Os registros de contratos e outros documentos digitais

28/10/2021

Por Orlando Quintino Martins Neto

A história da certificação digital no Brasil surgiu com a edição da Medida Provisória 2002/2001, editada em agosto de 2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP – Brasil) e assegurou a autenticidade da assinatura digital [1].

A despeito de tamanho lapso temporal, a assinatura digital tornou-se realmente popular com a chegada da Pandemia da Covid-19, que trouxe consigo uma mudança de hábitos inesperada e regras de distanciamento social jamais experimentadas, elevando as relações jurídicas a patamares digitais e, pouco a pouco, deixando para trás as assinaturas em papel.

Por se tratar de tema de recente popularização, há muitas dúvidas que o permeiam, e uma delas é a diferença entre a assinatura eletrônica e a assinatura digital, que muitas vezes são tidas como sinônimos, mas que não o são, uma vez que a assinatura eletrônica é um gênero do qual a digital é espécie, sendo esta equiparada à assinatura de próprio punho, nos termos do artigo 10, § 1, da referida Medida Provisória, e que tem como características principais a autoria, garantida pelo uso da certificação digital; não repúdio, dado que o autor da assinatura não pode negar ser o responsável por seu conteúdo; e integridade, a fim de assegurar que o documento não poderá ter o seu conteúdo alterado após a assinatura, criando, portanto, uma vinculação entre o documento e o signatário.

Como não poderia ser diferente, a tecnologia da assinatura digital também se estendeu ao Sistema Registral Brasileiro, regulado pela Lei nº 6.015/73, conhecida como a Lei de Registros Públicos – “LRP”, que já apresentava avanços tecnológicos desde a promulgação da Lei nº 11.977/2009, que instituiu o sistema de registro eletrônico:

“Art. 37. Os serviços de registros públicos de que trata a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirão sistema de registro eletrônico.”

“Art. 38 – Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos da infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico), conforme regulamento.

Parágrafo único. Os serviços de registros públicos disponibilizarão serviços de recepção de títulos e de fornecimento de informações e certidões em meio eletrônico”.

A Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) trouxe significativas alterações à LRP, ao dispor que é direito de toda pessoa, seja natural ou jurídica, além de ser essencial para o desenvolvimento e o crescimento econômico do país, arquivar documentos por meio de microfilme ou por meio digital, sendo eles equiparados a documento físico para todos os efeitos legais (artigo 3º, inciso X).

Mais recentemente, em razão da Pandemia da Covid-19, e a necessidade de continuação da prestação dos serviços registrais, o Conselho Nacional de Justiça regulamentou a recepção de títulos eletrônicos no sistema registral brasileiro (Provimentos 94/20 e 95/20), o que significou grande avanço rumo à modernização de um setor ainda revestido de muitas formalidades, muitas vezes incompatíveis com o crescimento tecnológico atual.

As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ) também precisaram se adequar ao universo dos documentos eletrônicos, a fim de regulamentar a recepção destes documentos nos notariados e registradores.

No que se refere ao registro de títulos eletrônicos nos cartórios de registro de imóveis, a Corregedoria do Estado de São Paulo dispõe que os documentos eletrônicos deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) nos seguintes termos:

“Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.”[2]

Tais documentos podem ser apresentados ao registro de imóveis por meio do Protocolo Eletrônico de Títulos (e-Protocolo), disponibilizado pela Central de Registradores de Imóveis, que possibilita a postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico e também direta e pessoalmente na serventia registral em dispositivo de armazenamento portátil (CD, DVD, cartão de memória, pen drive etc.), vedada a recepção por correio eletrônico (e-mail), serviços postais especiais (SEDEX e assemelhados) ou download em qualquer outro site.

No âmbito do Registro de Títulos e Documentos, foi instituída a Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados de Registro de Títulos e Documentos, integrada por todos os Oficiais de Registro de Títulos e Documentos do Estado de São Paulo, que compreende, entre outros, os serviços de recepção e envio de títulos em formato eletrônico, a expedição de certidões e a prestação de informações em meio digital.[3]

Do mesmo modo, na esfera do Registro Civil de Pessoas Jurídicas foi instituída a Central Eletrônica de Serviços Compartilhados do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, integrada por todos os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Estado de São Paulo, com a prestação dos mesmos serviços acima mencionados relativos ao Registro de Títulos e Documentos.

Referidos serviços eletrônicos são prestados em um único endereço eletrônico (sítio), disponibilizado na internet, que compreende portal de acesso compartilhado com todos os Oficiais Registradores e portal de acesso exclusivo a cada uma das serventias, ou à Central de Distribuição de Títulos-CDT, caso existente na comarca, para o atendimento de serviços eletrônicos via internet, a critério de livre escolha do usuário (Item 67.10, seção XI, capítulo XIX, NSCGJ).

Por fim, quanto ao Tabelionato de Protestos, os serviços eletrônicos são prestados por meio da CENPROT – Central de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Tabeliães de Protesto do Estado de São Paulo, vinculados obrigatoriamente a todos os Tabeliães de Protesto de Títulos do Estado de São Paulo, no qual são disponibilizados, dentre outros serviços, a recepção de requerimento eletrônico de cancelamento de protesto e de pedidos de certidão de protesto, que são disponibilizadas em meio eletrônico.[4]

A adoção dos procedimentos eletrônicos mencionados deixa evidente a desburocratização do sistema registral brasileiro, gerando inequívoca celeridade no registro de títulos e obtenção das mais diversas certidões, além de trazer enorme facilidade a todos que necessitam de tais serviços, uma vez que são 100% digitais e não envolvem a necessidade de deslocamento de quem precisa utilizá-los.

Em que pese todas essas vantagens, há que se destacar que somente os títulos assinados com Certificados Digitais reconhecidos pelo ICP-Brasil são aceitos pelos cartórios brasileiros, ainda que existam outros meios de assinatura eletrônica, como, por exemplo, o Docusign, Clicksign e Qualisign.

Fato é que, apesar de recente, ainda desconhecido por muitos e com certas formalidades, não se pode negar o avanço tecnológico dos notariados e registradores brasileiros, impulsionado também pela Pandemia da Covid-19.

Com isso, a expectativa é que esse crescimento avance a passos largos, ganhando cada vez mais forma e popularidade.

 

[1] A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil é uma cadeia hierárquica de confiança que viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação virtual do cidadão. O modelo adotado pelo Brasil foi o de certificação com raiz única, sendo que o ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação), além de desempenhar o papel de Autoridade Certificadora Raiz – AC-Raiz, também tem o papel de credenciar e descredenciar os demais participantes da cadeia, supervisionar e fazer auditoria dos processos.

[2] Item 366, capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ).

[3] Item 67, seção XI, capítulo XIX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ).

[4] Itens 119, 120, 121 e 122, seção XII, capítulo XV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ).

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