Brunno Guerra Rezende –
Firmado em Brasília, em setembro de 2014, o Acordo entre Brasil e Estados Unidos para melhoria da observância tributária internacional e implantação do FATCA foi promulgado, no ordenamento jurídico nacional, por meio do Decreto nº 8.506/2015.
Referido Decreto promove o intercâmbio de informações tributárias entre os países signatários, determinando, em seu art. 2, as obrigações relativas ao conhecimento objeto de permuta.
Nota-se que a obrigação abrange as contas, em instituições financeiras brasileiras, de cidadãos americanos que, direta ou indiretamente, detenham aplicações financeiras no Brasil.
Para tanto, a instituição informante brasileira deverá participar o nome, o endereço e o número U.S. TIN de cada pessoa física ou jurídica específica dos EUA que seja titular da conta e, no caso de entidade que não seja dos EUA, porém identificada como tendo uma ou mais Pessoas Controladoras que sejam Pessoa Física ou Jurídica Específica dos EUA, o nome, endereço e número U.S. TIN (se houver) da referida entidade e de cada Pessoa Física ou Jurídica dos EUA.
A contrapartida, por sua vez, isto é, as informações a serem repassadas por instituição financeira informante dos EUA, abarca a divulgação do nome, endereço e CPF/CNPJ brasileiro de toda pessoa que seja residente no Brasil e titular da conta.
Vejamos o que estabelece o dispositivo, em seu artigo 2, item 2, acerca das informações a serem obtidas e trocadas:
a) No caso do Brasil, no que se refere a cada Conta dos EUA a ser Informada de cada Instituição Financeira Brasileira Informante: (1) nome, endereço, número U.S. TIN de cada pessoa física ou jurídica específica dos EUA que seja titular da conta e, no caso de entidade que não seja dos EUA a qual, após registro dos procedimentos de diligência devida descritos no Anexo I, seja identificada como tendo uma ou mais Pessoas Controladoras que sejam Pessoa Física ou Jurídica Específica dos EUA, o nome, endereço, número U.S. TIN (se houver) da referida entidade e de cada Pessoa Física ou Jurídica dos EUA; (2) o número da conta (ou informação funcional equivalente, na ausência de número de conta); (3) o nome e o número de identificação da Instituição Financeira Brasileira Informante; (4) o balanço ou valor da conta no final do ano civil pertinente ou em outro período de prestação de informações apropriado; ou, caso a conta tenha sido fechada durante o ano, imediatamente antes do fechamento; (5) No caso de qualquer Conta de Custódia: (A) o montante total bruto de juros, o valor total bruto de dividendo e o montante bruto total de outras receitas geradas com relação aos ativos custodiados na conta; e (B) o total das receitas brutas da venda ou resgate de propriedade pago ou creditado na conta durante o ano civil ou outro período de prestação de informações cabível em relação ao qual a Instituição Financeira Brasileira Informante atuou como custodiante, corretora, nomeada ou agente para o Titular da Conta; (6) No caso de qualquer Conta de Depósito, o valor bruto total de juros pagos ou creditados na conta durante o ano civil ou outro período de prestação de informações cabível; e (7) No caso de qualquer conta não descrita no subparágrafo 2 (a) (5) ou 2 (a) (6) do presente artigo, o valor bruto total pago ou creditado ao titular da conta no que diz respeito à conta durante o ano civil ou outro período de prestação de informações cabível em relação ao qual a Instituição Financeira Brasileira Informante é devedora ou Parte obrigada, incluindo o valor total de todos os pagamentos de resgate feito ao Titular da Conta durante o ano civil ou outro período de prestação de informações cabível.
b) No caso dos Estados Unidos, no que se refere a cada Conta Brasileira a ser informada de cada Instituição Financeira Informante dos EUA: (1) nome, endereço e CPF/CNPJ brasileiro de toda pessoa que seja residente no Brasil e titular da conta; (2) o número da conta (ou informação funcional equivalente, na ausência de número de conta); (3) o nome e o número de identificação da Instituição Financeira Informante dos EUA; (4) o valor bruto de juros pago na Conta de Depósito; (5) o valor bruto de dividendos de fonte dos EUA pagos ou creditados na conta; e (6) o valor bruto de outras fontes de renda dos EUA pagas ou reditadas na conta.
