Em alienação fiduciária de imóvel, é válida a intimação a apenas um dos cônjuges devedores

31/03/2022

Por Paulo Ernesto Mariano Schwarz

Um casal que obteve crédito mediante alienação fiduciária de bem imóvel ingressou com ação para questionar o procedimento adotado pelo credor para execução da garantia. Alegaram, em suma (i) que apenas um dos cônjuges foi pessoalmente intimado pelo cartório de registro de imóveis para purgar a mora; (ii) que somente um deles teria sido notificado acerca das datas, horários e locais dos leilões extrajudiciais; e (iii) por fim, que a venda do imóvel a terceiros, após as praças, teria sido realizada por preço muito baixo, considerado vil.

A decisão de 1ª. instância foi desfavorável aos devedores. Interposto recurso de apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo [1] entendeu que, sendo os devedores casados e residentes no mesmo endereço, para a regularidade da intimação basta que apenas um deles seja intimado para purgar a mora, pois existe a presunção de que ambos tomaram conhecimento do procedimento de execução. Restou consignado, ainda, que tal presunção também se aplica à notificação sobre as datas, horários e locais dos leilões extrajudiciais, que são realizados após a consolidação da propriedade do imóvel em favor do credor fiduciário. Eis alguns trechos da decisão:

“Ação anulatória de consolidação da propriedade e de leilão extrajudicial fundada em contrato de financiamento imobiliário com garantia fiduciária. Sentença de improcedência.

Alegação de irregularidade da intimação pessoal dos devedores acerca do início do procedimento de execução extrajudicial. Intimação de um deles. Suficiência. Presunção de que ambos os devedores tomaram ciência do procedimento adotado pela instituição financeira. (…)

Consta dos autos documento (f. 185/192) que demonstra a realização da notificação pessoal os devedores para fins de comprovação da mora, realizada por cartório de Registro de Imóveis e títulos e Documentos para efetuarem o pagamento do débito em atraso, sob pena de consolidação da propriedade do imóvel no nome do credor.

Os autores alegam a irregularidade da intimação pessoal acerca do início do procedimento de execução extrajudicial e dos leilões.

No caso da notificação para fins de purgação da mora, as duas intimações foram recebidas pelo coautor Rafael Aparecido dos Santos (f. 185 e 189).

E o credor trouxe aos autos documentos que comprovam a publicação do edital em jornal de grande circulação (f. 265/266) e o AR da carta de intimação sobre a data dos leilões, que foi recebida pela coautora Ana Carolina (f. 252).

No caso, os autores são casados e residem no mesmo endereço, o que presume que ambos tomaram ciência do procedimento adotado pela instituição financeira. (…)”

No que diz respeito à legalidade da venda do imóvel, o Tribunal decidiu que, uma vez realizados os leilões, e restados eles infrutíferos, houve a incorporação definitiva do bem ao patrimônio do credor fiduciário e a consequente extinção da dívida, motivo pelo qual não há como sustentar que a arrematação do imóvel havida em praça posterior deva ser anulada sob alegação de que o arremate se deu por preço vil:

“(…) Alegação de venda do bem por preço vil. Não ocorrência. Bem que foi incorporado ao patrimônio do credor que pode ser vendido sem restrição de valor mínimo. (…)

A alegação dos autores de arrematação por preço vil não vinga.

No caso, o valor da avaliação do imóvel constante no contrato, que foi assinado em 11/08/2015, é de R$265.000,00 (f. 48) e o bem foi arrematado por R$134.100,00 em 27/06/2019, sendo a comissão do leiloeiro R$7.450,00 (f. 213 e 267).

Na data de 24/05/2019 foi realizado o primeiro leilão do imóvel, sendo o valor do lance mínimo para arrematação R$384.350,01, tendo restado negativo, por ausência de lances (f. 270). Na data de 29/05/2019 foi realizado o segundo leilão do imóvel, sendo o valor de lance mínimo para arrematação R$208.258,81, tendo restado negativo, por ausência de lances (f. 271).

O credor, então, deu a carta de quitação ao devedor (f. 272).

Em 27/06/2019 foi realizado outro leilão, no qual o imóvel foi arrematado pelo valor de R$134.100,00 (f. 267).

Desta forma, após seguir os procedimentos legais previstos, primeiro e o segundo leilão, prevendo expressamente a necessidade de intimação, e os valores mínimos pelos quais o imóvel poderia ser vendido, como tais leilões foram infrutíferos, a dívida foi considerada extinta e dada carta de quitação ao devedor (art. 27, §§ 4 º, 5º e 6º), sendo o credor, portanto, o novo proprietário do imóvel, que poderia o vender pelo valor que conseguisse, sem restrição de valor mínimo porque o bem já foi incorporado ao seu patrimônio, não sendo mais dos antigos proprietários. (…)”

Embora ainda existam divergências em outros Tribunais do País, o posicionamento adotado no acórdão vem sendo adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo há algum tempo [2]. Prevalece o bom senso. Ora, se os devedores são casados e moram no mesmo endereço, é sensato supor que ambos têm conhecimento do curso do procedimento de execução da garantia, não havendo justificativa para burocratizar ainda mais o procedimento, em relação ao cônjuge não localizado, com novas tentativas de intimação para purgação da mora e notificação dos leilões extrajudiciais. Ademais, verifica-se o mesmo bom senso na rejeição do descabido pedido de anulação da venda/arrematação do imóvel quando este já se encontrava na esfera patrimonial do credor fiduciário.

 

[1] Apelação Cível n° 1001724-74.2019.8.26.0222, Relator(a): Morais Pucci, Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado.

[2] Exemplos: Apelação Cível n° 1027980-04.2020.8.26.0001, Relator(a): Hugo Crepaldi, Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado, Data do Julgamento: 07/10/2021; Agravo de Instrumento n° 2168118-70.2021.8.26.0000, Relator(a): Walter Exner, Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado, Data do Julgamento: 31/08/2021; Apelação Cível n° 1013279-26.2020.8.26.0005, Relator(a): Claudio Hamilton, Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado, Data do Julgamento: 27/08/2021; Apelação Cível n° 1009271-20.2019.8.26.0529, Relator(a): Paulo Ayrosa, Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado, Data do Julgamento: 08/10/2021.

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