Atualização jurisprudencial sobre o acordo extrajudicial e a abrangência de sua quitação

07/07/2023

Por Pedro Henrique Fernandes de Souza

Em artigo publicado na data de 24/11/2021 , discorremos sobre a competência das Varas do Trabalho para decidir quanto a homologação de acordo extrajudicial em matéria trabalhista (artigo 652, alínea f, da CLT) e, ainda, sobre o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial (artigos 855-B a 855-E da CLT).

Nele expusemos que, a partir da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, empregador e empregado passaram a ter autorização legal para transigirem extrajudicialmente, isto é, fora dos tribunais judiciais, desde que haja posterior homologação da avença em Juízo, e concluímos ser possível a quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho, haja vista a legislação pertinente não fazer qualquer menção sobre o alcance da quitação outorgada pelo empregado – isto é, se ela é geral ou restrita às verbas convencionadas no acordo extrajudicial –, e o Tribunal Superior do Trabalho ter se manifestado, em precedentes de quatro de suas oito Turmas (3ª, 4ª, 5ª, e 8ª Turmas [1]), a favor da quitação integral do contrato de trabalho por meio dos acordos extrajudiciais, desde que homologados em Juízo.

O artigo, como dito, foi publicado em 24/11/2021 e, desde então, as 1ª , 6ª e 7ª Turmas do TST [2], que não haviam se pronunciado a esse respeito ainda, também se posicionaram a favor da quitação integral, sendo certo, portanto, que a mais alta corte trabalhista já formou maioria, por meio de suas Turmas (no caso, de 7 x 1), no sentido de ser válido o acordo extrajudicial que contemple cláusula, inclusive, de quitação geral e irrestrita ao contrato de trabalho.

Apesar disso, impende esclarecer que as decisões das Turmas do TST não possuem efeito vinculante, razão pela qual a possibilidade de quitação geral, por meio de acordo extrajudicial, não é garantida, haja vista o livre convencimento motivados dos juízes, na forma do artigo 371 do CPC. Note-se que o TST não editou súmula a respeito, nos termos do artigo 926 do CPC, e o STF tampouco se pronunciou sobre o tema.

Deste modo, tendo em vista que o entendimento do TST é majoritário, porém, não absoluto e, repita-se, sem efeito vinculante, recomenda-se cautela na celebração do acordo extrajudicial quando existente interesse na quitação geral ao contrato de trabalho, principalmente porque, além do já citado livre convencimento motivado dos juízes, a 3ª Turma do TST, em recente decisão [4] – publicada em 20/04/2023 – alterou radicalmente seu entendimento anterior, perfilhando-se agora àquele da 2ª Turma [3], desfavorável a quitação integral do acordo extrajudicial. [5]

O relator da referida decisão, Ministro José Roberto Freire Pimenta, assinalou que:

“(…)

O Juiz do Trabalho, ao se deparar com um acordo extrajudicial trabalhista que contenha cláusulas que malfiram normas de caráter cogente ou que tenham o potencial de sonegar direitos trabalhistas (como as cláusulas de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho e de atribuição de natureza jurídica contra legem das parcelas trabalhistas), não deve ficar limitado entre as alternativas de proceder a uma homologação total ou a uma não homologação total do acordo extrajudicial. Deve-se-lhe ser facultado, à luz do seu convencimento motivado (art. 371 do CPC) e do seu poder-dever de ampla liberdade na direção do processo (art. 765 da CLT), no caso, processo de homologação de acordo extrajudicial, deliberar por extirpar do ajuste somente tais cláusulas, de modo a manter a viabilidade do pagamento das parcelas trabalhistas que as partes acordaram serem devidas ao trabalhador.

(…)

A manutenção da cláusula de quitação geral e irrestrita, portanto, impediria o trabalhador de futuramente questionar e pleitear direitos da relação de emprego eventualmente sonegados ao longo do pacto laboral, obstaculizando o próprio direito de Acesso à Justiça, insculpido no artigo 5o, XXXV, da CF/88.

