Por Aline Maria Turco
O juiz responsável pela condução da recuperação judicial requerida ontem pelas empresas do Grupo Odebrecht,[1] Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho, deferiu o processamento do pedido em decisão proferida ontem, na qual também previu a aplicação de multa aos credores que intentem atos de expropriação contra os bens das empresas em recuperação – incluindo aqueles detentores de créditos extraconcursais – sem que o pedido seja antes submetido a ele, que decidirá sobre a essencialidade do bem, podendo impedir o prosseguimento da excussão.
Depois de indicar os fundamentos que demonstrariam a necessidade de coibir atos de expropriação contra bens essenciais de empresas em recuperação judicial, o magistrado consignou que “qualquer ato de credor, sujeito ou não à recuperação judicial, que busque pagamento fora dos termos da recuperação judicial ou excussão de bens essenciais à atividade, respectivamente, através de medidas adotadas em esfera administrativa ou Juízos diversos que não o recuperacional, sem prévia discussão sobre a essencialidade do bem com vistas ao soerguimento da atividade, estará violando determinação legal e judicial, em absoluta contrariedade aos postulados da boa-fé e da cooperação processual, de modo a ser possível tal conduta ser enquadrada como ato atentatório à dignidade da justiça, conforme previsão do inciso IV do art. 77 do CPC.”
A Odebrecht não formulou pedido nesse sentido, tampouco com tal amplitude. Ela se limitou a requerer pedido liminar para que, durante o prazo do stay period,[2] algumas de suas participações societárias, principalmente as ações da Braskem – às quais atribui seu ativo mais valioso, representante de 79,4% da receita bruta do Grupo no ano de 2018 – sejam protegidas de credores extraconcursais, aos quais elas foram dadas em alienação fiduciária, assim como os respectivos direitos creditórios, objeto de cessão fiduciária.
Portanto, foram esses os ativos indicados pela própria Odebrecht como essenciais, sobre os quais ela pleiteou a proteção limitadamente ao prazo do stay period. A legislação determina que, durante esse prazo de suspensão, são proibidas a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.[3]
O magistrado, por sua vez, determinou que todo e qualquer bem objeto de expropriação seja antes levado ao crivo do juízo recuperacional para que ele decida sobre sua essencialidade, sob pena de aplicação de multa de até 20% (vinte por cento) do valor da causa. Na decisão, o magistrado não faz referência expressa ao prazo do stay period, dando margem à interpretação de que essa determinação não está limitada ao período de suspensão das ações e execuções existentes contra as recuperandas (180 dias).
Sem prejuízo da amplitude temerária da decisão, o grande problema é a gama de bens aos quais os magistrados têm atribuído a indigitada “essencialidade”, e o critério adotado, muitas vezes incompreensível. Há recentes decisões obstando todo e qualquer ato expropriatório promovido por credores extraconcursais sob tal fundamento, a exemplo de um caso patrocinado pelo Teixeira Fortes no qual o juízo da recuperação judicial, cujo débito confessado pela recuperanda atingia R$ 46.573.854,35, entendeu que o valor de R$ 65.418,84, bloqueado em ação de execução movida por credor extraconcursal, era essencial.
Entende-se que, se o valor objeto do exemplo é essencial para a manutenção das atividades de uma empresa sob o regime recuperacional, devedora de dezenas de milhões, o caso é de falência e não de recuperação judicial. Sob esse e outros argumentos, aguarda-se julgamento do recurso interposto.
A par disso, a essencialidade do bem deveria sempre estar relacionada ao comprometimento efetivo da capacidade de a recuperanda continuar gerando receitas, o que não se verifica na maioria das situações concretas.
Essa e outras questões certamente serão discutidas na condução da maior recuperação judicial do País,[4] e ao menos nesse aspecto, a judicialização da crise enfrentada pelo Grupo Odebrecht proporcionará importantes debates e definições, especialmente para os credores que amargam prejuízos decorrentes de negócios realizados e não adimplidos por empresas em recuperação judicial.
[1] KIEPPE PARTICIPAÇÕES E ADMINISTRAÇÃO LTDA., CNPJ 04.215.837/0001-09, ODBINV S/A, CNPJ 15.105.588/0001-15, ODEBRECHT S/A, CNPJ 05.144.757/0001-72, OSP INVESTIMENTOS S/A, CNPJ 22.606.673/0001-22, ODEBRECHT SERVIÇOS E PARTICIPAÇÕES S/A, CNPJ 10.904.193/0001-69, ATVOS AGROINDUSTRIAL INVESTIMENTOS S/A, CNPJ 11.218.273/0001-23, OPI S/A, CNPJ 17.337.615/0001-00, ODEBRECHT PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS S/A, CNPJ 07.668.258/0001-00, ODB INTERNACIONAL CORPORATION, registrada sob n.º 138020 B, ODEBRECHT FINANCE LIMITED, registrada sob n.º 181323, ODEBRECHT ENERGIA INVESTIMENTOS S/A, CNPJ 20.541.146/0001-51, ODEBRECHT ENERGIA S/A, CNPJ 13.079.757/0001-64, ODEBRECHT ENERGIA PARTICIPAÇÕES S/A, CNPJ 19.790.376/0001-75, ODEBRECHT ENERGIA DO BRASIL S/A, CNPJ 13.439.547/0001-30, ODEBRECHT PARTICIPAÇÕES E ENGENHARIA S/A, CNPJ 17.851.495/0001-65, EDIFÍCIO ODEBRECHT RJ S/A, CNPJ 19.432.176/0001-40, ODEBRECHT PROPERTIES INVESTIMENTOS S/A, CNPJ 21.264.618/0001-39, ODEBRECHT PROPERTIES PARCERIAS S/A, CNPJ 16.584.908/0001-20, OP CENTRO ADMINISTRATIVO S/A, CNPJ 19.128.923/0001-51, OP GESTÃO DE PROPRIEDADES S/A, CNPJ 20.620.396/0001-87, MECTRON – ENGENHARIA, INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A, CNPJ N.º 65.481.012/0001-20.
[2] Nos termos do art. 6º, caput e § 4º da Lei 11.101/2005, ao deferir o processamento da recuperação judicial, o juiz determina que as ações e execuções existentes em face da empresa em recuperação sejam suspensas pelo prazo de 180 (cento de oitenta) dias.
[3] Art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005: Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
[4] O valor atribuído à causa é de R$ 83.627.096.922,18.
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