São inúmeros os casos de contribuintes que enfrentam situações estapafúrdias envolvendo a cobrança de tributos, mas um caso em particular, que envolve uma empresa e a Prefeitura de um Município do Estado de São Paulo, chama a atenção pela postura da Prefeitura, que representa com perfeição a completa indiferença dos entes públicos para com princípios tributários básicos.
No caso em questão, a empresa foi citada em uma execução fiscal, na qual a Prefeitura exigia débitos de IPTU dos exercícios de 2015 a 2017. No entanto, a empresa não conseguiu identificar o imóvel sobre o qual recaiam as cobranças, pois as informações que constavam nas Certidões de Dívida Ativa (CDAs) eram precárias e não indicavam o local exato do imóvel.
Como a indicação do imóvel é um requisito indispensável, a empresa apresentou uma exceção de pré-executividade, sustentando que as CDAs eram nulas, por ausência de elementos mínimos exigidos pela Lei, até mesmo para a própria identificação do imóvel.
O Juiz da causa concordou com a empresa, e extinguiu a execução fiscal, reconhecendo que as informações contidas nas CDAs não permitiam sequer a identificação do imóvel.
Mas a Prefeitura recorreu. Insistiu que o imóvel pertencia à empresa. Para provar a sua alegação, apresentou cópias de um processo administrativo, no qual a empresa houvera, anos antes, solicitado a alteração da área no cadastro imobiliário, pedindo a mudança de área rural para urbana. Com isso, finalmente foi possível identificar-se a área que estava sendo objeto de cobrança do IPTU.
Mas qual não foi a surpresa da empresa ao verificar que a área em questão era na verdade uma pequena fração de terras, que havia sido doada ao Município para criação de uma Estação de Tratamento de Água!
Os documentos revelaram que a companhia de saneamento básico do Município vinha utilizando a referida área para captação de água há muito tempo, e buscava obter o título de propriedade do local para instalar uma Estação de Tratamento de Água (ETA).
Para concretizar esse projeto, o Município solicitou que a empresa destacasse aquela pequena fração de terra da sua fazenda, pedisse a alteração do cadastro imobiliário, de rural para urbano, e, por fim, formalizasse a doação da área em favor do Município. A empresa, para contribuir com o desenvolvimento da cidade, em total boa-fé, graciosamente, e reconhecendo os benefícios sociais que a instalação da ETA traria para a região e a população local, seguiu as orientações estabelecidas pelo Município.
Mas curiosamente esse esforço não foi suficiente para conter o ímpeto arrecadatório da Prefeitura. Mesmo após ocupar a área por anos e recebê-la depois como doação para a instalação da ETA, a Prefeitura “agradeceu” o gesto benevolente da empresa lançando contra ela o IPTU sobre a referida fração de terra, retroagindo a cobrança ao momento da alteração da área de rural para urbana.
Esse caso revela uma postura arbitrária, violadora da boa-fé, e que coloca em xeque a confiança dos contribuintes nas instituições públicas. Afinal, como esperar que empresas e cidadãos colaborem com ações sociais positivas para a coletividade em geral se, ao fazerem isso, são “agraciados” com cobrança de tal maneira indevida?
Como a discussão no processo se tornou muito complexa, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que a matéria não poderia ser resolvida pela via estreita da exceção. Essa situação obrigou a empresa a opor embargos à execução para discutir os débitos, sendo compelida a garantir em juízo o valor do IPTU.
O episódio é inusitado e até anedótico. A Prefeitura não apenas ignorou a doação, mas também retroagiu a cobrança do imposto, desconsiderando todo o propósito social da ação. Essa situação acende um sinal de alerta, pois se até as boas ações dos contribuintes para com o Poder Público são “retribuídas” dessa forma, não há incentivo para que elas sejam adotadas.
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