Por Orlando Quintino Martins Neto
Segundo a lei brasileira, a regra geral é a de que o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do prédio superior. É o que dispõe o artigo 1.288 do Código Civil:
“Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior.”
No mesmo sentido, dispõe o artigo 69 do Decreto Federal 24.643/34 (Código de Águas):
“Art. 69. Os prédios inferiores são obrigados a receber as águas que correm naturalmente dos prédios superiores.”
Como se pode ver da parte final do artigo 1.288 do Código Civil, a obrigação do possuidor do prédio inferior em receber as águas que correm do prédio vizinho, mais alto, não é absoluta.
Isso porque, ao possuidor do prédio superior, é vedado agravar a condição natural da queda das águas. Caso contrário, poderá o possuidor do prédio inferior reclamar que ditas águas sejam desviadas, ou exigir indenização pelos prejuízos suportados. É o exato teor do artigo 1.289 do Código Civil:
“Art. 1.289. Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior, ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer.”
A doutrina também não entende de forma diversa:
“…as leis da física devem ser respeitadas, em nome da solidariedade que deverá reinar entre os vizinhos. Certamente, o impulso das águas decorrerá da natureza, e não de canalização artificial de águas. O prédio inferior suportará aquilo que provém da natureza, não do ser humano. Também não poderá o proprietário do prédio superior aproveitar-se do benefício legal para agravar a condição do proprietário inferior, realizando obras de alteração do curso das águas.”[1]
O desembargador Alfredo Attié, ao relatar e julgar o Recurso de Apelação 1001423-60.2015.8.26.0322, da 26ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assevera ainda:
“Como bem observado, o impulso das águas deve decorrer da natureza e não da canalização das águas, ou até mesmo o seu represamento. Do contrário, admitir-se-ia que qualquer conduta humana deflagradora da alteração do curso natural das águas pluviais não justificaria indenização por ato ilícito, o que certamente não constitui o objetivo das normas que consagram limitações ao exercício do direito de propriedade.”
Assim, como se vê, em exceção à regra geral prevista na legislação brasileira, caso o possuidor do prédio superior realize obras que descaracterizem o escoamento natural das águas, terá o possuidor do prédio inferior direito de requerer o desvio dessas águas ou indenização pelos prejuízos que eventualmente experimentar.
A regra do Código Civil e do Código de Águas não é, portanto, absoluta!
[1] Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (Curso de direito civil Reais, 2015, Editora Atlas, pág. 561.
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