Os Créditos Trabalhistas na Lei de Recuperação Judicial e Falência

10/03/2010

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

I. INTRÓITO.

A Lei 11.101/05 traz ao mundo jurídico um novo conceito em substituição à extinta concordata: a recuperação judicial. Nas palavras do Senador Ramez Tebet, em seu relatório, “sempre que for possível a manutenção da estrutura organizacional ou societária, ainda que com modificações, o Estado deve dar instrumentos e condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial”.

No campo do Direito do Trabalho, repercute no relatório do Senador Tebet a proteção aos trabalhadores como conseqüência à preservação da empresa. Eis o princípio adotado pelo Senador: “os trabalhadores, por terem como único ou principal bem sua força de trabalho, devem ser protegidos, não só com precedência no recebimento de seus créditos na falência e na recuperação judicial, mas com instrumentos que, por preservarem a empresa, preservem também seus empregos e criem oportunidades para a grande massa de desempregados”.

A Lei nº 11.101/05 vem conferir aos trabalhadores privilegiados mecanismos para viabilizar a precedência no recebimento de seus créditos no momento de aguda crise do empregador, sem, contudo, dilacerar o patrimônio ou extinguir a atividade empresarial.

II. A RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Impossível iniciar qualquer explanação sobre créditos trabalhistas na Recuperação Judicial, sem antes traçar algumas linhas gerais do instituto.

Assim como toda ação, a Recuperação Judicial tem seu início com a distribuição de petição inicial que, nos termos do artigo 51 da Lei 11.101/05, deverá conter “a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira”, e ser instruída com documentos que comprovam inequivocamente a crise noticiada, dentre eles, a relação integral de empregados, salários, indenizações e outras verbas trabalhistas, inclusive aquelas constantes das reclamatórias em trâmite.

Preenchidos todos os requisitos do artigo 51, o juiz deferirá o processamento da Recuperação Judicial e, no mesmo ato, ordenará a suspensão de todas as ações e execuções promovidas em face do devedor. É nesse momento que se observam os primeiros reflexos sobre os créditos trabalhistas.

Deferido o processamento da Recuperação Judicial, o devedor deve, no prazo de 60 dias, apresentar ao juízo o Plano de Recuperação, na forma do artigo 53, que deverá ser aprovado pelos credores, sob pena de convolação em Falência.

O Plano de Recuperação deve observar dois limites quanto aos créditos trabalhistas:

(i) o prazo para pagamento dos créditos trabalhistas deve ser inferior a 1 (um) ano;

(ii) o prazo para pagamento dos créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial, inferiores a 5 salários mínimos e vencidos nos três meses anteriores à concessão da Recuperação Judicial, deve ser de no máximo 30 (trinta) dias.

Apresentado o Plano de Recuperação, qualquer credor poderá opor objeção ao plano. A objeção será julgada pela Assembléia Geral de Credores que poderá ou não rejeitar o plano. Não sendo rejeitado, o juiz concede a recuperação e dar-se-á o início ao cumprimento das obrigações; caso contrário, convola-se a Recuperação Judicial em Falência.

O despacho que defere o processamento da Recuperação Judicial implica, ainda, início do prazo de 15 (quinze) dias para habilitação de créditos, qualquer que seja a sua natureza, na forma do artigo 7º, parágrafo 1º, da Lei 11.101/05. Habilitados os créditos dentro desse prazo, é publicado novo edital, desta vez contendo a relação de credores e seus respectivos créditos e, com isso, abre-se novo prazo, desta vez de 10 (dez) dias, para impugnação dos créditos habilitados. Não havendo impugnações, o juiz homologa o quadro geral de credores, na forma do artigo 14 da Lei sob análise.

Segundo a Doutrina de AMADOR PAES DE ALMEIDA, os créditos trabalhistas oriundos de sentença condenatória transitada em julgado não podem ser objeto de impugnação, eis que deve ser respeitada a coisa julgada.

A habilitação retardatária dos créditos (após o prazo de 15 dias referidos no artigo 7º, parágrafo 1º e antes da homologação do quadro geral de credores) será recebida pelo juiz como impugnação e processada na forma dos artigos 13 a 15 da Lei. Julgados procedentes, esses créditos habilitados tardiamente são acrescentados no quadro geral de credores.

