Quanto vale o tempo perdido do consumidor?

28/09/2018

Por Patricia Costa Agi Couto

Com frequência cada vez maior, nossos Tribunais têm invocado a Teoria do Desvio Produtivo para concederem indenizações aos consumidores pelo tempo perdido por eles tentando resolver problemas causados por maus fornecedores. São, por exemplo, perda de tempo de trabalho e de lazer, dificuldades, embaraços, demora no atendimento e demais dificuldades impostas ao cliente. A indenização tem sido concedida com base na teoria.

Concebida pelo advogado Marcos Dessaune (Desvio Produtivo do Consumidor, Editora RT, 2011), a teoria define que há desvio produtivo “quando o  consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências de uma atividade necessária ou por ele preferida para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”.
 
Já em 2013 foi utilizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em recurso relatado pelo Desembargador Fábio Podestá, cujo objeto era uma máquina de lavar defeituosa e a longa saga da consumidora para tentar solucionar a questão. Ali o julgador ressaltou que “a absurda morosidade na solução do vício (…) consumiu tempo superior a seis meses” e concedeu indenização com base na teoria.
 
De lá para cá inúmeras decisões vêm sendo fundamentadas no desvio produtivo. Cite-se dois exemplos recentes. O primeiro deles, um julgamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que condenou a Caixa Econômica Federal a indenizar um casal de mutuários por “perda de tempo útil” para cancelamento de desconto de financiamento indevidamente lançado pela instituição financeira. Como segundo exemplo cite-se julgamento realizado há poucos dias pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, fixando indenização a consumidor que, dois anos após quitar contrato de mútuo, ainda não havia conseguido liberar gravame pendente sobre seu veículo. Na decisão, disse o Desembargador Ricardo Pessoa de Mello Belli que ”a demora na baixa do gravame, pelo visto ainda não implementada (decorridos quase dois anos da satisfação da dívida), e o longo caminho percorrido pelo autor para solucionar a questão, para o que foi compelido a constituir advogado, comparecer  novamente em juízo etc., justificam o reconhecimento de dano moral indenizável, no mínimo com base na teoria do chamado “Desvio Produtivo do Consumidor”.
 
A fama da teoria foi alçada a novos patamares quando passou a ser chancelada pelo Superior Tribunal de Justiça. Há quatro decisões recentes que a mencionam. A primeira, um recurso relatado pela  Ministra Nancy Andrighi, citou a teoria e  asseverou que  “não é razoável que, à frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao menos,  atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo.”
 
A despeito de existirem inúmeras decisões lançando mão da teoria para o deferimento de indenizações, a realidade é que ao consumidor, independentemente de qualquer teoria, já é assegurada a possibilidade reparação por danos morais que eventualmente este tenha experimentado, conforme previsão expressa do artigo 6º, VI do Código de Defesa do Consumidor. O que se tem feito agora é dar nome àquilo já está garantido por lei.

A nova nomenclatura apenas reafirma que condutas abusivas adotadas por maus fornecedores devem ser reprimidas de maneira pecuniária, entendimento que já é adotado desde o advento do Código de Defesa do Consumidor. Os abusos evidentemente têm que ser indenizados e os julgados citados acima são representativos de que as indenizações são deferidas quando as condutas dos fornecedores para a solução de problemas decorrentes de relações de consumo extrapolam o tempo aceitável para tanto.  

Há quem diga que a dita “nova teoria” surge em contraposição à teoria do mero aborrecimento, adotada por nossos Tribunais para afastar pedidos indenizatórios quando o dissabor trazido à baila seja um fato normal da vida cotidiana, um mero contratempo inerente à vida em sociedade.

Na realidade, entre um extremo (mero dissabor) e outro (perda de tempo produtivo) há um vasto terreno para ponderações. Ao consumidor caberá o discernimento para diferenciar o dano efetivo, que lhe custou tempo realmente significativo para ser solucionado, do mero contratempo cotidiano, que não tenha excedido o limite do tolerável. Ao fornecedor, nada de novo no reino, já que o que se espera é que este já esteja atento aos direitos e garantias assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor há quase três décadas. Ao Judiciário cabe, como sempre coube, a difícil tarefa de distinguir uma situação da outra.

Patricia Costa Agi Couto

 

 

 

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