Decisão inédita do STF determina grupo econômico não pode ser reconhecido na fase de execução

24/11/2021

Por Denis Andreeta Mesquita

Em decisão recente, publicada em 14/09/2021, o Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, cassou monocraticamente decisão do Tribunal Superior do Trabalho determinando que a mais alta corte trabalhista defina o seu entendimento acerca da possibilidade ou não da inclusão de devedores na fase de execução.

Aludida decisão foi proferida nos autos do agravo interposto contra a inadmissibilidade de recurso extraordinário, em face de acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (ARE 1160361).

Até o ano de 2003 havia uma Súmula do TST vedando expressamente que o integrante do mesmo grupo econômico do devedor fosse incluído no feito na fase de execução. Eis a Súmula 205:

“O responsável solidário, integrante do grupo econômico que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.”

Com o cancelamento da Súmula, o que prevaleceu na justiça do trabalho é a possibilidade de inclusão de responsáveis solidários, alegadamente componentes do mesmo grupo econômico, na fase de execução. Para o Ministro Gilmar Mendes, isso é “uma situação complexa e delicada na perspectiva do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, no que toca aos processos trabalhistas desde o cancelamento da Súmula 205 do TST em 2003”.

De fato, o que notamos é uma inclusão irrestrita de empresas em fase de execução, sob o fundamento de compor mesmo grupo econômico da executada.

Não raras vezes, a inclusão é precedida de bloqueio de numerário antes de qualquer intimação ou notificação. Aqui, em nosso sentir, para os que defendem os responsáveis solidários, é onde reside o maior obstáculo, qual seja, ter que garantir integralmente a execução para ver a sua defesa apreciada à luz do artigo 884 da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis:

Art. 884 – Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado 5 (cinco) dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exequente para impugnação.
Além da imperiosa obrigação de garantir a execução, o prazo para embargos é exíguo, de apenas 5 dias, e as matérias de defesa são limitadas.

Na decisão em comento, o Ministro Gilmar Mendes entendeu que com o advento do Código de Processo Civil de 2015 “merece revisitação a orientação jurisprudencial” que determina a “viabilidade de promover-se a execução em face de executado que não integrou a relação processual na fase de conhecimento, apenas pelo fato de integrar o mesmo grupo econômico para fins laborais” fundamentando o seu posicionamento no § 5º do artigo 513 do Código de Processo Civil, que assim disciplina:

“Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código. (…)
§ 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.”

Encontramos poucos e isolados julgados que comungam com o mesmo entendimento do Ministro Gilmar Mendes, de conferir aplicação irrestrita ao § 5º do artigo 513 do Código de Processo Civil na seara trabalhista:

AGRAVO DE PETIÇÃO – GRUPO ECONÔMICO DE FATO – IMPOSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO. Não se pode reconhecer a existência de grupo econômico em sede de embargos de terceiro, consoante determina o artigo 513, § 5º, do CPC. A penhora não pode subsistir. Primeiro, porque não se pode em embargos de terceiro reconhecer a existência de grupo econômico. Só é admissível tal reconhecimento na fase de conhecimento do processo em face da obrigatoriedade de se conceder ao devedor solidário o direito ao devido processo legal, que implica amplo direito de defesa com os meios e recursos a este inerente para defesa de seu patrimônio, o que não se realiza na fase executória pois a defesa do devedor nesta fase é restrita a determinadas matérias, como se sabe. Segundo, porque incluir o terceiro no título executivo implica literal violação do art. 513, parágrafo quinto do novo CPC, o qual dispõe que o cumprimento da sentença não pode ser promovido contra o fiador, o coobrigado ou corresponsável que não integrou a lide na fase de conhecimento. Terceiro, porque, ainda que se admita, por evidente equívoco, que pode-se decretar o reconhecimento do grupo econômico na fase de execução ainda assim a decisão merece reforma, porque isso deve ocorrer antes da penhora e não após os atos de constrição do patrimônio do terceiro como ocorreu no caso concreto. Por estas razões, provejo o apelo e determino a liberação do bem penhorado. Agravo provido.” (TRT 08ª R. – AP 0000459-54.2016.5.08.0111 – Relª Maria Valquiria Norat Coelho – DJe 24.01.2017)

 

“CASA & VÍDEO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. GRUPO ECONÔMICO. RECONHECIMENTO NA FASE EXECUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. NOVO CPC. APLICAÇÃO DO ART. 513, § 5º. Como é possível extrair dos autos, a CASA & VÍDEO não foi chamada a integrar o polo passivo na fase de conhecimento da demanda, motivo pelo qual não consta no respectivo título executivo oriundo da ação. Dessa forma, aplica-se ao presente caso o art. 513, § 5º, do NCPC, tendo em vista a ausência de norma específica sobre a matéria na ordem processual laboral, impedindo a responsabilização solidária da parte que não integrou a relação jurídica processual.” (TRT-1 – AP: 00404008220095010262 RJ, Relator: Volia Bomfim Cassar, Data de Julgamento: 07/08/2018, Nona Turma, Data de Publicação: 15/08/2018.)

Não podemos perder de vista e ignorar que o crédito trabalhista possui caráter alimentar, e que muitos devedores encontram no uso de pessoas jurídicas diversas uma maneira de se furtar ao pagamento das dívidas de suas empresas.

Com efeito, utilizando-se do que determina o § 5º do artigo 513 do Código de Processo Civil, em sua essência, para frustrar a satisfação da execução bastaria a um devedor mal-intencionado criar uma empresa após a distribuição de determinada ação e lá deixar o seu patrimônio, sendo impossível, portanto, trazê-la ao polo passivo de execução, já que não participante do processo de conhecimento.

Como aduziu o Ministro Gilmar Mendes no início da sua decisão, trata-se de “situação complexa e delicada”, devendo ser sopesadas ambas as necessidades:

– para o credor, importa ver seu crédito alimentar satisfeito independentemente de barreiras jurídicas artificiais;

– para o responsável solidário, importa ter garantidos em sua plenitude os sagrados e constitucionais princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sem ser obrigado a garantir integralmente a execução de um processo de que até então não participou para ver suas teses defensivas apreciadas.

Dependendo do ponto de vista, a decisão de aplicação integral, sem ressalvas do § 5º do artigo 513 do Código de Processo Civil, pode ser interpretada como um avanço (para o devedor solidário) ou um retrocesso (para o credor alimentar).

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