Por Orlando Quintino Martins Neto
De acordo com a Lei Federal 8.009/90, “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”.
A intenção do legislador, por óbvio, foi proteger o imóvel destinado à moradia da família de eventuais dívidas, salvo poucas exceções previstas na referida lei, como, por exemplo, dívida oriunda de fiança em contrato de locação.
Ocorre que, desde a promulgação da lei, com o passar dos anos, devedores têm utilizado o benefício oferecido pelo diploma legal (proteção ao bem de família), para fraudar credores.
Em outras palavras, passaram a captar recursos com terceiros – sem a certeza de que poderão honrar com os pagamentos –, oferecendo seus imóveis em garantia, sabedores de que, em se tratando de bem de família, estariam protegidos em caso de eventual inadimplência.
Mas essa “proteção indiscriminada”[1] do bem de família vem sendo mais bem analisada pelos tribunais, em especial diante de situações em que, comprovadamente, os devedores não agiram com a esperada boa-fé.
Em julgamento recente (Acórdão disponibilizado em 16/05/2019), o Superior Tribunal de Justiça decidiu que um imóvel oferecido em garantia pelos proprietários não tem a proteção do bem de família de que trata o artigo 1º da Lei 8.009/90.
No caso em comento, os proprietários do imóvel contrataram um financiamento e ofereceram o imóvel em garantia, por meio de alienação fiduciária. Depois, inadimplentes, buscaram a anulação da referida alienação fiduciária, alegando tratar-se o imóvel de bem de família.
Ao julgar o REsp 1.560.562-SC, da 3ª Turma do STJ, a Ministra Nancy Andrighi assevera:
“A questão da proteção indiscriminada do bem de família ganha, contudo, novas luzes quando confrontada com condutas que vão de encontro à própria ética e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais.
Afinal, não se pode olvidar da máxima de que a nenhum é dado beneficiar-se de sua própria torpeza, isto é, não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão.
A corroborar com tal raciocínio, tem-se também a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium).
Este entendimento conduz à conclusão de que, mesmo sendo impenhorável o bem de família, ainda que indicado à penhora pelo próprio devedor, não há que ser a mesma anulada em caso de ma-fé calcada em comportamentos contraditórios deste.
(…)
Tem-se, assim, a ponderação da proteção irrestrita ao bem de família, tendo em vista a necessidade de se vedar, também, as atitudes que atentem contra a boa-fé e a eticidade, ínsitas às relações negociais.”
A 3ª Turma do STJ, por unanimidade, negou provimento ao Recurso Especial interposto pelos proprietários do imóvel oferecido em garantia, reconhecendo a possibilidade de alienação fiduciária do referido bem.
A íntegra do Acórdão pode ser consultada clicando aqui.
[1] Palavras da Ministra do STJ Dra. Nancy Andrighi.
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