Observa-se, no tocante aos esclarecimentos a serem obtidos pelo Governo Brasileiro, descompasso entre as medidas implementadas pelo Decreto e os objetivos de transparência e efetivo intercâmbio de informações tributárias almejados pela comunidade internacional.
E, considerando-se estatísticas do Banco Central que apontam, no ano base de 2014, US$ 394,2 bilhões de ativos brasileiros no exterior, faz-se necessário refletir sobre o cenário apresentado.
É patente que o disposto no Acordo torna complexa, para as autoridades brasileiras, a identificação daqueles que mantêm recursos e bens – renda e patrimônio – em instituições financeiras norte-americanas.
Resta, também, prejudicada a obtenção de informações a respeito de reais proprietários de sociedades e a constatação de beneficiários de partnerships e das partes envolvidas nas constituições de Fundações.
Desse modo, tem-se bastante dificultosa a tarefa de distinção dos beneficiários efetivos (econômicos) de sociedades, trusts e outros arranjos jurídicos, uma vez que o Governo Brasileiro poderá requisitar, apenas, informações referentes a pessoas residentes no Brasil.
Nesse contexto, considerando-se a deficiência quanto à informação sobre reais beneficiários e planejamentos jurídicos internacionais, nota-se a fragilidade das medidas eleitas para a concretização da almejada transparência fiscal.
Os pontos fracos na fiscalização tributária podem ser explorados por pessoas com intuito de enrustir bens, direitos, valores e a identidade dos beneficiários das transações.
O GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), em relatório do ano de 2006, afirmou que certos arranjos e práticas se aproveitam da ausência de regulação e supervisão adequadas para potencializar o abuso de veículos corporativos, tornando quase impossível a identificação dos beneficiários efetivos e controladores.
Assim, cabe anotar que o Decreto nº 8.506/2015, a despeito de vislumbrar a otimização do recebimento de informações tributárias pelas autoridades brasileiras, não cumpre, com eficácia, o objetivo a que se propõe, tendo em vista que a coleta das referidas informações se dará de modo limitado, não possibilitando a detecção de parcela relevante de ativos lícitos mantidos no exterior, o que sinaliza a pouca preocupação do País com a área de tributação internacional.
É cabível ressaltar que o Governo dos Estados Unidos reconhece a necessidade de alcançar nível equivalente de troca automática de informações com o Brasil e, para tanto, compromete-se em adotar regulamentos e defender e apoiar projetos de lei aptos a concretizar tais ideais.
O Acordo também dispõe que os signatários assumam o compromisso de trabalhar em conjunto com jurisdições parceiras e com a OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – a fim de encontrar modelo comum de troca automática de informações.
Prosseguindo no tema, oportuno anotar que o Brasil é signatário da Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Assuntos Fiscais, de 3 de novembro de 2011, tendo encaminhado o texto, para o Congresso Nacional, em setembro de 2014.
E, apesar do empenho global para o alcance da confiabilidade dos sistemas financeiros e tributários, os mecanismos serão implantados, pelo Brasil, só em 2018.
Organismos internacionais como OCDE, GAFI/FATF, CIAT, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional acompanham as iniciativas da comunidade internacional na seara da transparência e do intercâmbio de informações tributárias, com o propósito de empregar princípios e conceitos comuns a todas as estratégias de combate a condutas evasivas.
O que se tem visto é que, embora haja avanços, os padrões até aqui implantados não permitem um ambiente de negócios imparcial e coerente para investidores, contribuintes e administrações tributárias.
É sabido que existem falhas nos sistemas de supervisão e na caracterização de beneficiários efetivos e falta de exatidão para o desenvolvimento de determinados planejamentos jurídicos, o que aponta necessidade de aperfeiçoamento de recursos para garantir a lisura das informações.
No escopo de sofisticar os mecanismos de cooperação para troca de informações tributárias, a fim de consubstanciar a prática da cooperação jurídica internacional, deve-se primar pelo desenvolvimento de padrões mínimos nos relatórios e estatísticas de intercâmbio de informações tributárias; criação de normas que sujeitem sociedades offshore e outros arranjos jurídicos a apresentarem declaração anual; inclusão da modalidade automática de intercâmbio nos padrões de transparência; e efetivação de instrumentos para manutenção, em registro público, de informações relativas ao reconhecimento de beneficiários legais de sociedades offshore e aparatos jurídicos internacionais.
brunnorezende@fortes.adv.br
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