Indenizações decorrentes de acidentes de trânsito

23/06/2023

Por Antônio Carlos Magro Júnior

Como sabemos, um acidente de trânsito pode resultar em traumas muitas vezes irreparáveis para a vítima e seus familiares. Por essa razão, existem várias espécies de indenizações que surgem em casos dessa natureza, todas elas intimamente relacionadas aos danos ocasionados.

A primeira categoria que vem à mente é a indenização por danos materiais, que abrange os prejuízos financeiros decorrentes do acidente em si, como danos ao veículo conduzido pela vítima (se aplicável), despesas médicas e hospitalares, tratamentos futuros, medicamentos, adaptações no lar e outros custos relacionados à reabilitação e reintegração social.

Além disso, destaca-se de forma evidente a indenização por danos morais, destinada a compensar o sofrimento psicológico e emocional da vítima e seus familiares em decorrência do acidente. Isso inclui angústia, dor, trauma, perda de entes queridos, entre outros.

Há também a indenização por danos estéticos, que se refere às alterações na aparência física da vítima, tais como cicatrizes, amputações ou deformidades que possam causar constrangimento ou afetar a autoestima.

Existem ainda duas outras indenizações que levam em consideração o fato de ter a vítima atividade remunerada, e por isso têm potencial de representar montante mais significativo em termos indenizatórios: os lucros cessantes e a pensão vitalícia.

No caso da indenização por lucros cessantes, ela é aplicável se a vítima, no momento do acidente, possuía atividade lucrativa e, em virtude do acidente, fica impossibilitada de continuar a trabalhar ou tem sua capacidade de ganho reduzida.

Quanto à pensão vitalícia, ela se faz necessária caso a vítima fique com sequelas que a impeçam de trabalhar ou reduzam sua capacidade de ganho após o período de recuperação. Essa pensão serve para suprir as necessidades básicas e garantir a subsistência da vítima, ao longo do tempo.

As duas indenizações em apreço estão previstas nos artigos 949 e 950 do Código Civil:

“Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”

 

“Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.”

Como observado, são indenizações claramente distintas: os lucros cessantes visam restabelecer a vítima na quantia que recebia regularmente, até sua plena recuperação; a pensão vitalícia, por outro lado, levará em consideração eventuais sequelas experimentadas pela vítima, de acordo com a proporção da incapacidade resultante.

Com efeito, passaremos a nos debruçar sobre alguns julgados proferidos no prazo de um ano, aproximadamente, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a respeito dessas indenizações, para fins elucidativos.

No primeiro deles, verificamos na prática a aplicação dos conceitos que apresentamos acima, tanto para os lucros cessantes quanto para a pensão vitalícia:

“(…) Lucros cessantes – Valor que deve corresponder ao que efetivamente a vítima deixou de lucrar – Postulado pelos autores o recebimento do valor integral do salário da ativa, sem a dedução do que receberam de auxílio-doença – Inadmissibilidade – Autores que fazem jus à diferença entre o que auferiam antes do acidente e o valor do benefício previdenciário percebido durante o período de afastamento – Pretensão dos autores rejeitada nesse ponto. Responsabilidade civil – Pensão vitalícia – Ausência de prova de que o coautor ficou incapaz de exercer a sua atividade laboral de forma permanente – Hipótese, ademais, em que o coautor retornou à mesma atividade laboral que exercia antes do acidente – Pensionamento vitalício indevido – Pretensão dos autores rejeitada nesse ponto.”[1]

Alguns eventos em que se vislumbram os lucros cessantes, se quantificáveis de imediato, terão pelo Judiciário arbitrados os valores correspondentes. Do contrário, deve-se submeter ao procedimento de liquidação nesse sentido. Vejamos dois exemplos de cada caso, com destaques:

“CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – BURACO NA VIA – FALHA DE MANUTENAÇÃO DO MUNICÍPIO – CULPA CONCORRENTE – OCORRÊNCIA – (…) Os danos materiais, correspondentes aos lucros cessantes, foram devidamente fixados no valor da remuneração percebida pela autora, no período de 8 (oito) meses de afastamento, descontado apenas o valor já recebido a título de seguro obrigatório (DPVAT), nos termos da Súmula nº 246 do C. STJ – Conforme pacífica jurisprudência do C. STJ, é admitida a cumulação dos lucros cessantes e do benefício previdenciário decorrentes do mesmo fato, uma vez que possuem fundamentos jurídicos diversos (…).“[2]

ACIDENTE DE TRÂNSITO. Ação de indenização. Preliminar de inépcia recursal afastada. Responsabilidade da parte ré. Danos morais configurados. Narrativa do acidente de trânsito e das lesões sofridas que é suficiente para embasar o pedido pelos danos extrapatrimoniais. Valor indenizatório, contudo, que comporta redução. Precedentes. Indenização fixada em R$ 15.000,00. Lucros cessantes devidos. Autor que é representante comercial e permaneceu incapacitado por um mês. Holerites que indicam o valor líquido auferido por mês. Condenação mantida neste tocante (…).[3]

ACIDENTE DE TRÂNSITO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – PARCIAL PROCEDÊNCIA – APELO DO AUTOR – (…) Ocorrência do acidente e culpa pelo sinistro que são incontroversos – Contexto probatório dos autos que permite concluir a existência de nexo de causalidade entre o sinistro e os danos sofridos pelos autores – Lucros cessantes – Coautora que é profissional autônoma e precisou se afastar de suas atividades laborativas por 17 dias – Valor a ser apurado em liquidação de sentença (…).[4]

“APELAÇÃO. Ação de reparação por danos materiais e lucros cessantes. Acidente de trânsito. Sentença de parcial procedência. Inconformismo da parte autora. Documentos que demonstram o tempo de paralisação do veículo e o relatório de faturamento anterior ao acidente que comprovam a efetiva ocorrência do dano. Lucros cessantes comprovados, necessidade, todavia, de liquidação do valor da condenação. Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido.[5]

Acerca da indenização correspondente à pensão vitalícia, veremos a seguir que, uma vez demonstrado pela vítima o seu direito, aplica-se um percentual relativo à incapacidade por ela experimentada, que incidirá sobre a remuneração que recebia convertida em salários-mínimos, em razão do disposto na Súmula 490 do Supremo Tribunal Federal [6]:

“APELAÇÃO. Ação indenizatória. Acidente de trânsito. Sentença de procedência em parte. Recurso apresentado pelo autor, que pugna pela reforma da r. sentença, com o reconhecimento da total procedência da ação. (…). Pensionamento mensal. Cabimento. Aplicação do percentual da tabela da SUSEP de 52,5% sobre a remuneração que o autor recebia na época do acidente. Conversão em salários mínimos (Súmula 490 do STF). Correção monetária a partir de cada pagamento mensal (súmula 43 do Superior Tribunal de Justiça) e juros de mora desde cada vencimento (REsp 1.270.983/SP). Recebimento da pensão até os 72 anos de idade, conforme informação fornecida no laudo pericial sobre expectativa de vida com base na tabela IBGE (…).” [7]

“Apelação. Responsabilidade civil. Contrato de transporte urbano de passageiros. Ação para indenizar danos materiais emergentes e lucros cessantes, com fixação de pensão mensal vitalícia (…). 2. Pensão mensal vitalícia. (…). Laudo médico legal, elaborado por perito do IMESC, que comprovou a existência de lesão corporal que reduziu, permanentemente, a capacidade laborativa da autora, por se tratar de dano lhe impõe maior esforço para executar as funções habituais de empregada doméstica. Aplicação do disposto no art. 950 do Código Civil. Perda patrimonial física (comprometimento físico) de 6,25%, estabelecido em laudo pericial. Pensão mensal estabelecida em 6,25% da remuneração percebida pela autora, de um salário-mínimo mensal, considerado também o 13º salário, a ser paga de uma só vez, tomando-se como parâmetro a expectativa de vida das mulheres brasileiras em 2015 (ano do evento), conforme relatório do IBGE. (…).”[8]

“APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO – Indenizatória – Acidente de trânsito – Pretensão de pagamento de danos materiais, morais e estéticos em razão de acidente ocorrido por má conservação de via pública, ocasionando lesões graves e permanentes ao apelante, com perda de 18,75% de seu patrimônio total corporal – Ação julgada parcialmente procedente – Pretensão de reforma – (…) PENSÃO VITALÍCIA – Cabimento em parte – Perda de 18,75% do patrimônio total corporal – Fixação de acordo com a perda sofrida, com base no salário bruto mensal comprovado nos autos – Provimento parcial do recurso do autor, neste aspecto.”[9]

A propósito, há casos em que se reconhece direito à pensão vitalícia mesmo quando a vítima esteja desempregada no momento do acidente:

Acidente de trânsito com vítima fatal – Autor da ação é vítima sobrevivente do evento danoso – Sentença de procedência parcial – Insurgência do autor quanto à rejeição do pedido de pensão vitalícia por perda parcial da capacidade laboral – Perda da visão de um olho – Art. 950 do Código Civil – Responsabilidade aquiliana – Redução da capacidade constatada por perícia técnica – Monocular – Incapacidade parcial em percentual de 30% – Alimentos pelo ato ilícito que são devidos, ainda que a vítima esteja desempregada à época dos fatos – Base de cálculo deve ser o salário mínimo – Pensão que deve durar até que o autor complete 70 anos de idade ou faleça, o que ocorrer primeiro – Precedentes – Admissível a constituição de capital para pagamento da verba alimentar (…).” [10]

Em conclusão, observamos que o valor da indenização, que pode ser pago em uma única parcela, de acordo com o interesse da vítima [11], dependerá não apenas do percentual de incapacidade, mas também da remuneração recebida até então pela vítima e da idade que ela tinha no momento do acidente. De qualquer forma, apresentada está, de forma geral, como essa pensão vitalícia é calculada.

 

[1] Apelação Cível 1017103-67.2018.8.26.0100; Relator: José Marcos Marrone; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Data da Decisão: 11/05/2022; Data de Publicação: 17/05/2022.

[2] Apelação Cível 1011494-29.2019.8.26.0566; Relator: Carlos Von Adamek; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Data da Decisão: 09/02/2023; Data de Publicação: 09/02/2023.

[3] Apelação Cível 1048171-46.2021.8.26.0224; Relator: Milton Carvalho; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Data da Decisão: 21/03/2023; Data de Publicação: 21/03/2023.

[4] Apelação Cível 1003189-25.2021.8.26.0004; Relator: José Augusto Genofre Martins; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Data da Decisão: 19/08/2022; Data de Publicação: 19/08/2022.

[5] Apelação Cível 1001057-85.2022.8.26.0189; Relator: Rogério Murillo Pereira Cimino; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Data da Decisão: 18/10/2022; Data de Publicação: 18/10/2022.

[6] “A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário-mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores”.

[7] Apelação Cível 1027423-08.2016.8.26.0405; Relatora: Celina Dietrich Trigueiros; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Data da Decisão: 28/04/2023; Data de Publicação: 28/04/2023.

[8] Apelação Cível 1009537-42.2017.8.26.0637; Relator: Elói Estevão Troly; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Data da Decisão: 15/05/2023; Data de Publicação: 15/05/2023.

[9] Apelação/Remessa Necessária 1011535-67.2019.8.26.0510; Relatora: Silvia Meirelles; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Data da Decisão: 23/02/2023; Data de Publicação: 23/02/2023.

[10] Apelação Cível 1006564-82.2014.8.26.0132; Relator: Mário Daccache; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Data da Decisão: 29/03/2023; Data de Publicação: 29/03/2023.

[11] Conforme o parágrafo único do artigo 950 do Código Civil.

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