O antigo sócio e as chances de ser cobrado

19/01/2018

Por Marcelo Augusto de Barros

Você é sócio de uma limitada e decide se retirar. Essa sociedade não tem nenhuma dívida inadimplida. A sua saída é averbada no Cartório ou Junta Comercial, conforme o caso, mediante a comunicação de retirada ou o arquivamento de alteração contratual com a cessão das quotas.

Pense agora nas duas situações abaixo, ambas descobertas por você após deixar a sociedade:

(1) a sociedade não pagou uma dívida com origem em negócio gerado após a sua saída; e

(2) a sociedade tornou-se inadimplente de uma obrigação originada na época em que você ainda era sócio.

A diferença entre os dois casos acima está na origem da dívida. No primeiro caso você sequer participou da contratação do negócio inadimplido.

Você pode ser cobrado? Se sim, até quando?

Um resumo para ajudar:

(a) quem se retira de uma sociedade, não responde pelas dívidas geradas após a saída (Código Civil, art. 1.003, parágrafo único, cc. 1.032, Consolidação das Leis do Trabalho, art. 10-A); (obviamente, a não ser que tenha havido uma fraude com a participação do sócio retirante)

(b) se a dívida tem origem na época em que o sócio ostentava essa qualidade, ele pode vir a ser cobrado, devendo ser observado:

(i) primeiro de tudo, o sócio retirante deve ser cobrado em até 2 anos após a saída da sociedade;

(ii) além de observar esse prazo, deverá ser demonstrado algum ato ilícito ou irregular capaz de estender os efeitos da obrigação inadimplida ao sócio retirante (Código Civil, art. 50)

(iii) idem, em relação a dívidas tributárias da sociedade (Código Tributário Nacional, art. 135)

(iv) quanto às dívidas trabalhistas, a inadimplência da empregadora – isto é, a sociedade da qual o sócio se retirou –, em tese, seria suficiente para ele assumir a dívida de forma subsidiária, ou seja, após esgotadas as tentativas de cobrança da reclamada e dos atuais sócios, desde que a reclamação trabalhista seja ajuizada em até 2 anos contados da saída do sócio (Consolidação das Lei do Trabalho, art. 10-A)

Parece simples. Principalmente a regra básica de ninguém responder por atos dos novos sócios ou administradores.

Mas em um caso concreto um sócio se retirou da sociedade em 2001. Essa sociedade, já com os novos sócios, assumiu uma dívida em 2004. Na falta de ativos da empresa, o credor pediu a penhora de bens do antigo sócio em 2011, sem sequer justificar um único ato ilícito ou irregular praticado pelo ex-sócio. E o juiz deferiu a constrição!

A dívida foi gerada após a saída do antigo sócio. E cobrada desse antigo sócio 10 anos após a retirada da sociedade. Sem nenhuma justificativa. Ou seja, praticamente tudo o que fora defendido acima foi violado e mesmo assim o sócio teve a conta bancária penhorada.

O Tribunal de Justiça de São Paulo corrigiu esse evidente erro em decisão assim resumida (Agravo de Instrumento 2057477-54.2017.8.26.0000):

“Cumprimento de sentença – Crédito da agravada decorrente da procedência dos embargos opostos à execução que lhe movera a empresa de cujo quadro social participara, antes do ajuizamento do citado processo executivo, o agravante, culminando com a determinação de devolução, pela empresa, do valor que garantia a execução e que fora levantado, enquanto pendente de julgamento os embargos – Obrigação constituída posteriormente à averbação da retirada do agravante do quadro societário da empresa ora executada – Ultratividade, pelo prazo de dois anos, da responsabilidade do sócio retirante que refere às obrigações contraídas anteriormente à respectiva averbação, conforme expressa disposição do art. 1032, do código civil – Exclusão do agravante do polo passivo do processo executivo que se impõe – decisão reformada – Recurso provido.”

O antigo sócio mencionado nesse precedente judicial foi defendido por nosso escritório. Eu estava tranquilo e contava, desde o início, com o sucesso de nosso recurso (ufa!)

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