STJ pode ampliar as possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica

16/11/2023

Por Antônio Carlos Magro Júnior

A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto de suma importância no campo do direito empresarial, sendo empregado com o objetivo de assegurar a efetiva execução das obrigações e resguardar os interesses dos credores. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), contemplado no Código de Processo Civil, estabelece o procedimento pelo qual a separação entre a entidade jurídica e seus sócios ou administradores pode ser ignorada em situações específicas que envolvam abuso ou confusão patrimonial.

Entretanto, o entendimento e a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica frequentemente suscitam divergências, uma vez que, não raramente, os critérios necessários para a aplicação desse instituto são interpretados de maneira discrepante pelos magistrados.

Nesse contexto, é digno de nota que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente afetou o julgamento de dois recursos especiais sobre a questão, o que culminou na instauração do Tema 1210. Esse tema repetitivo tem o poder de impactar a compreensão e a aplicação do IDPJ, já que a decisão a ser proferida se concentrará na avaliação do “cabimento ou não da desconsideração da personalidade jurídica no caso de mera inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa.”

Em linhas gerais, os requisitos que norteiam a desconsideração da personalidade jurídica estão delineados no artigo 50 do Código Civil, destacando-se o desvio de finalidade e a confusão patrimonial como fundamentos que justificam a sua aplicação, sendo definidos da seguinte maneira:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

 

§ 1º. Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

 

§ 2º. Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

 

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

 

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

 

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial”.

Para além daquilo que foi expressamente estabelecido na legislação, durante a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, tem surgido situações em que as empresas demandadas simplesmente não possuem mais ativos ou encerram suas atividades de forma irregular, deixando obrigações pendentes.

E a questão que se coloca é se o IDPJ é cabível nessas circunstâncias, com base na alegação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Nos dois recursos especiais afetados pelo STJ, originados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, observamos decisões divergentes a respeito desse tema. Enquanto no REsp nº 1873187/SP a decisão apontou para a possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, no REsp nº 1873811/SP o entendimento foi contrário:

REsp nº 1873187/SP:

“Ante a ausência de localização de bens e o encerramento irregular da atividade, foi julgado procedente o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da executada (fls. 25).

 

Acertadamente.

 

É de ver que a falta de demonstração da existência de patrimônio, somada ao encerramento irregular de atividade, tornavam imperativa a providência adotada; afinal, trata-se de circunstâncias que permitem presumir o abuso da personalidade jurídica”. (grifou-se)

REsp nº 1873811/SP:

“No caso dos autos, nenhum dos elementos relatados pela exequente autoriza o acolhimento do pleito de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada SKYTRACK MONITORAMENTO LTDA., ou seja, não há prova de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

 

Conquanto existam indícios de que a empresa foi encerrada de forma irregular, pois não localizada no endereço constante da Jucesp (fls. 33 e 43/45 da execução) como é cediço, “o encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar o abuso de personalidade jurídica”, conforme o Enunciado nº 282, da IV Jornada de Direito Civil do CEJ/CJF.

 

Do mesmo modo, a mera ausência de bens penhoráveis (bloqueio Bacenjud e penhora no faturamento negativos, fls.178/180 e 199 da execução), não configura desvio de finalidade, tampouco confusão patrimonial, não sendo suficiente para justificar a desconsideração da personalidade jurídica, notadamente porque essa medida é reservada para situações excepcionais”. (grifou-se)

Conforme destacado anteriormente, a incerteza em relação à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica pode ter implicações adversas para as partes envolvidas em disputas judiciais. É evidente que é do interesse de todos os envolvidos em litígios que abrangem o IDPJ que esse instituto seja o mais transparente e previsível possível, o que desempenha um papel crucial na promoção da segurança jurídica.

O julgamento do Tema 1210 pelo STJ, então, representa uma oportunidade singular para esclarecer e aperfeiçoar as diretrizes que regem a desconsideração da personalidade jurídica no Brasil.

Isso é particularmente relevante devido ao fato de que o entendimento que o STJ vier a adotar oferecerá diretrizes sólidas para os juízos de primeira e segunda instâncias, cumprindo, assim, o propósito subjacente à criação de um tema pelo STJ, que é estabelecer padrões consistentes e uniformes na aplicação desse instituto em todo o sistema judiciário brasileiro.

Esse esforço pela clareza e coerência não apenas beneficiará as partes envolvidas nos litígios, mas também contribuirá de forma significativa para a promoção da justiça e da equidade no cenário empresarial do país.

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