Flexibilização e Modernização do Direito do Trabalho: Um Imperativo Social

10/03/2010

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

1. INTRÓITO.

A área de intersecção entre o Direito do Trabalho e a Macroeconomia é certamente muito grande. Os constituintes de 1988, eleitos na esteira da euforia do “Plano Cruzado”, concebido nos gabinetes palacianos sob a batuta do então Presidente da República e hoje senador José Sarney, e movidos pelo legítimo desejo de assegurar direitos e garantias aos trabalhadores rurais e urbanos, direitos esses esparsos e consolidados na legislação trabalhista vigente, enumeraram taxativamente no artigo 7º diversos deles:

(i) a irredutibilidade salarial, salvo acordo ou convenção coletiva;

(ii) a participação nos lucros;

(iii) os períodos de jornada;

(iv) o descanso semanal remunerado;

(v) as férias e o adicional de férias;

(vi) a proibição de diferenciação entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; e até mesmo,

(vii) a proteção em face da automação, dentre outros.

A outorga ou consolidação desses direitos no texto constitucional pode, claro, ser analisada sob diversas óticas. Importam aos objetivos desta restrita análise alguns dos impactos desses direitos na economia do país. Não se cuidará aqui, desta forma, da eficácia de tais disciplinas na proteção do trabalhador, do trabalho ou das condições sociais, embora isso também tenha reflexos na economia.

E desse contexto exsurge a questão a ser respondida: a oneração do trabalho, por via dos chamados direitos sociais e dos diversos encargos incidentes sobre os salários, é positiva para a sociedade como um todo, e implicam, de fato, alocação adequada e eficiente de recursos?

2. CONCEITOS DE FLEXIBILIZAÇÃO

Antes de mais nada, é preciso situar adequadamente os conceitos de flexibilização e desregulamentação da legislação trabalhista. Entre os juristas vários são os sentidos da palavra flexibilização. AMAURI MASCARO NASCIMENTO entende que o vocábulo flexibilizar refere-se ao direito individual do trabalho. Já desregulamentar diz respeito ao direito coletivo. Para JOSÉ FRANCISCO SIQUEIRA NETO, a desregulamentação é um tipo de flexibilização promovida pela legislação. Prevalece, de regra, a compreensão de flexibilização como espécie do gênero desregulamentação.

Na doutrina estrangeira também se pode encontrar estudos apontando para esse conceito. O autor peruano MARIO PASCO COSMÓPOLIS traz a seguinte definição: “desregular es, a su vez, um neologismo que viene a significar privar de normatividad, suprimir o eliminar los mandatos legales que regulaban determinado instituto o situación. Al igual que la flexibilización, pressupone la existencia de uma regulación a la flexibilización atenúa em tanto que la desregulación elimina. Flexibilizar implica, por tanto, mantener um derecho o beneficio laboral, peroreduciendo su alcance, profundidad o contenido, para adaptarlo a las necessidades empresariales; mientras que desregular implica suprimirlo, descartarlo totalmente.”

Conclui aquele autor:

“Em tal sentido, podríamos ilegar a afirmar que la desregulación es el grado máximo e insuperable de la flexibilización, la toda ausencia, la virtual claudicación del derecho laboral”.

Flexibilizar ou desregulamentar, na verdade não importa. Filigranas à parte, o certo é que quaisquer que sejam os conceitos adotados, muito pouco se poderá fazer em termos de reforma da legislação sem que sejam discutidos e claramente compreendidos os ônus do sistema atual, até porque a eficácia jurídica de qualquer reforma não poderá ser feita sem alterações relevantes do texto constitucional, pois é certo que qualquer reforma não agradará a muitos setores da sociedade, e a matéria, certo como dois e dois são quatro, será levada às barras da justiça.

3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ONERAÇÃO DO TRABALHO E SUA RELAÇÃO COM A RIGIDEZ DA LEGISLAÇÃO.

