Covid-19 não é doença ocupacional

09/06/2020

Por Eduardo Galvão Rosado

O plenário do STF proferiu no dia 29/04/2020 uma decisão suspendendo, liminarmente, dois artigos da Medida Provisória n° 927. Um deles é o artigo 29, que previa que a contaminação pela Covid-19 não é considerada doença ocupacional, salvo comprovação do nexo causal. Vejamos:

“Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Todavia, ao contrário do que circulou em alguns canais de comunicação, a liminar do STF não tem o condão de considerar automaticamente o novo coronavírus como doença do trabalho.

O referido dispositivo legal que, por ora, está suspenso, trazia uma presunção relativa de que a Covid-19 não foi adquirida nas dependências do empregador (nesse caso, se o empregado adoecesse, deveria demonstrar as supostas irregularidades praticadas pela empresa para tentar responsabilizá-la), mas, agora, caberá ao empregador a obrigação de comprovar que adotou todas as medidas sanitárias com fito de se evitar a disseminação da doença e/ou a suposta culpa exclusiva da vítima.

Em outras palavras, a decisão do STF apenas inverteu o ônus probatório (que, agora, é exclusiva do empregador), mas não incluiu a Covid-19 no rol de doenças ocupacionais.

É importante frisar, ainda, que a regra geral da Legislação Previdenciária não presume o nexo causal em razão de pandemia. Pelo contrário, dispõe que a doença endêmica adquirida em região que ela se desenvolve não é considerada como doença do trabalho. Nesse sentido, vide redação do artigo 20, § 1º, aliena “d”, da Lei n° 8.213/91:

“(…) § 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

(…) d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho (…)”.

Apesar do tema ser extremamente recente, a Justiça do Trabalho já emitiu pronunciamento nos autos da ação civil pública n° 0000354-42.2020.5.11.0018.

Na referida ação, o Sindicato autor protocolou requerimento de reconsideração do indeferimento de seu pedido liminar sobre a exigência do fornecimento da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), de forma indistinta, em caso de contaminação do empregado pela Covid-19, com base na suspensão do artigo 29 da MP n° 927.

No entanto, em face da notória interpretação equivocada, o juiz da 18ª Vara do Trabalho de Manaus rejeitou o pedido, destacando o seguinte (decisão publicada no dia 11/5/2020):

“(…) O pedido autoral tem ensejo na decisão do Plenário do STF, do dia 29/04/2020, que suspendeu dois trechos da MP 927/20, a qual autoriza empregadores a adotarem medidas excepcionais em relação ao contrato de trabalho durante a pandemia da covid-19.

Por maioria, os ministros mantiveram a validade dos principais pontos da referida medida, contudo suspenderam os artigos art. 29 e o art. 31, que dispõem:

“Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não Art. 29. serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

(…)

Art. 31. Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora (…)”.

Reanalisando a questão após a referida decisão do STF, é do entender deste Juízo que não há o que modificar.

Ao contrário do que sustenta o autor, a simples suspensão do artigo 29 não caracteriza, ipso facto, o reconhecimento do coronavírus como doença ocupacional, uma vez que tal presunção somente será válida se baseada em instrumento legal neste sentido.

Assim, considerando que antes da indigitada MP inexistia – e ainda inexiste – qualquer instrumento legal que legitime a presunção de que o covid-19 é doença ocupacional, a suspensão do artigo simplesmente faz retornar ao status anterior, não criando situação nova.

Assim, em eventual circunstância relativa a coronavírus, aplicar-se-ão as regras ordinárias a respeito, pelo que terá de ser demonstrada a culpabilidade da empresa ou mesmo comprovado que se tratou de trabalho cujo risco torna objetiva a responsabilidade do réu, ambas circunstâncias que, considerando o contexto do coronavírus, dependerão de análise jurídica caso a caso, pelo que, de qualquer modo, não se pode presumir a natureza ocupacional da doença.

Registre-se ainda, por oportuno, que consoante argumentando pela própria peticionante, um dos principais argumentos contra tais artigos possui natureza formal, porquanto a medida estaria dispondo a respeito de matéria reservada a lei complementar.

