Ações revisionais: necessidade de quitação da parte controvertida

07/07/2023

Por Antônio Carlos Magro Júnior

Incorre em mora, segundo a definição do artigo 394 do Código Civil (CC), “o devedor que não efetuar o pagamento (…) no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”.

Estabelecida essa premissa, o Código de Processo Civil (CPC) em vigor desde março de 2016 manteve dois dispositivos incorporados em maio de 2013 ao revogado CPC, os quais, lidos de forma apressada, poderiam levar ao entendimento de que o simples pagamento da parte incontroversa de parcelas relativas a contratos de empréstimo, financiamento ou alienação de bens, seria suficiente para liberar o interessado da mora decorrente da não quitação daquilo que almeja controverter em ação revisional.

Notemos a redação conferida aos §§ 2º e 3º do artigo 330:

Art. 330. (…)

 

§ 2º Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito.

 

§ 3º Na hipótese do § 2º, o valor incontroverso deverá continuar a ser pago no tempo e modo contratados.

Ao legislador, a nosso ver, faltou disciplinar o que deveria ocorrer em relação à parte controvertida. Tivesse feito isso, certamente não teríamos dúvidas acerca da incorrência em mora, ou não, pela parte que propõe a ação revisional e deixa de pagar o controvertido.

De todo modo, o entendimento que vem sendo adotado pelas cortes é no sentido de que apenas o pagamento da parte incontroversa não se mostra suficiente para afastar a mora em relação à parte controvertida e não paga. Ou seja, apenas o pagamento integral do débito, na pendência de discussão judicial a respeito, teria o condão de livrar o interessado da mora.

Essa discussão, na verdade, não é nova. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2009, já havia editado a Súmula 380, no seguinte sentido:

Súmula 380. A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor.

Naquela época, já se defendia a tese de que apenas por meio de tutela antecipada, presentes as condições legais para tanto, liberar-se-ia o interessado das consequências da mora, por exemplo, para evitar que seu nome fosse inscrito em órgãos de proteção ao crédito, enquanto pendente o litígio.

Com efeito, os §§ 2º e 3º do artigo 330 do CPC apresentam uma obrigação clara ao interessado, de ao menos pagar a parte incontroversa. Mas isso logicamente não implica em dizer que não deve se sujeitar aos efeitos da ausência de pagamento atinente às obrigações que busca em juízo controverter.

A razão de assim ser é óbvia: o artigo 394 do CC define o que se entende por mora – o não pagamento da obrigação pecuniária no tempo, lugar e forma estabelecidos – e, a não ser que decisão judicial transitada em julgado reconheça a eventual ilegalidade de cláusula inserida em contratos de empréstimo, financiamento ou alienação de bens, não há como livrar o interessado desse ônus.

Exemplificativamente, vejamos abaixo recentes decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o tema, com destaques:

“TUTELA DE URGÊNCIA. Ação revisional de contrato de financiamento de imóvel. Consignação. Depósito judicial do valor incontroverso. Banco de dados. Inscrição do nome. Cobrança. Vedação. Impossibilidade. A mera discussão acerca do débito, amparada por laudo particular, não é suficiente para autorizar depósito judicial da quantia entendida como incontroversa e nem impede a inscrição do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes mantidos pelos órgãos de proteção ao crédito e a cobrança da dívida. O depósito judicial de débito oriundo de contrato somente produz o efeito liberatório da consignação se integral, considerados os encargos. Recurso improvido” (TJSP, Agravo de instrumento nº 2268819-05.2022.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Fernando Marcondes, Data de julgamento: 03/05/2023).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL. TUTELA DE URGÊNCIA. Indeferimento. Pretensão do recorrente ao depósito do valor incontroverso, com o afastamento dos efeitos da mora, à não inclusão de seu nome nos órgãos de proteção ao crédito e ao deferimento da manutenção na posse do veículo. Discussão acerca da abusividade na cobrança de juros. Necessidade de instrução do feito para verificação de eventual abusividade. A falta de pagamento total ou parcial das parcelas justifica que o credor exija seu crédito pelos meios judiciais, inclusive via ação para reaver o veículo, ou mesmo inclua o nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito pois, até que se vislumbre eventual ilegalidade no pacto, prevalecem as cláusulas contratadas. Apuração unilateral dos valores que se pretende consignar. Possibilidade de consignar em juízo, nos termos do artigo 330, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil, sem, contudo, afastar os efeitos da mora. Pagamento de valor menor por conta e risco do recorrente. Recurso parcialmente provido para autorizar o depósito judicial da quantia incontroversa, sem o afastamento da mora” (TJSP, Agravo de instrumento nº 2041950-52.2023.8.26.0000, 15ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Jairo Brazil, Data de julgamento: 03/05/2023).

O entendimento acima, convém destacarmos, é pacífico na Corte Paulista.

Em conclusão, para que o interessado não se submeta aos efeitos da mora, ante o não pagamento da parte controvertida, caberá requerer e ter deferida em seu favor a tutela de urgência prevista no artigo 300 e seguintes do CPC, desde que preenchidos os requisitos lá constantes. O mero pagamento da parte incontroversa, como vimos, não o livrará da negativação de seu nome e especialmente de ser cobrado pela dívida.

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