Economia, no dizer de muitos autores, é o estudo da escolha em ambientes de escassez de recursos. Fossem abundantes os recursos econômicos, talvez a análise presente poderia ser dispensada. O contexto histórico em que se situa a inserção dos direitos do trabalhador na carta constitucional é relevante exatamente por isso: era um momento em que o país passara pela “bolha” do Plano Cruzado. A economia estava aquecida, a população eufórica, o tabelamento dos preços – de uma penada acessíveis a muito mais gente – encantava a população (e a grande parte dos economistas, diga-se de passagem). Não se cogitava de escassez ou desabastecimento, pois se faltasse carne, por exemplo, não faltariam “fiscais do Sarney” para laçarem os bois no pasto e prender o gerente! Era um ambiente, enfim, em que os estatocratas predominavam e faziam escola. Até a Glasnost e a Perestroika de Gorbatchev faziam água lá pelos lados da Europa Oriental, tudo conspirando a favor da visão do Estado poderoso e divisor do bolo abundante.

Aliás, abrindo aqui um parêntese, não foi apenas na seara dos direitos do trabalho que esse mesmo animus se fez presente. O sistema tributário brasileiro também foi concebido pelos constituintes de 1988 de forma a aquinhoar generosamente os Estados, cujos Governadores tinham acabado de ser eleitos – quase todos, não por coincidência, do mesmo partido do presidente e dos principais nomes do Plano Cruzado. Aos Estados coube, com rigor de verdade, uma fatia generosa da arrecadação, mas não os correspondentes ônus. Não surpreende que os tributos federais criados daqueles tempos a esta parte sejam denominados contribuições sociais, não sujeitas àquela repartição.

Pois bem. Aqueles direitos estabelecidos na Consolidação das Leis Trabalhistas, na legislação esparsa e na Constituição Federal, significam, em última análise, custo implícito para o empreendedor na contratação de qualquer trabalho assalariado. No âmbito do setor privado da economia esse custo implícito gera, ipso facto, um “incentivo” econômico à contratação informal.

A idéia de flexibilização nasce precisamente nesse ponto, a partir do qual a sociedade brasileira passou a contemplar duas “categorias”, por assim dizer, de trabalhadores: os ditos “formais” e os ditos “informais”. Vale dizer: a oneração do trabalho é fator excludente de milhares de pessoas do sistema formal.

Claro que essa distinção – entre os com e sem “carteira assinada” – comporta, por sua vez, inúmeras considerações. Uma delas, na seara urbana, é o grau de formação do trabalhador, já que a lei trabalhista é “tamanho único” , isto é, aplicável tanto ao profissional pós doutorado em física nuclear quanto ao lavador de automóveis, de pouca ou nenhuma alfabetização.

O professor JOSÉ PASTORE indica que em 2004 houve um crescimento de 2,4% (dois inteiros e quatro décimos por cento) do trabalho formal, e de 9,6% (nove inteiros e seis décimos por cento) do trabalho informal. O mesmo economista, citando estudo denominado “The Regulation of Labor” , transmite dados surpreedentes a respeito da rigidez da legislação trabalhista no Brasil. No estudo citado, apurou-se o índice de rigidez baseado na legislação trabalhista, negociação e previdência social, variando de 0 (sem nenhuma rigidez) a 2,5 (rigidez extrema). Os resultados:

a) os países ricos são os que regulam menos, com índice médio de 1,24;

b) os países emergentes atingem o índice médio de 1,76;

c) o Brasil é o recordista, com o índice 2,4.

Argumenta-se que se o objetivo maior das reformas trabalhista é possibilitar a competitividade das empresas e a criação de novos postos de trabalho, as mudanças deveriam ocorrer principalmente na tributação dos salários, dos serviços e das mercadorias.

Sem dúvida, a alta carga tributária onera demasiadamente as empresas brasileiras, afugenta a vinda de capital, e dá lugar para a economia e o trabalho informal, o que, consequentemente, como num ciclo vicioso, gera baixa arrecadação. É certo que com uma reforma tributária, uma fiscalização efetiva e uma punição severa aos infratores, as empresas teriam melhoradas as condições de competitividade, reduziriam a economia informal, o Estado recolheria mais e poderiam ser destinados recursos àqueles que são os mais fracos na cadeia produtiva: os trabalhadores.

Mas isso não dispensaria uma reforma trabalhista que seja capaz de romper as amarras do empreendedor, que ao contratar um trabalhador paga, somados salários e encargos diversos, o preço de mais de dois, e ainda assume um enorme ônus administrativo, em que o Estado, como destinatário de inúmeros procedimentos e controles – que por sua vez geram mais custos indiretos – surge como indesejável sócio.

