STF decide que Sindicato pode impedir redução de salários

08/04/2020

Por Eduardo Galvão Rosado

A Medida Provisória nº 936 – de 01/04/2020 – criada para a “Manutenção do Emprego e da Renda”  trouxe, dentre várias medidas, a possiblidade de redução proporcional de jornada de trabalho e de salários no percentual de 25%, 50% ou 70% (ou de outro montante estabelecido via negociação coletiva), pelo período de até 90 dias e, ainda, a possiblidade de suspensão temporária do contrato de trabalho, por até 60 dias.

De acordo com a MP, para que as medidas acima tenham validade, basta o empregador informar o Ministério da Economia e o respectivo Sindicato, acerca da formalização do acordo entabulado com o empregado, no prazo de 10 dias.

Ademais, para os empregados com salário de até R$ 3.135,00 ou enquadrados no parágrafo único do artigo 444 da CLT (os chamados “hiperssuficientes”) ou quando a redução de jornada de trabalho e de salário for de 25%, não há necessidade da anuência do sindicato (sem prejuízo, no entanto, da referida comunicação).

Ocorre que, no dia imediatamente seguinte (02/04/2020), foi proposta, pelo Partido Rede Sustentabilidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6363), com pedido de medida cautelar, para questionar a aparente inconstitucionalidade da previsão que permite a formalização de acordos, para redução de salários, sem a necessidade do aval do Sindicato de classe o que, a princípio, fere (além de outros dispositivos citados na referida Ação) o artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”.

Os autos foram distribuídos para a relatoria do Ministro do STF Ricardo Lewandowski que assim se posicionou:

“(…)

Ora, num exame ainda perfuntório da inicial, próprio desta fase processual, parece-me que assiste razão, em parte, ao partido político que a subscreve. Com efeito, a análise dos dispositivos do texto magno nela mencionados revelam que os constituintes, ao elaborá-los, pretenderam proteger os trabalhadores – levando em conta a presunção jurídica de sua hipossuficiência – contra alterações substantivas dos respectivos contratos laborais, sem a assistência dos sindicatos que os representam.

(…)

Ora, o confronto, ainda que sumário, dos preceitos constitucionais acima listados com os dispositivos contestados da MP 936/2020 desperta forte suspeita de que estes, conforme alega o autor da ação, afrontam direitos e garantias individuais dos trabalhadores, que, como se sabe, configuram cláusulas pétreas”.

Mais adiante, em seu voto, destacou trechos dos posicionamentos que haviam sido emitidos pela ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e pela ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho). Vejamos:

“(…)

Corroborando esse ponto de vista, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA emitiu nota pública em que afirmou, a respeito da referida Medida Provisória, o quanto segue:

“1. A expectativa, num cenário de crise, é de que a prioridade das medidas governamentais se dirija aos mais vulneráveis, notadamente, aqueles que dependam da própria remuneração para viver e sustentar as suas famílias. Tais medidas devem ser, além de justas, juridicamente aceitáveis. Na MP 936 há, contudo, insistência em acordos individuais entre trabalhadores e empregadores; na distinção dos trabalhadores, indicando negociação individual para ‘hiperssuficientes’; na desconsideração do inafastável requisito do incremento da condição social na elaboração da norma voltada a quem necessita do trabalho para viver; e no afastamento do caráter remuneratório de parcelas recebidas em razão do contrato de emprego, que redundará no rebaixamento do padrão salarial global dos trabalhadores e das trabalhadoras. Tudo isso afronta a Constituição e aprofunda a insegurança jurídica já decorrente de outras mudanças legislativas recentes.

2. A Constituição de 1988 prevê, como garantia inerente à dignidade humana, a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, IV). Por isso, a previsão de acordos individuais viola a autonomia negocial coletiva agredindo, primeiro, o sistema normativo que deve vincular todos os Poderes Constituídos e, segundo, a Convenção nº 98 da OIT, que equivale a norma de patamar superior ao das medidas provisórias.

(…)

Em sentido semelhante, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT manifestou sua preocupação com “[…] o reiterado afastamento da negociação coletiva na implementação das aludidas medidas emergenciais, relativamente a considerável parcela dos vínculos de trabalho, sobretudo quando referentes à redução de salários e suspensão de contratos de trabalho, pois a Constituição da República garante como direito do trabalhador brasileiro a irredutibilidade salarial, só sendo possível a diminuição dos salários a partir de negociação coletiva (art. 7º, VI). Prever a redução salarial sem a participação dos sindicatos de trabalhadores, mesmo em tempos de crise acentuada, é medida de natureza inconstitucional”.

Ao final, o referido Ministro deferiu a medida cautelar, com os seguintes argumentos:

“(…) a mera previsão, na MP 936/2020, de que tais acordos “deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato representativo da categoria, no prazo de até dez dias corridos” aparentemente não supre a inconstitucionalidade apontada na inicial. Isso porque a simples comunicação ao sindicato, destituída de consequências jurídicas, continua a afrontar o disposto na Constituição sobre a matéria.

Por isso, cumpre dar um mínimo de efetividade à comunicação a ser feita ao sindicato laboral na negociação. E a melhor forma de fazê-lo, a meu sentir, consiste em interpretar o texto da Medida Provisória, aqui contestada, no sentido de que os “acordos individuais” somente se convalidarão, ou seja, apenas surtirão efeitos jurídicos plenos, após a manifestação dos sindicatos dos empregados.

Na ausência de manifestação destes, na forma e nos prazos estabelecidos na própria legislação laboral para a negociação coletiva, a exemplo do art. 617 da Consolidação das Leis do Trabalho será lícito aos interessados prosseguir diretamente na negociação até seu final (…)”.

Como se denota, por ora (pois a decisão ainda será submetida ao plenário da Corte), os acordos individuais celebrados com os empregados (para redução de salários ou para a suspensão do contrato), só não terão validade se, após a comunicação do Sindicato (que deve ser feita em 10 dias), este deflagrar a negociação coletiva.

Portanto, ao contrário do que vem sendo (erroneamente) veiculado na imprensa, se o Sindicato permanecer inerte após ser notificado sobre os acordos entabulados com os empregados, estes se convalidarão e não haverá a necessidade da celebração de Acordo ou de Convenção Coletiva de Trabalho (a não ser, por óbvio, nas hipóteses expressamente previstas na MP nº 936).

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