Por Gabriel Sales Câmara
Quem nunca perdeu um documento físico importante e se amedrontou com as consequências que isso poderia gerar? Para as confissões de dívida, não há com o que se preocupar.
A obrigatoriedade do porte físico dos títulos cambiais não se estende aos contratos de confissão de dívidas, sendo que o Credor não pode ser imputado a apresentá-los ao juiz para comprovar a existência de seu crédito. Este foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Paraná, ao julgar caso patrocinado pelo Teixeira Fortes.
Em resumo: se há uma relação negocial materializada em um contrato físico, que foi assinado, reconhecido, ratificado por suas testemunhas, mas que se perdeu com o tempo, sobrando apenas uma digitalização, ainda assim tem-se em mãos um verdadeiro título executivo extrajudicial, representado pela cópia.
A tecnologia está cada vez mais presente no cotidiano de todas as pessoas, físicas e jurídicas, transformando o ambiente corporativo e o modo de fazer negócios, provocando a evolução de práticas arcaicas e que, aos poucos, vão caindo em desuso para a maior parte das atividades.
E se as práticas vão se modificando, o olhar jurídico sobre elas deve acompanhar cada passo de perto, exigindo um trabalho profícuo dos operadores do negócio que, em suas devidas funções, devem aplicar o melhor procedimento que couber a cada caso, trabalho esse que, no limite, passa pela clareza dos advogados e pelo convencimento do juiz, que deve estar sempre atualizado.
Nesta medida, temos que os negócios não são mais baseados no “fio do bigode” e exigem a realização de contratos escritos, já que a formalização passou a ser elemento de confiança para as partes. Por conta disso, a possibilidade de cobrança baseada em cópia do contrato traduz grande avanço no campo negocial.
Isto porque, se antes os contratos eram assinados e guardados em gavetas, hoje são digitalizados e transportados para o ambiente virtual, aumentando a chance de perda, deterioração ou extravio dos originais. Poder executar esta cópia digital não retira a segurança de manter os originais guardados, mas confere tranquilidade de saber que a perda do original não significa a perda do crédito.
Por esta visão, se, por um lado, o original de um título de crédito cambial deve ser apresentado para fazer surgir a cobrança, justamente porque sua circulação impõe que ele próprio seja a prova da existência e da titularidade do crédito, a confissão de dívida, que não é cambial, pode estar representada por uma cópia, sem a necessidade de demonstrar-se a via original negociada entre as partes.
Isto quer dizer que, caso o Credor tenha digitalizado um contrato de negócio, como a confissão de dívida e, por qualquer motivo, tenha se desfeito do original, ainda assim poderá exigir seu crédito representado no instrumento particular por meio de ação de execução, gerando cobrança e constrições de bens até a quitação.
A lógica é simples: o Contrato de Confissão de Dívida é título executivo extrajudicial[1], desde que firmado e reconhecido por todos os devedores e mais duas testemunhas, mas não é cartular, ou seja, não é circulável por simples endosso, na medida em que o crédito por ele representado não pode ser repassado para outras pessoas apenas pela entrega, diferentemente de um cheque, por exemplo.
Não basta que alguém tenha um contrato de confissão de dívidas em mãos para cobrar quem se obrigou a pagá-lo. Será necessário comprovar ser o titular deste crédito, figurando como credor do contrato ou por meio de cessão de crédito, o que, de qualquer forma, torna absolutamente dispensável a posse do original. E foi justamente este o entendimento dos Desembargadores do TJPR[2]:
"Conforme art. 425, inciso VI do CPC preceitua, possui validade à cópia digitalizada de documentos públicos ou particulares, salvo a alegação motivada e fundamentada de adulteração. É incontroverso nos autos que o acordo foi devidamente formalizado, assinado por duas testemunhas, constituindo assim como título válido, sendo ausente a alegação de adulteração. Portanto, desnecessária a instrução da execução com a via original do instrumento particular de confissão de dívida. (…) não tem procedência o pedido de exibição do documento original e não há que se imputar ao credor, o ônus probatório de alegações da agravante. A existência do título executivo físico original não anula o fato de existir o consenso do acordo, bem como, não faz prova inequívoca do seu pagamento."
Aliás, pela decisão, não há impedimento para que ações de execução sejam baseadas em qualquer tipo de cópia contratual, desde que não haja dúvidas em relação à sua idoneidade e veracidade, sendo certo que se o contrato, ou mais especificamente, a confissão de dívida, foi digitalizada, mas descartada, mesmo assim poderá ensejar cobrança e gerar pagamento.
Em resumo: se há uma relação negocial materializada em um contrato físico, que foi assinado, reconhecido, ratificado por suas testemunhas, mas que se perdeu com o tempo, sobrando apenas uma digitalização, ainda assim tem-se em mãos um verdadeiro título executivo extrajudicial, representado por sua cópia.
Em um mundo que se busca cada vez mais otimização, esta pode ser uma solução prática de reverter a perda de créditos guardados nos arquivos digitais das Factorings e dos Fundos de Investimento, aplicando-se a lei à prática hodierna, demonstrando que a maior parte dos problemas jurídicos pode ser resolvida com expertise e dedicação.
[1] art. 784, III do Código de Processo Civil
[2] Agravo de Instrumento 0017575-39.2019.8.16.0000, Rel. Des. Fernando Ferreira de Moraes, DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL DO TJPR, julgado em 03/07/2019, DJe 27/07/2019
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