Quando uma empresa se torna credora e necessita recorrer ao Judiciário, o juiz pode determinar medidas constritivas para reaver os valores devidos, como o arresto ou a penhora de recebíveis. Essa ordem judicial é comunicada a terceiros que detêm valores a serem pagos ao devedor, determinando que não efetuem o pagamento diretamente à parte, mas sim que depositem os valores em juízo para a satisfação do crédito.
Dito isso, o Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 77, inciso IV, estabelece que é dever de todos que participam do processo cumprir com exatidão as decisões judiciais e não criar embaraços à sua efetivação. No processo de execução, essa colaboração é fundamental para que se atinja o objetivo principal: a satisfação do credor.
Assim, a omissão, a recusa em fornecer informações precisas ou a prestação de informações contraditórias ao juízo sobre a existência de vínculos contratuais e valores a serem pagos às empresas executadas, pode acarretar imposição de multas por ato atentatório à dignidade da Justiça, litigância de má-fé e fraude à execução, sobretudo quando se frustra a efetividade do processo judicial, desviando bens ou valores para evitar o pagamento da dívida.
A controvérsia surge, porém, quando o terceiro devedor é uma sociedade que pertence a um grande grupo econômico, visto que, embora a regra geral seja pela separação patrimonial entre as empresas de um mesmo grupo, pode haver a responsabilização solidária das sociedades, caso seja comprovado o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, de acordo com o artigo 50, §4°, do Código Civil [1].
Assim, em situações atípicas, quando reconhecida que a personalidade jurídica está sendo utilizada de modo abusiva e fraudulenta, a unidade econômica de um conglomerado impõe à empresa controladora uma responsabilidade mais abrangente sobre suas subsidiárias. Dessa forma, quando a controladora de um grupo econômico tem recebíveis penhorados, essa penhora poderá recair sobre todas as sociedades do grupo, e não somente sobre a pessoa jurídica principal.
Um caso recente julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) ilustra de forma clara as implicações dessa responsabilidade estendida. A EF Language Learning Solutions Ltda. moveu uma ação de execução contra a Titans Group e outras empresas, tendo sido deferido, em janeiro de 2017, um pedido de arresto cautelar dos recebíveis das executadas junto à empresa Claro S/A. Esta, por sua vez, foi oficiada para informar e transferir os valores devidos para a conta judicial, porém negou repetidamente a existência de quaisquer recebíveis em favor das executadas, mantendo essa posição por mais de quatro anos.
A contradição, no entanto, se tornou patente quando, em maio de 2021, a Claro S/A finalmente informou a existência de contratos com a Titans desde 2010, reconhecendo que a Embratel TVSAT, sociedade que integra o mesmo grupo econômico, realizou diversos pagamentos à executada entre janeiro de 2017 e abril de 2018.
Em virtude disso, a 22ª Câmara de Direito Privado do TJSP considerou inescusável o cumprimento tardio da ordem judicial e omissiva e contraditória a conduta da Claro S/A ao longo do processo, reconhecendo a prática de fraude à execução devido ao prejuízo causado à satisfação do crédito, confirmando, assim, as multas impostas à empresa controladora. Veja-se:
Apelação. Embargos de terceiro. Ciência inequívoca da empresa Claro S/A, desde 20/01/2017, da concessão de arresto cautelar dos recebíveis das empresas executadas. Expedição de diversos ofícios à apelada sem o devido cumprimento da determinação judicial acarretando a aplicação de multas por ato atentatório à dignidade da justiça no valor de R$ 5.000,00 e por litigância de má-fé de 5% do valor atualizado da causa com trânsito em julgado certificado pelo C. STJ. Empresa Embratel TVSAT, que já pertencia ao mesmo grupo que integra a empresa oficiada, Claro S/A. No período de 23/01/2017 a 26/04/2018, foram pagos indevidamente à executada Titans valores que somam o total de R$ 966.118,32, quando deveriam ter sido depositados em juízo, em estrito cumprimento à determinação judicial. Configurado prejuízo à satisfação do crédito exequendo. Inescusável o cumprimento de ordem judicial após 4 anos do inequívoco conhecimento da decisão judicial de deferimento do arresto cautelar e da determinação de informações e depósito judicial de valores devidos à empresa executada. Reforma da r. sentença. Embargos de terceiro improcedentes. Recurso provido. [2] (grifou-se)
A decisão no caso Claro S/A revela, portanto, a possibilidade de que, para fins de efetividade na execução, grupos econômicos podem ser tratados como uma unidade, sendo irrelevante a formalidade entre CNPJs distintos quando há omissão, ocultação de vínculos ou descumprimento de ordens judiciais.
A posição do TJSP, no entanto, deve ser compreendida como uma manifestação pontual, vinculada às circunstâncias excepcionais do processo em questão. Ainda que a decisão denote um posicionamento rigoroso no combate à fraude à execução, seu alcance deve ser interpretado de maneira restritiva, sem generalizações quanto à responsabilização automática de empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico.
É imperativo, pois, que as empresas, especialmente aquelas inseridas em complexas estruturas de grupo econômico, mantenham um controle rigoroso sobre as comunicações judiciais, evitando, assim, os riscos e sanções associados à desobediência e à má-fé processual.
[1] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
(…) § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
[2] TJSP; Apelação Cível 1049595-73.2022.8.26.0100; Relator: Roberto Mac Cracken; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/04/2025; Data de Registro: 30/04/2025.
01 julho, 2025
12 junho, 2025
11 junho, 2025
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