Conforme explorado anteriormente em artigo publicado pelo advogado Roberto Caldeira Brant acerca das operações envolvendo alienação fiduciária, na hipótese de o credor fiduciário optar por perseguir outros bens do devedor além daquele dado em garantia, tal circunstância não consiste em renúncia tácita à garantia fiduciária.

Essa assertiva é respaldada pela jurisprudência. No ano de 2022, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.965.973-SP, decidiu que o credor de dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel não está obrigado a promover a execução extrajudicial do seu crédito, podendo optar pela execução judicial integral, desde que o título que dá lastro à execução seja dotado de liquidez, certeza e exigibilidade.

No referido acórdão, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva decidiu que embora haja previsão de procedimento específico de execução extrajudicial no caso de dívida garantida por alienação fiduciária, nos termos da Lei 9.514/1997, o exequente tem a opção de escolher o meio que lhe parecer mais adequado na busca pela satisfação do crédito.

Adicionalmente, o STJ, ao julgar o Recurso Especial nº 1.978.188, sob a relatoria do Ministro Humberto Martins, reforçou a autonomia do credor na escolha do procedimento executivo e reverteu decisão que havia decretado a extinção da execução sob o fundamento de que caberia ao credor primeiro formalizar a transmissão das propriedades dos imóveis dados em garantia e, somente na eventualidade de não serem suficientes para a quitação do débito, teria direito ao recebimento do saldo, podendo se valer da ação executiva.

Nas palavras do Exmo. Ministro, “embora haja previsão de procedimento específico de execução extrajudicial no caso de dívida garantida por alienação fiduciária (Lei n. 9.514/97), não existe óbice legal ao exequente de optar pela execução prevista no Código de Processo Civil, quando dispuser de título hábil para tanto, atrelado a esta garantia, sendo-lhe constitucionalmente garantido o livre acesso à via judiciária para cobrança da dívida.”

Entretanto, na prática da ação de execução, emerge a discussão sobre a possibilidade de o credor fiduciário indicar outros bens à penhora, além do que foi dado em garantia fiduciária. Contrariando alguns argumentos frequentemente levantados pelos devedores, a jurisprudência se manifesta de forma clara nesse ponto.

O Exmo. Ministro Antônio Carlos Ferreira, em julgamento do AIREsp nº 1544669 – SP, ratificou que é plenamente possível a penhora de bens diversos, à escolha do credor, conforme for mais conveniente à efetividade da execução, descabendo forçá-lo a excutir sua garantia contratual, ainda que tais bens sejam suficientes à satisfação do débito. O credor pode, por exemplo, optar por penhora de ativos financeiros (investimentos), que gozam de maior liquidez ao invés de realizar os atos de expropriação do imóvel dado em garantia, que como se sabe, é um procedimento moroso.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em consonância com esse entendimento, esclareceu que, uma vez admitida a propositura da execução pelo credor fiduciário, a prática de atos de constrição não se restringe ao bem dado em garantia. A fundamentação da Exma. Relatora Ana de Lourdes Coutinho ressalta que a existência de garantias não autoriza o devedor a obstruir a persecução patrimonial do credor.

Segundo a visão da jurisprudência, a garantia real, conforme prevista no CPC, art. 835, §3º, é considerada de preferência relativa, podendo ser admitida a prática de atos de constrição em seu âmbito, ainda que sejam atingidos bens distintos daqueles gravados. Confira-se:

“Possibilitada a propositura de execução pelo credor fiduciário, deve ser consequentemente admitida a prática de atos de constrição em seu âmbito, sem que tal circunstância configure automática renúncia à garantia fiduciária, ainda que sejam atingidos bens distintos daqueles gravados.

 

Isto porque, o devedor responde pelo débito com a totalidade de seus bens; não sendo possível impor restrições na persecução patrimonial pretendida pelo credor, apenas em razão de eventual existência de garantias. De fato, em estando inadimplente o devedor, não há que se falar em legítima expectativa de não ser cobrado, apenas porque, momentaneamente, o credor não se valeu de eventuais garantias que lhe foram concedidas; não sendo dado ao devedor pretender que as garantias, estabelecidas em favor do credor, sejam utilizadas em prejuízo deste, limitando a possibilidade de implementação de medidas constritivas previstas em lei.

 

Mesmo a garantia real prevista no CPC, art. 835, §3º, reveste-se de preferência relativa. De fato, tal garantia não é oponível ao credor nos casos em que não possibilite a satisfação do débito, como na hipótese vertente, em que não ficou demonstrado que as garantias seriam suficientes e idôneas para o adimplemento do crédito executado.”

Diante desse contexto, é evidente que a jurisprudência tem consolidado uma visão flexível e alinhada à efetividade na execução de créditos garantidos por alienação fiduciária. A possibilidade de escolha do procedimento executivo e a amplitude na constrição de bens, quando respaldadas por título líquido, certo e exigível, reforçam a autonomia do credor e conferem maior segurança jurídica às operações dessa natureza.

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