Cédula Imobiliária Rural, CCB escritural e outras novidades

24/10/2019

Por Marcelo Augusto de Barros

No último dia 02 de outubro, foi publicada a Medida Provisória n° 897/2019 (“MP 897”), também conhecida por MP do Agronegócio. Essa nova norma legal, dentre outras disposições, criou a Cédula Imobiliária Rural (“CIR”), permitiu a instituição de patrimônio de afetação sobre imóveis rurais com o objetivo de garantir a CIR, consolidou a regulação aplicável ao Certificado de Depósito Bancário (“CDB”), tratou sobre a escrituração de títulos de crédito do agronegócio, bancário e imobiliário, e consolidou a possibilidade de assinatura sob a forma eletrônica desses títulos, quando emitidos por meio de suporte cartular.

CIR e Patrimônio de Afetação. A CIR tem tudo para gerar mais segurança jurídica e expectativa de pagamento às operações de crédito do agronegócio. Por exemplo, em vez de emitir uma Cédula de Crédito Bancário (“CCB“) com alienação fiduciária ou hipoteca sobre a totalidade do imóvel rural, o proprietário rural, quando obtiver um empréstimo ou financiamento, poderá emitir uma CIR e, para garantir o pagamento, submeter uma fração (ou a totalidade, se for pertinente) de seu imóvel rural ao regime de afetação.

Na hipótese de inadimplência da CIR, a fração do imóvel rural – objeto do patrimônio de afetação – será leiloada extrajudicialmente para liquidar a dívida assumida, seguindo os procedimentos previstos na Lei Federal n. 9.514, de 20 de novembro de 1997. Ou seja, o mesmo procedimento adotado para a excussão de imóvel alienado em garantia fiduciária.

Bom para o proprietário rural, pois não precisará comprometer a totalidade de seu imóvel à operação de crédito. Ganha o produtor, além disso, a possibilidade de estruturar outras operações com as demais frações do imóvel.

E bom, também, para o credor, na medida em que tornará mais eficaz a execução da garantia.

Não é incomum, por exemplo, encontrar no setor rural operações de empréstimos ou financiamentos concedidos em números que não atingem nem 10% do valor de mercado do imóvel dado em garantia. O excesso de garantia pode se tornar um drama no momento da cobrança. Ou o credor hesita em leiloar o imóvel alienado em garantia fiduciária, com o receio de assumir a obrigação de devolver ao devedor a diferença entre os valores da garantia e da dívida, e opta pela execução judicial, ou simplesmente o credor não encontra um comprador nas alienações judiciais. Com a garantia limitada a uma fração do imóvel, a tendência é a execução e a liquidação da dívida se tornarem mais eficientes.

A CIR deverá ser o mais novo título representativo de operações realizadas ou oferecidas pelas fintechs de crédito e investimento, incluindo-se as instituições financeiras constituídas como Sociedade de Crédito Direto ou Sociedade de Empréstimo entre Pessoas, a exemplo da Creditas, Nexoos ou Mova, ou as companhias securitizadoras de créditos financeiros ou as operadoras de peer-to-peer lending que atuam como correspondente bancário (IOUU, TuTu Digital, Kavod Lending e Ulend).

Esse novo título de crédito também deverá entrar definitivamente na política de investimentos de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC“) multicedentes multissacados. Sem o receio, acreditamos, de baixar a nota de rating.

CDB. Foi consolidada e aprimorada a disciplina legal a respeito desse instrumento de captação de instituições financeiras. Uma das novidades foi a permissão de transferência da titularidade do CDB escritural por meio de endosso eletrônico, mediante anotação específica no sistema eletrônico competente, isto é, da instituição emissora ou do depositário central, devendo facilitar a execução de dívidas garantidas por cessão fiduciária do CDB. O Conselho Monetário Nacional deverá regulamentar as condições, limites e prazos para a emissão, tipo de instituições autorizadas, além de índices, taxas ou metodologias relacionadas à remuneração do CDB.

Emissão de títulos sob a forma escritural. O movimento de desmaterialização, registro e depósito centralizado de ativos financeiros atinge agora os títulos do agronegócio e bancário. Passa a ser permitida e emissão, sob a forma escritural, da Cédula de Produto Rural (“CPR”), dos títulos do agronegócio previstos na Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004 (CDA, CRA), e no Decreto-Lei nº 167, de 14 de fevereiro de 1967 (Cédulas de Crédito Rural, NP e Duplicata Rurais), assim como da CCB.

A escrituração desses títulos de crédito significará a substituição do modelo atual de emissão, que exige a cartularidade do título (isto é, um contrato escrito) assinado de próprio punho ou digitalmente pelo emissor (devedor), pelo lançamento das informações sobre o título em sistema eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer atividade de escrituração.

O Banco Central do Brasil deverá estabelecer as condições para o exercício da atividade de escrituração desses títulos, assim como disciplinará aspectos relativos à emissão, negociação e liquidação.

Especificamente em relação à CPR, e visando a uma maior publicidade, a partir de 1º de julho de 2020 a CPR emitida, ainda que sob a forma cartular, deverá obrigatoriamente ser registada ou depositada em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários. Não será, assim, necessário o registro em cartório para valer perante terceiros, exceto na hipótese de existência de garantias.

A consolidação da validade da assinatura digital. De imediato, a MP 897 consolida o entendimento a respeito da possibilidade de assinatura sob a forma eletrônica da CCB, CPR e dos demais títulos do agronegócio, prática aliás já difundida entre os FIDC e as fintechs de crédito.

Vale lembrar que a assinatura de quaisquer documentos, incluindo-se contratos, declarações, e-mails e títulos de crédito, pode ser realizada por meio eletrônico. A norma responsável por regularizar e validar essas assinaturas é outra Medida Provisória, a de nº 2.200-2 (“MP 2200”), que se mantém em vigor, desde 24 de agosto de 2001, por força da aprovação da Emenda Constitucional 32.

A propósito, entendemos que as assinaturas eletrônicas que dispensam o certificado digital no padrão ICP-Brasil, como as ferramentas Clicksign e Docusign, usadas por fintechs de crédito e plataformas de crowdfunding de investimento, atendem perfeitamente à identificação inequívoca do signatário exigida pela MP 897. Uma cláusula autorizando expressamente o uso dessas ferramentas será essencial e suficiente para conferir a plena validade das assinaturas eletrônicas.

A necessidade de convolação em lei. A MP 897 ainda deverá ser aprovada pelo Congresso Nacional no prazo máximo de 120 dias.

A aprovação dessa Medida Provisório deverá gerar bons efeitos na indústria de FIDC multicedentes multissacados e também no mercado de fintechs de crédito. A maior segurança jurídica, sobretudo, dos títulos do agronegócio, provavelmente implicará mudanças na política de investimento dos fundos e nas operações de crédito.

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