculo de emprego. Não se admite mais o privilégio da relação empregatícia em detrimento de outras formas livremente pactuadas. Exemplo dessa orientação é a ementa de decisão em que o Teixeira Fortes obteve êxito, evitando a condenação de uma empresa contratante ao pagamento de R$ 9.435.278,00:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. PERMISSÃO CONSTITUCIONAL DE FORMAS ALTERNATIVAS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo Interno contra decisão que negou seguimento à Reclamação. II. QUESTÃO JURÍDICA EM DISCUSSÃO 2. Discute-se a violação à autoridade da decisão proferida por esta CORTE nos autos da ADPF 324, Rel. Min. ROBERTO BARROSO; da ADC 48, Rel. Min. ROBERTO BARROSO; da ADI 3.961, Rel. Min. ROSA WEBER, e ADI 5.625, Red. p/ o Acórdão Min. NUNES MARQUES; bem como no julgamento do Tema 725-RG, RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão reclamada afastou a eficácia de contrato de representação comercial, afirmando-se a existência de relação de emprego. Assentou, ainda, que essa relação foi utilizada como meio para se fraudar a legislação trabalhista, acarretando na modificação da estrutura tradicional do contrato de emprego regido pela CLT. 4. Inobservância do entendimento da CORTE quanto à constitucionalidade das relações de trabalho diversas da de emprego regida pela CLT, conforme decidido na ADPF 324, na ADC 48, na ADI 3.961, na ADI 5.625, bem como no Tema 725 da Repercussão Geral. IV. DISPOSITIVO 5. Recurso de Agravo a que se dá provimento para julgar procedente a Reclamação. (…) Transferindo-se as conclusões da CORTE para o contrato de representação comercial, tem-se a mesma lógica para autorizar a constituição de vínculos distintos da relação de emprego, legitimando-se a escolha pela organização de suas atividades por implantação dessa modalidade, dando concretude ao art. 1º da Lei 4.886/1965: “Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”. A autoridade reclamada, portanto, ao considerar ilícita a contratação de representante comercial fundado tão somente pela modificação da estrutura tradicional do contrato de emprego regido pela CLT, com vistas ao princípio da primazia da realidade, desconsidera as conclusões do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento da ADPF 324, da ADC 48, da ADI 3.961, da ADI 5.625, bem como do Tema 725 da Repercussão Geral. Nesse sentido: RCL 53.899, rel. Min. DIAS TOFFOLI, j. 17/12/2022; e RCL 54.712, rel. Min. DIAS TOFFOLI, j. 16/12/2022. Ante o exposto, divirjo do Relator para DAR PROVIMENTO ao Agravo Interno, a fim de julgar PROCEDENTE a Reclamação para cassar a decisão reclamada por ofensa à ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), julgando, desde logo, IMPROCEDENTE a Ação Trabalhista (…)”

Assim, de acordo com a tese fixada por esta Corte no julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252 (Tema 725), a essencialidade da atividade prestada em favor da empresa não tem o condão de descaracterizar a natureza da relação jurídica que foi estabelecida, fruto de livre manifestação de vontade das partes.

II – Tema 1389 do STF:

Apesar da validação da terceirização pelo STF no julgamento da ADPF 324 e do Tema 725, a Corte tem constatado resistência da Justiça do Trabalho em aplicar tais entendimentos.

Diante disso, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos que tratam da licitude da contratação de trabalhadores autônomos ou de pessoas jurídicas, prática conhecida como “pejotização”.

Segundo o ministro, a reiterada desobediência ao entendimento do STF tem gerado insegurança jurídica e sobrecarregado a Corte, convertendo-a, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas:

“O descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas”.

No Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1532603), o Plenário reconheceu a repercussão geral do Tema 1389, que envolve, além da validade dos contratos, a definição da competência da Justiça do Trabalho e a distribuição do ônus da prova (se do trabalhador ou do contratante).

No caso discutido no ARE 1532603, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) afastou o reconhecimento do vínculo empregatício entre um corretor e a seguradora, tendo em vista a existência de contrato de prestação de serviços firmado entre eles (contrato de franquia).
Embora o caso concreto discuta contratos de franquia, o relator deixou claro que a discussão não está limitada apenas a esse tipo de contrato. Segundo o ministro Gilmar Mendes, “é fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial”, frisou em manifestação no reconhecimento da repercussão geral.

III – Conclusão:

O cenário atual evidencia uma mudança relevante na interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre as formas de contratação no mercado de trabalho brasileiro. A suspensão nacional dos processos que envolvem a chamada “pejotização”, determinada no âmbito do Tema 1389, sinaliza a firme intenção da Corte de uniformizar o entendimento jurídico, consolidar a segurança nas relações contratuais e reforçar a autonomia da vontade nas contratações civis e comerciais, desde que respeitados os limites constitucionais.

Nesse contexto, é emblemático o trecho do voto do ministro Gilmar Mendes em mais uma Reclamação Constitucional na qual o Teixeira Fortes obteve êxito, afastando a tentativa de descaracterização da prestação de serviços autônoma:

“Registrei, ainda, que se observa, no contexto global, uma ênfase na flexibilização das normas trabalhistas. Com efeito, se a Constituição Federal não impõe um modelo específico de produção, não faz qualquer sentido manter as amarras de um modelo verticalizado, fordista, na contramão de um movimento global de descentralização. (…) No que diz respeito à controvérsia acerca da licitude da ‘terceirização’ da atividade-fim através de contratos de prestação de serviços profissionais por meio de pessoas jurídicas ou sob a forma autônoma, a chamada ‘pejotização’, esta Corte já se manifestou no sentido de inexistir qualquer irregularidade na referida contratação, concluindo, assim, pela licitude da ‘terceirização’ por ‘pejotização’.”

Destarte, a tendência é de que o STF mantenha o posicionamento adotado nos Temas 725 e na ADPF 324, reconhecendo a validade de modelos contratuais que se afastam da estrutura celetista tradicional, desde que respeitados os limites legais e constitucionais. Com isso, vislumbra-se um ambiente de maior previsibilidade para empresas e profissionais que optam por relações mais flexíveis e aderentes às dinâmicas contemporâneas de organização produtiva.

O julgamento do Tema 1389 será decisivo para conferir previsibilidade e segurança jurídica a empresas e profissionais que optam por esse modelo. Até nova deliberação da Corte, os processos sobre o tema permanecem suspensos.

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.