Por Letícia Flaminio Oliveira
Na esteira das novidades trazidas pela Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019 (“MP da Liberdade Econômica”), alguns dispositivos trataram diretamente dos Fundos de Investimentos, cujos reflexos jurídicos estavam, até então, restritos à tutela de Instruções Normativas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A MP inseriu um novo capítulo no Código Civil, especificamente para os Fundos de Investimentos (Capítulo X, artigos 1.368-C a 1.368-E), buscando estimular o desenvolvimento do mercado financeiro ao oferecer um prognóstico de segurança jurídica.
As incertezas inerentes ao tratamento jurídico deferido aos Fundos de Investimentos passam pelo frágil poder vinculante das Instruções Normativas, que dá espaço a interpretações doutrinárias e precedentes jurisprudenciais diversos. Portanto, o deslocamento do tema para uma Lei Federal já faz com que tal prognóstico, pelo menos à primeira vista, seja promissor.
Da mesma forma, o conteúdo das normas tende a encerrar as principais discussões relacionadas aos Fundos de Investimentos, especialmente sobre o limite da responsabilidade dos cotistas e dos prestadores de serviços fiduciários (administradores e gestores).
Com fundamento no artigo 15 da Instrução nº 555 da CVM[1] e no artigo 1.315 do Código Civil[2], os cotistas eram considerados responsáveis pelas obrigações do Fundo, inclusive nos casos de patrimônio líquido negativo. Ou seja, as eventuais dívidas de um fundo deveriam ser pagas pelos investidores.
No entanto, a partir da vigência do artigo 1.368-D, foi dada aos Fundos de Investimento a prerrogativa de limitar a responsabilidade dos cotistas ao valor de suas cotas, por meio de disposição expressa no regulamento:
“Art. 1.368-D. O regulamento do fundo de investimento poderá, observado o disposto no regulamento a que se refere o parágrafo único do art. 1.368-C:
I – estabelecer a limitação da responsabilidade de cada condômino ao valor de suas cotas; e
II – autorizar a limitação da responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários, perante o condomínio e entre si, ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade.”
Em relação aos prestadores de serviços fiduciários, nota-se que, observados os deveres de diligência de cada um, é possível estabelecer a responsabilidade limitada e eliminar a solidariedade.
Até então, o entendimento jurisprudencial, apoiado nos normativos da CVM, orientava a responsabilização dos administradores e gestores dos Fundos de Investimentos pelos danos causados aos cotistas, de forma abrangente e solidária.
Não menos relevante é a definição legal dos Fundos de Investimento como tipo especial de condomínio, que não só elimina as dúvidas sobre a natureza jurídica do instituto (questão que originou divergências doutrinárias, em razão das comparações com sociedades e outros tipos de condomínio), mas que revela, na interpretação conjunta dos artigos propostos pela Medida Provisória, a separação entre o patrimônio da sociedade administradora e dos Fundos de Investimentos.
Tal alusão denota a proteção do patrimônio do Fundo face aos efeitos de eventual insolvência ou dificuldades financeiras que o administrador a ele vinculado possa enfrentar, atestando a inexistência de comunicação dos bens e direitos integrantes do condomínio (Fundo de Investimento) com o patrimônio da sociedade administradora.
É o que já ocorre com os Fundos de Investimentos Imobiliários: a propriedade dos bens é transferida ao administrador em caráter fiduciário, com a finalidade específica de obter maior aproveitamento financeiro.
Nesse sentido, a Lei nº 8.668/93, que disciplina os Fundos de Investimentos Imobiliários, pode auxiliar na aplicação e no aprimoramento da regulamentação dos Fundos de Investimento, caso haja a conversão da Medida Provisória em Lei.
Tratando da hipótese de conversão, cabem ainda alguns outros aprimoramentos, como, por exemplo, a questão dos “ativos financeiros”, presentes na definição de Fundo de Investimento apresentada pelo artigo 1.368-C:
"Art. 1.368-C. O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros."
Considerando que vários Fundos alocam seus recursos em ativos que não são qualificados como financeiros pela CVM[3], a definição legal dá margem para o surgimento de dúvidas sobre a aplicação das novas regras aos Fundos de Investimentos que investem em outros tipos de operações (os chamados Fundos de Investimentos Estruturados).
Todas essas considerações, no entanto, devem ser pensadas sob o caráter provisório da MP da Liberdade Econômica cuja vigência se encontra já em período de prorrogação. Especificamente no tocante aos Fundos de Investimentos, ainda é necessário observar que a conversão em lei das normas propostas pela MP está sujeita a emendas e à regulação da CVM.
[1] Art. 15. Os cotistas respondem por eventual patrimônio líquido negativo do fundo, sem prejuízo da responsabilidade do administrador e do gestor em caso de inobservância da política de investimento ou dos limites de concentração previstos no regulamento e nesta Instrução.
[2] Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.
[3] Artigo 2º, inciso V da Instrução CVM nº 555.
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