Covid-19 e o direito ao cancelamento de passagens aéreas e pacotes turísticos

18/03/2020

Por Patricia Costa Agi Couto

Com a evolução do Covid-19 mundialmente, e como tem sido diariamente divulgado na mídia, adquirentes de  passagens aéreas e pacotes turísticos têm desistido das viagens compradas e solicitado adiamento ou cancelamento das passagens e dos pacotes. As empresas aéreas e as agências de turismo têm sido orientadas pelos órgãos reguladores de seus setores a facultar aos consumidores o adiamento de suas viagens ou cancelamento mediante troca por um crédito para ser utilizado no prazo de um ano.

A orientação do Procon tem sido no sentido de que as empresas devem oferecer uma alternativa ao consumidor que comprou passagem aérea ou pacote turístico, e que decidiu postergar ou cancelar a viagem em razão da pandemia. Segundo o Procon-SP, o consumidor deve procurar a instituição e com ela negociar o cancelamento/adiamento, porque não há previsão legal para esses casos. Justamente em razão da ausência de legislação específica sobre o tema, companhias aéreas e empresas de turismo têm adotado regras próprias para cada caso. A orientação da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil é que as empresas aéreas devem regulamentar a questão, assegurando aos consumidores o cancelamento sem ônus das passagens aéreas, sem a cobrança de multas. O que não pode ocorrer, evidentemente, é a ausência de alternativas ao consumidor.

Nesse cenário de incertezas, há que se definir quais direitos podem ser exigidos pelo consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece eu seu artigo 6º, inciso I,  os direitos básicos garantidos ao consumidor, ou seja,  “proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”. Amparado em tal garantia, se o consumidor precisa adiar ou cancelar uma viagem por questão alheia à sua vontade e que lhe ameace a saúde e a vida,  deve estar assegurado de que não terá ônus.

Mais que isso, o inciso V do mesmo artigo 6º autoriza “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” e também sob tal aspecto o consumidor está amparado pela lei para cancelar a sua viagem. No âmbito da legislação consumerista, é o que se denomina Teoria do Rompimento da Base Objetiva do Contrato, teoria que permite a revisão do contrato quando houve quebra da base de negócio jurídico, devendo o julgador restabelecer o equilíbrio da avença, recompondo a economia contratual.

Em situações em que não exista um acordo entre consumidor e fornecedor, o caminho é ajuizamento de uma ação judicial. Algumas decisões sobre o tema já foram proferidas em sede liminar pelo Poder Judiciário, todas autorizando o adiamento das viagens sem custo, facultando ao consumidor a remarcá-las.

Uma das primeiras decisões foi proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Processo nº 5015072-79.2020.8.21.0001 da Comarca de Porto Alegre). Naquele processo, muito embora os autores tenham pedido o cancelamento dos voos, lhes foi concedida apenas a remarcação dentro do prazo de um ano. Em outro caso, proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, (Processo nº 0053470-40.2020.8.19.0001 do Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro) a liminar concedida também autorizou a remarcação das passagens sob o seguinte fundamento“Há o risco de dano iminente passível de causar sério prejuízo à parte, já que é fato notório o surto da Covid-19 na Itália. Aliás, diante da gravidade do surto, o país determinou o fechamento de diversos pontos turísticos. O cenário não possui previsão para alteração, tampouco remarcação do voo sem que antes ocorra uma mínima normalização das atividades do país de destino e estabilização da situação”.

Não será simples o cancelamento com a devolução integral dos valores pagos. As situações devem ser analisadas individualmente e sempre objetivando o equilíbrio contratual, de forma a não onerar excessivamente nenhuma das partes. Este tipo de cancelamento do contrato certamente será mais difícil de ser obtido judicialmente e, possivelmente, só será admitido em situações muito excepcionais.

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