Tal circunstância, torna ainda mais explícito que, salvo os efeitos da suspensão, não se tratou de modificação do direito material, muito menos de reconhecimento da natureza ocupacional do coronavírus

Com efeito, qualquer interpretação neste sentido consistiria num contrassenso de saltar aos olhos, porquanto estar-se-ia aceitando que, ao mesmo tempo em que reconhece a irregularidade da MP em virtude de afronta à reserva de lei complementar, o próprio Excelso estaria afrontando o princípio da separação dos poderes, dado que somente à legislação caberia reconhecer como de natureza ocupacional o coronavírus (…)”

A discussão foi remetida ao Tribunal Regional da 11ª Região (AM/PR) nos autos do Mandado de Segurança n° 0000176-50.2020.5.11.0000, todavia, o entendimento foi mantido em decisão monocrática proferida no dia 29/05/2020. Assim se pronunciou o respectivo relator:

“(…) Percebe-se, a partir de um cotejo das razões do Sindicato autor com os fundamentos do comando impugnado, que não se revela abusiva ou ilegal a conduta do Juízo de 1° Grau, uma vez que a sua decisão encontra-se em sintonia com o direito aplicável à espécie, inexistindo substrato jurídico para a argumentação do Impetrante, no sentido de que a suspensão do art. 29 teria acarretado na presunção da natureza ocupacional dos casos de contaminação pelo Covid-19, conforme sólida e coerente argumentação já constante do decisum questionado.

Como bem apontado pelo Impetrado, com a suspensão do dispositivo constante da MP nº 927/2020, as regras nela contidas retornaram ao status quo ante, qual seja, de necessidade de comprovação do nexo causal entre a moléstia e o labor, bem como, da responsabilidade da empresa, que pode ser objetiva nos casos de atividades de risco, uma vez que inexistente qualquer regramento anterior que previsse a existência de nexo presumido entre o COVID-19 e o trabalho na Litisconsorte, ou mesmo com qualquer outra atividade, ressalte-se.

E, ao contrário do por ora arguido pelo Impetrante, a referida suspensão não decorreu de um entendimento dos Ministros do STF de que todos os trabalhadores de atividades essenciais deveriam ser protegidos e abarcados pelo risco objetivo com relação à doença, mas, sim, em razão de irregularidade formal, por estar, a medida, dispondo a respeito de matéria reservada a lei complementar, sendo esta, inclusive, a insurgência constante das diversas ações apontadas pelo Impetrante como contextualizadoras da declaração da Corte Suprema, como se pode verificar pela própria narrativa do presente mandamus (…)”

O reconhecimento automático da Covid-19 como doença do trabalho o que – repita-se – não foi o teor da decisão do STF – iria gerar um enorme ônus para o empregador, notadamente em face da severa crise econômica que assola o país e, também, pela impossibilidade de fiscalizar a atitude e a conduta dos seus empregados fora das suas dependências. E mais, em se tratando de doença ocupacional, há impacto e majoração do fator previdenciário, pagamento do FGTS durante o período de afastamento, estabilidade provisória e, ainda, possiblidade de eventual pedido de indenização por danos morais e materiais.

De acordo com os dados oficiais do Governo[1], são mais de meio milhão de casos confirmados no Brasil, sendo que aproximadamente 1/5 destes casos são oriundos do Estado de São Paulo.

Portanto, o empregador, para minimizar o risco de ser responsabilizado (que, pelo número de casos, é preocupante), deverá adotar todas as medidas sanitárias e de segurança/medicina do trabalho e, identificando trabalhadores que não as respeitem, deverá penalizá-los imediatamente o que, também, servirá de prova em eventual demanda.

É importante destacar, ainda, que em caso de afastamento pela Covid-19, o empregador deverá seguir o mesmo padrão das demais doenças, com o pagamento integral do salário referente aos 15 (quinze) primeiros dias. A diferença é que, de acordo com o artigo 5º da Lei 13.982/2020, o valor pago poderá ser deduzido das contribuições previdenciárias. Vejamos:

“Art. 5º A empresa poderá deduzir do repasse das contribuições à previdência social, observado o limite máximo do salário de contribuição ao RGPS, o valor devido, nos termos do § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado empregado cuja incapacidade temporária para o trabalho seja comprovadamente decorrente de sua contaminação pelo coronavírus (Covid-19).”

Frisa-se que o procedimento para referida dedução deverá observar a regulamentação do Ato Declaratório Executivo nº 14/2020.


[1] Fonte: https://covid.saude.gov.br/

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