28/03/2014
Órgão da administração pública que havia contratado com empresa, após regular procedimento licitatório, se recusa a pagar por mercadorias efetivamente recebidas. A recusa veio fundamentada no artigo 6º, II, § 1º, da Lei Estadual nº 12.799/08, que determina ser obrigatória a consulta prévia ao CADIN Estadual pelos órgãos e entidades da Administração direta e indireta para “II- repasse de valores de convênios ou pagamentos referentes a contratos”.
A retenção do pagamento foi, contudo, afastada pela 10ª Câmara de Direito Público Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Agravo de Instrumento nº 2042818-45.2014.8.26.0000. No caso patrocinado pelo Teixeira Fortes, defendeu-se que a existência de débitos perante o fisco não pode impedir que o fornecedor receba dos órgãos do Estado ou da administração os pagamentos que lhe são devidos.
Firme em tal convencimento, o Relator do Agravo, Desembargador Marcelo Semer, concedeu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e determinou o imediato pagamento dos valores devidos em razão da entrega das mercadorias, considerando também o teor da decisão proferida pelo Órgão Especial, na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0174849-34.2012.8.26.000, cujo objeto é justamente a declaração de inconstitucionalidade do disposto no artigo 6º, II, § 1º da Lei Estadual nº 12.977/08 e que assim decidiu:
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – Artigo 6º, II, § 1º, da Lei Estadual nº 12.799/2008, o qual impede repasses de dinheiro público, em razão de inscrição no rol de inadimplente do CADIN – Inadmissibilidade – Meio indireto de cobrança de tributo – Vedação – Arts. 5º, XIII, LIV e 170, parágrafo único, da CF/88, Súmulas 547 do STF e 70 e 323 do STJ – Arguição acolhida – Deve ser acolhida a arguição de inconstitucionalidade de lei estadual que abriga meio coercitivo indireto de cobrança de tributos, a ofender os princípios do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e liberdade de exercício profissional. (Arguição de inconstitucionalidade n. 0174849-34.2012.8.26.0000; Relator: Luiz Ganzerla; Órgão julgador: Órgão Especial do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo; julgamento em 17/10/2012)
De fato, a postura adotada pela Administração em situações de tal jaez não se justifica. Se a empresa contratada para determinada prestação de serviços ou fornecimento de mercadorias preencheu todos os requisitos para participar do pregão licitatório, não há razão para que, a posteriori, não receba o pagamento correspondente aos produtos entregues ou aos serviços prestados, situação que, além de ilegal, configura enriquecimento indevido.
Ademais, a Administração possui meios legais para cobrança de dívida fiscal, razão pela qual a jurisprudência tem sido firme no entendimento de que não se mostra legítima e razoável a disposição contida na legislação estadual utilizada como justificativa para o inadimplemento. Não há dúvidas de que tal comando configura nítida punição e esbarra no artigo 5º, LV e LIV da Constituição Federal, obstando o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
Não é de hoje que a jurisprudência vem se posicionando no sentido de coibir posturas nesse sentido. Desde há muito, diversos julgados proferidos pelo C. Supremo Tribunal Federal vêm vedando meios coercitivos indiretos de cobrança, mesmo se instituídos mediante lei, a exemplo dos seguintes julgados:
Débito Fiscal – Impressão de Notas Fiscais – Proibição – Insubsistência – Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa.” (STF, RE nº 413.783/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, 17.03.05)
Sanções políticas no Direito Tributário – Inadmissibilidade da utilização, pelo Poder Público, de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (Súmulas 70, 323 e 547 do STF) – Restrições estatais, que, fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita – Limitações arbitrárias que não podem ser imposta pelo Estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao “substantive due process of law” – Impossibilidade constitucional de o Estado legislar de modo abusivo ou imoderado (RTJ 160/140-141-RTJ 173/807-808-RTJ 178/22-24) (…) (STF, RE nº 666.405/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27.08.12)
Conclusivamente, cabe ao Judiciário intervir sempre que posturas semelhantes à aqui relatadas forem adotadas, eis que consubstanciam o temerário ato do confisco, vedado pela Constituição Federal; além de serem consideradas como inegável coação do contribuinte ao pagamento do tributo, prática que se demonstra ilegal. Como mencionado, o fisco é dotado de outros meios para buscar seu crédito, a exemplo das disposições contidas na Lei 6.830/1980. Deve, portanto, se valer dos meios legais para recebimento das quantias que entende devidas. Por outro lado, não se pode admitir que uma vez que determinada empresa tenha contratado com o Poder Público fique proibida de questionar qualquer tributo que lhe esteja sendo cobrado. A ilegalidade é flagrante e deve ser combatida.
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