A crescente representatividade da atividade de factoring na economia nacional tem refletido na revisão do posicionamento adotado pelos tribunais que, face à ausência de regulamentação específica da atividade, preponderantemente decidem pela inaplicabilidade das regras do direito cambiário e atribuem às operações o caráter de cessão civil.
Um exemplo. De acordo com as regras de direito cambiário, o aceite de duplicata dispensa a reanálise do negócio que deu origem ao título de crédito. Ou seja, se a mercadoria foi ou não entregue, ou se foi devolvida, nada disso poderia ser alegado como defesa de não pagamento de uma duplicata aceita pelo sacado. Já de acordo com as normas da cessão civil, qualquer defeito da relação subjacente, ainda que vinculado apenas ao cedente do crédito, seria capaz de prejudicar a cobrança do crédito cedido.
Assim o fazem em detrimento da segurança jurídica, deixando as empresas de fomento mercantil à mercê da amplitude incerta e incalculável do fundamento do “risco do negócio”.
As decisões nesse sentido têm fundamento no Commom Law, que não é base do ordenamento jurídico brasileiro, e sim a Civil Law. Decide-se, portanto, de acordo com os precedentes jurisprudenciais, e não à luz de uma previsão legal aplicável.
Apesar de esse cenário fomentar teses de defesa das empresas de fomento mercantil no sentido de que, ante a ausência de legislação que regulamente a atividade, não se poderia simplesmente afastar a legislação cambiária e decidir sob o fundamento frágil do “risco do negócio”, é justamente a partir desse sistema baseado em precedentes que surge uma luz no fim do túnel.
Isso porque mesmo que nunca seja admitida a aplicação das regras cambiárias de forma ampla, a interpretação desses preceitos legais integrada aos precedentes jurisprudenciais (Civil Law e Common Law), pode conduzir a uma solução intermediária apta a mitigar os prejuízos amargados pelas empresas de factoring em razão do tradicional entendimento de aplicação das regras da cessão civil.
É inegável a influência do Commom Law no direito brasileiro, realidade da qual não se pode furtar limitando-se a teses que, embora bem fundamentadas, não têm potencial efetivo de modificação do entendimento predominante dos julgadores.
Uma análise estratégica mostra que a tese de defesa passível de provocar mudanças deve estar em consonância com as diretrizes que os julgadores têm considerado, sob pena de recursos sem efetividade. Daí a importância de se valorizar a integração dos sistemas na provocação dos tribunais.
E o crescimento da importância do setor na economia do País alavanca a estratégia de forçar os tribunais a revisarem seu entendimento, trunfo que já tem sido considerado pelos julgadores.
Foi o que ocorreu, por exemplo, no pronunciamento de Ministros do Superior Tribunal de Justiça em discussão acadêmica lá promovida no ano passado (seminário “O Fomento Comercial na Perspectiva do Superior Tribunal de Justiça”, realizado em 10/03/2017).
Na ocasião, o Ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino refletiu sobre o caminho futuro que pode ser seguido, esclarecendo que a linha jurisprudencial tradicional segue o Código Civil, mas salientou, nas suas palavras, que: “temos um ‘leading case’ muito importante (REsp 1.236.701) […] em que ele abre espaço para uma nova interpretação […] em que deixa clara a possibilidade de se trabalhar especificamente com a ideia do endosso na perspectiva do direito cambiário. Acho realmente uma tendência muito interessante”.
A Corte, de fato, tem manifestado entendimento favorável à aplicação das regras cambiárias à atividade de factoring, a exemplo do julgado recente de patrocínio do Teixeira Fortes (Agravo em Recurso Especial nº 771.602/SP, julgado em 22/06/2018).
É nesse passo que a divergência jurisprudencial existente aponta para a abertura de espaço para o debate, indicando reais chances de se encontrar um caminho alternativo que integre as interpretações atuais, definindo-se regras razoáveis que não comprometam o crescimento das operações de fomento.
Aline Maria Turco
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