Após a homologação do quadro geral de credores, o credor que não habilitou seu crédito somente poderá fazê-lo por meio de ação ordinária ajuizada perante o juízo da recuperação judicial.

III. A FALÊNCIA

O decreto de Falência gera, para os credores, os mesmos efeitos causados pelo despacho que defere o processamento da Recuperação Judicial, diferindo, apenas quanto ao prazo de suspensão das execuções, que perdurará até a extinção do processo. A habilitação de créditos também segue o mesmo roteiro da Recuperação Judicial.

O tratamento dos créditos trabalhistas na Falência não sofreu alterações com o advento da Lei nº 11.101/05, no que tange sua ordem na classificação.

A alteração mais significativa está na limitação imposta pelo artigo 83. Conforme determina o inciso I do citado artigo, estão em primeiro lugar na ordem de pagamento dos créditos aqueles “derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidente do trabalho”.

A limitação imposta pelo artigo 83, inciso I, objeto de críticas e discussões acirradas, tem o objetivo de “evitar abusos freqüentes no processo falimentar, pelo qual os administradores das sociedades falidas, grandes responsáveis pela derrocada do empreendimento, pleiteiam por meio de ações judiciais milionárias w muitas vezes frívolas, em que a massa falida sucumbe em razão da falta de interesse em uma defesa eficiente, o recebimento de altos valores, com preferência sobre todos os outros credores e prejuízos aos ex-empregados que efetivamente deveriam ser protegidos, submetendo-os a rateios com os ex-ocupantes de altos cargos. Tal modificação, longe de piorar a situação dos trabalhadores, garante a eles maior chance de recebimento, pois reduz-se a possibilidade de verem parte significativa do valor que deveriam receber destinada ao pagamento dos altos valores dos quais os ex-administradores afirmam ser credores trabalhistas”.
Cabe questionar, ntão, o que ocorre com o valor que exceder 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos? A resposta está na alínea “c”, do inciso VI, do artigo 83: o saldo dos créditos trabalhistas que ultrapassar tal limite serão pagos juntamente com a classe de créditos quirografários.

O doutrinador FÁBIO ULHOA COELHO, renomado professor de Direito Comercial, em comentário ao artigo 83, entende que a classificação do inciso I se subdivide em três subclassificações. A primeira verba a ser quitada, segundo o ínclito professor, é aquela decorrente de indenização por acidente do trabalho, seguida pelas verbas relativas ao contrato de emprego e, por último, aquelas originárias de contratos sem vínculo empregatício.

Mas, com todo o respeito ao jurista, cumpre discordarmos da posição equivocada, eis que as verbas oriundas do vínculo empregatício devem, invariavelmente, ocupar o primeiro lugar na ordem de pagamento, por se tratarem de verbas de caráter alimentar. Repetindo as palavras do Senador Ramez Tebet: “os trabalhadores, por terem como único ou principal bem sua força de trabalho, devem ser protegidos”. Ademais, o empregado que se acidenta, e pleiteia indenização pelo acidente, já recebe (ou receberá) os benefícios da assistência previdenciária, o que garante, em tese, o seu sustento e de sua família.

A própria Lei 11.101/05, no artigo 151, demonstra o privilégio concedido aos créditos decorrentes do contrato de emprego, em detrimento dos créditos originados da indenização acidentária. Determina o dispositivo que os créditos trabalhistas de natureza salarial, por serem revestidos de característica alimentar, vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação de quebra e limitados a 5 (cinco) salários-mínimos, serão pagos logo que houver disponibilidade de caixa da massa falida.

IV. CONCLUSÃO

Vivemos sob a égide do Decreto-lei nº 7.661/45 durante quase 60 (sessenta) anos; com a chegada da nova Lei de Falência cumpre a nós, advogados, e aos membros da Magistratura, aplicarmos as mais requintadas técnicas de interpretação e integração das normas jurídicas, a fim de preservar a conjugação de interesses e ideais para, “sempre que for possível a manutenção da estrutura organizacional ou societária, ainda que com modificações, […] dar condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial”.

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