Ação do devedor não suspende execução de duplicata

14/08/2020

Por Mohamad Fahad Hassan

Ainda são recorrentes as discussões relacionadas ao direito do endossatário sobre títulos negociados em operações de fomento mercantil em geral (FIDC, securitizadoras e Factorings). A despeito da lei cambial ser clara no sentido de que o devedor não pode opor ao portador de boa-fé as objeções que eventualmente tenha contra o primitivo credor, invariavelmente empresas de factoring e fundos de investimento multicedente multisacado são surpreendidos com decisões judiciais admitindo as chamadas exceções pessoais, inclusive com ordens de suspensão das medidas judiciais intentadas pelos legítimos credores.

Foi o que aconteceu recentemente em um processo patrocinado pelo Teixeira Fortes em favor de uma empresa de securitização de recebíveis. A securitizadora havia recebido por endosso mercantil duplicatas sacadas contra uma terceira empresa, mas apesar da regularidade de toda operação que envolveu a cessão do crédito, o juiz do caso, sensibilizado pelos argumentos apresentados, acolheu o pedido da devedora da duplicata mercantil e determinou a suspensão do processo de execução ajuizado contra ela, até o julgamento da ação declaratória movida por ela, devedora, contra a sacadora do título.

A decisão, à toda evidência, violou claramente a regra do direito cambial envolvendo o endosso de títulos de crédito, assim como a própria legislação processual, que impede a suspensão das ações de execução fora das hipóteses expressamente previstas no Código de Processo Civil, inclusive diante do alegado ajuizamento de ação autônoma pelo devedor.

É cediço, entretanto, que o fundamento de referidas decisões está, em sua grande parte, no disposto no artigo 294 do Código Civil, aplicáveis à cessão de crédito de natureza civil (e não ao endosso cambial), que autoriza o devedor a opor ao cessionário as exceções existentes ao tempo da cessão. Mas evidentemente esta oposição deve ser tempestiva. A partir do momento que o devedor é cientificado da cessão, e aquiesce ou silencia, automaticamente ele perde o direito de se opor quando demandado.

A equipe responsável pelo caso interpôs recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo e felizmente a decisão foi reformada. Em sessão de julgamento ocorrida no dia 29 de julho de 2020, o relator do processo, Desembargador Alberto Gosson, acolheu os argumentos apresentados em favor da empresa endossatária do título e determinou o prosseguimento da ação de execução, independentemente da discussão travada na ação movida pela devedora, envolvendo a origem do título.

Em seu voto, que foi acompanhado por unanimidade pelos demais desembargadores, o relator destacou que “no caso em discussão, é incabível a suspensão do trâmite da execução de título extrajudicial para aguardar o julgamento definitivo da ação declaratória porque as duplicatas n12786/4 e no 12786/5 já tinham sido transmitidas por endosso, com efeito de cessão civil, à faturadora agravante, a qual não figura no polo passivo da mencionada ação, apesar de ter sido responsável por levar os títulos a protesto…”.

Note-se que o relator chama a atenção para o fato de que os títulos foram apontados a protesto pela cessionária, e não pelo primitivo credor, o que indica a ciência inequívoca do devedor quanto ao fato de que teria havido a transferência de titularidade do crédito.

Por mais evidente que possa parecer para alguns, quem lida no ambiente das operações de cessão de recebíveis sabe o quão tormentoso é o assunto e o quão importante são essas decisões favoráveis à inoponibilidade. Embora a legislação seja clara, e a jurisprudência de uma maneira geral seja pacífica, inúmeros são os casos de injustiças praticadas pelo judiciário brasileiro, nas diversas instâncias, na aplicação do direito envolvendo o assunto, e a insegurança jurídica trazida por posicionamentos divergentes acaba inevitavelmente afetando todo o mercado e a economia do país.

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