(…)”

Assim, com esta decisão, a 3ª Turma, que até então se inclinava a favor da quitação integral do contrato de trabalho por meio de acordo extrajudicial, desde que homologado em Juízo, passou a “admitir a possibilidade de este excluir cláusulas que malfiram normas de ordem pública e que tenham nítido caráter abusivo ou fraudulento, permitindo, por outro lado, a manutenção da validade da parte do ajuste que atenda à finalidade do Direito do Trabalho e ao ordenamento jurídico como um todo”.

Contudo, muito embora o TST possua entendimento majoritário sobre o tema, ele não é absoluto, tampouco vinculante, motivo pelo qual resta ressalvada a possibilidade de homologação do acordo extrajudicial com quitação restrita às verbas nele convencionadas e, por conseguinte, o risco de o trabalhador ingressar posteriormente com demanda para discutir outras verbas não constantes no acordo.

Espera-se, por fim, que o TST uniformize a sua jurisprudência, por meio da edição de súmula, a fim de conferir maior segurança jurídica nas relações de trabalho, e/ou o STF seja instado a se pronunciar sobre a (in)constitucionalidade da quitação integral do contrato de trabalho por meio dos acordos extrajudiciais homologados em Juízo.

 

[1] Exemplificativamente, os seguintes processos: 3ª Turma – Processo nº 1001333-71.2018.5.02.0320 (RRAg), de relatoria do Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira da 3ª Turma do TST, com data de publicação em 22/10/2021;

4ª Turma – Processos nº 0020744-54.2019.5.04.0732 (RR), de relatoria do Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho da 4ª Turma do TST, com data de publicação em 16/06/2023, e nº 1000011-74.2020.5.02.0084 (RR), de relatoria da Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi da 4ª Turma do TST, com data de publicação em 16/06/2023;

5ª Turma – Processo nº 0100974-69.2020.5.01.0041 (RR), de relatoria do Ministro Douglas Alencar Rodrigues da 5ª Turma do TST, com data de publicação em 09/12/2022;

8ª Turma – Processo nº 0000432-78.2020.5.21.0011 (RR), de relatoria da Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes da 8ª Turma do TST, com data de publicação em 21/11/2022.

[2] 1ª Turma – Exemplificativamente, os seguintes processos: Processos nº 1000029-32.2021.5.02.0708 (RR), de relatoria do Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior da 1ª Turma do TST, com data de publicação em 02/06/2023, e nº 1002209-03.2017.5.02.0048 (RR), de relatoria do Ministro Luiz José Dezena da Silva da 1ª Turma do TST, com data de publicação em 12/05/2023;

6ª Turma – Processo nº 1000659-04.2020.5.02.0715 (RR), de relatoria do Ministro Augusto César Leite de Carvalho da 6ª Turma do TST, com data de publicação em 19/05/2023;

7ª Turma – Processos nº 1001608-09.2018.5.02.0065 (RR) e nº 0100591-18.2021.5.01.0054 (RR), ambos de relatoria do Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte da 7ª Turma do TST, com data de publicação em 12/05/2023 e 26/05/2023, respectivamente.

[3] Processo de nº 1000323-21.2019.5.02.0202 (RR), de relatoria da Ministra Maria Helena Mallmann da 2ª Turma do TST, com data de publicação em 02/06/2023;

[4] Processo nº 1001542-04.2018.5.02.0720 (RR), de relatoria do Ministro José Roberto Freire Pimenta da 3ª Turma do TST, com data de publicação em 20/04/2023 e republicação em 03/07/2023.

[5] As Turmas do TST são compostas por três Ministros. Ocorre que, em 12/2021, o Ministro Alberto Bresciani, que era favorável a quitação integral do acordo extrajudicial, se aposentou, quando, então, em 02/2022, o Ministro José Roberto Freire Pimenta assumiu sua vaga, o que possivelmente justifica a mudança de jurisprudência da Turma.

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