Veja-se alguns dados, compilados pelo Professor José Pastore:

Despesas de Contratação – Horistas e % sobre salário

A – Contribuições Sociais

INSS 20,00

FGTS 8,50

Salário Educação 2,50

Seguro de Acidente (média) 2,00

Serviços Sociais (SESI/SESC/SEST) 1,50

Formação Profissional (SENAI/SENAC/SENAT) 1,00

SEBRAE 0,60

INCRA 0,20

Subtotal A 36,30

B – Remuneração de Tempo não Trabalhado – I

Repouso Semanal 18,91

Férias 9,45

Abono de Férias 3,64

Feriados 4,36

Aviso Prévio 1,32

Licença Enfermidade 0,55

Subtotal B 38,23

C – Remuneração de Tempo não Trabalhado – II

13º Salário 18,91

Indenização de Dispensa – 50% FGTS 3,21

Subtotal C 14,12

D – Incidências Cumulativas

A/B 13,88

FGTS/13º Salário 0,93

Subtotal D 14,12

TOTAL GERAL 103,46

O Trabalho no Brasil

População com 10 anos e mais 142.980.324

População economicamente ativa 87.787.660

Ocupada 79.250.627

Desocupada 8.537.033

Não economicamente ativas 55.174.797

Empresas por Tamanho

Porte nº %

Micro 5.277.308 94,7

Pequena 245.458 4,4

Média 29.579 0,5

Grande 22.434 0,4

Total 5.574.779 100,0

Fonte: RAIS – 2001

Classificação SEBRAE

Tamanho Indústria Comércio Serviços

Micro até 19 até 9 até 9

Pequena 20 a 99 10 a 49 10 a 49

Média 100 a 499 50 a 99 50 a 99

Grande mais de 499 mais de 99 mais de 99

Fonte: Observatório SEBRAE, Estudo MPE nº 1,2003

Empregados por Empresa Formal

Nº Empregados Nº Empresas %

0 a 4 4.124.994 83,2

5 a 9 463.519 9,4

10 a 19 219.306 4,4

20 a 29 57.832 1,2

30 a 49 41.386 0,8

50 a 99 27.974 0,6

100 a 249 16.944 0,3

250 a 499 6.653 0,0

500 e mais 6.277 0,0

Total 4.964.885 100,0

Fonte: Cadastro Geral de Empresas, IBGE – 2002

Empresas Formais com Empregados

Nº Empregados Nº Empresas %

1 a 4 1.235.742 69,8

5 a 19 391.241 22,1

20 a 99 112.342 6,3

100 a 499 25.176 1,4

500 e mais 5,016 0,3

Total 1.769.517 100,0

Fonte: BNDES, 2002 Estudo de Acompanhamento 1995-2000

Empresas por Porte da Empresa Formal

Tamanho da Empresa Nº Empregados %

1 a 4 1.921.418 8,1

5 a 19 3.502.457 14,7

20 a 99 4.499.441 18,9

100 a 499 5.140.227 21,7

500 e mais 8.692.143 36,6

Total 23.755.736 100,0

Fonte: BNDES, 2002 Estudo de Acompanhamento 1995-2000

Além disso, importa relevar os seguintes dados, cuja fonte é o BNDES, 2002, “Estudo de Acompanhamento 1995-2000”, ainda de acordo com o economista citado:

a) cerca de 2,8 milhões de empresas não têm trabalhadores formais (RAIS);

b) as microempresas representam cerca de 95% do total de empresas formais (com CNPJ); o trabalho informal nessas é de 74%;

c) o comércio representa 37% das empresas formais; o trabalho informal nesse setor é de 84%.

Parece nítido o caráter excludente da vetusta legislação trabalhista. Uma legislação que precisa se amoldar às diferentes realidades, sob pena de acentuar a divisão entre formais e informais. Não é mais possível a manutenção de um modelo único.

Mesmo com números tão alarmantes acerca da informalidade, de 1994 a 2003 foram distribuídas, só na Justiça do Trabalho da Segunda Região (que abrange São Paulo, região metropolitana e litoral), 3.402.468 (três milhões, quatrocentos e dois mil, quatrocentos e sessenta e oito) ações judiciais, de acordo com o serviço de estatística disponibilizado no site daquele Tribunal.

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