Por Roberto Caldeira Brant Tomaz
A Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, prevê que, além das sociedades empresárias, o empresário individual (conhecido por firma individual) também pode pedir recuperação judicial, visando à superação de uma crise econômico-financeira que estiver enfrentando.
Com base nisso, muitos agricultores e pecuaristas – chamados produtores rurais –, diante de um crescimento incontrolável de suas dívidas, têm recorrido à Justiça, com o objetivo de se valerem do procedimento da Recuperação Judicial.
Ocorre que, por força do art. 971 do Código Civil, o produtor rural só é considerado empresário para fins de direito se estiver regularmente inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis localizado na unidade territorial de sua sede.
Nesta linha, poder-se-ia afirmar que o produtor rural devidamente inscrito na Junta Comercial do seu Estado, por exemplo, automaticamente faria jus ao regime da recuperação judicial. No entanto, o artigo 48 da Lei de Falências e Recuperação Judicial traz outro importante requisito para que o devedor insolvente possa se valer do procedimento ali previsto: a comprovação do exercício regular da atividade empresarial há mais de 2 anos.
Em outras palavras, significa dizer que o produtor rural que almeja pedir recuperação judicial, além dos requisitos comuns da lei, precisa comprovar que está inscrito no registro empresarial competente há mais de 2 anos. Nesse sentido, a inscrição possui caráter constitutivo.
Esse é o entendimento em vigor. Todavia, na tentativa de driblar o dito requisito legal, muitos devedores que atuam no ramo do agronegócio têm defendido, por meio dos seus advogados, perante o Judiciário, que o registro na Junta Comercial ou órgão que o valha possui natureza meramente declaratória, ou seja, que uma vez inscrito, deve ser reconhecida a atividade empresarial por todo o período que o produtor rural comprovar que a exerceu. Isso significaria dizer que, para o pedido de recuperação judicial, bastaria o produtor rural estar registrado e demonstrar que exerce atividade empresarial há mais de 2 anos.
Essa controvérsia já foi há muito tempo resolvida pelo Superior Tribunal de Justiça, quando no julgamento do REsp 1.193.115-MT, em 2013, os Ministros entenderam por maioria pela exigência do registro há mais de 2 anos para que o produtor rural possa pedir recuperação judicial. Do contrário, estará sujeito à insolvência civil.
Contudo, a questão está sendo novamente apreciada pela Corte, no âmbito do Recurso Especial 1.800.032/MT, cujo julgamento se iniciou em 04/06/2019, na Quarta Turma, e conta com a participação da Federação Brasileira de Associações de Bancos – FEBRABAN e da Sociedade Nacional de Agricultura, como amicus curiae.
Se a discussão observar a letra da lei, o entendimento em vigor muito provavelmente deverá ser mantido, mas há importantes questões de ordem econômica que merecem ser levadas em consideração na análise dessa matéria.
Por exemplo, sabe-se que as empresas que atuam na concessão de créditos costumam realizar uma análise da situação financeira dos seus clientes antes de oferecer algum financiamento ou empréstimo. Em tal exame prévio, mede-se o risco do negócio em todos os seus aspectos, inclusive a probabilidade de eventual pedido de recuperação judicial pelo tomador do crédito. Nesse momento, a instituição financeira só assinará o contrato se tiver mínima previsibilidade dos riscos do negócio.
O ponto sensível é que, quando a pessoa que busca o crédito é um produtor rural não registrado há mais de 2 anos, não está no horizonte de perspectiva da concessionária do crédito a possibilidade de ele pedir recuperação judicial em médio prazo, porque a lei lhe traz essa “segurança”, vide normas acima citadas.
Contudo, a partir do momento em que o Judiciário passa a autorizar indiscriminadamente e repentinamente a recuperação judicial do produtor rural que não preenche os requisitos legais, a insegurança jurídica que isso traz ao mercado acaba por contribuir para o aumento do custo do crédito no país e, consequentemente, para a instabilidade macroeconômica.
Portanto, a atuação do Superior Tribunal de Justiça nos recentes casos que têm chegado à sua apreciação em relação ao tema aqui tratado merece ser acompanhada de perto pela comunidade jurídica e por toda a sociedade, diante da relevância demonstrada.
Embora a legislação aplicável seja clara e o entendimento dominante já esteja, a nosso ver, consonante com a norma, é importante que o STJ ratifique o seu parecer sobre o tema, de maneira a uniformizar as decisões no âmbito das instâncias ordinárias em todo o país.
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