Por Vinicius de Barros
Artigo publicado no jornal Valor Econômico do dia 15 de abril de 2013.
Por meio do Decreto Estadual nº 58.918, de 27 de fevereiro, o Estado de São Paulo mudou sua tática de combate aos Estados que oferecem benefícios fiscais sem a aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A partir de agora, nas operações interestaduais destinadas a contribuintes paulistas, amparadas por benefícios fiscais não autorizados pelo Confaz, o valor correspondente ao benefício concedido no Estado de origem deverá ser recolhido ao Fisco paulista pelo adquirente da mercadoria, no momento da entrada da mercadoria em São Paulo, procedimento que ainda será disciplinado pela Secretaria da Fazenda, que divulgará os benefícios fiscais que considera ilegais e a forma de se calcular o valor a ser pago – a lista dos benefícios fiscais deverá ser semelhante àquela divulgada no Comunicado CAT nº 36, de 2004.
O creditamento integral do imposto destacado na nota fiscal pelo destinatário paulista – que já sofria restrições antes dessa nova norma – somente será permitido se ocorrer o respectivo pagamento do ICMS na entrada, ou se for comprovado que o remetente não se utilizou de benefício fiscal (prova que também dispensará o pagamento do imposto na entrada).
Para exemplificar: se o Fisco paulista incluir na tal lista um benefício fiscal de algum Estado que estipule o pagamento de apenas 3% de ICMS pelo beneficiário nas saídas interestaduais, na operação que tiver origem naquele Estado e destino o contribuinte paulista, o adquirente deverá pagar a título de ICMS a diferença de 9% (12% – 3%) na entrada da mercadoria em São Paulo, salvo se comprovar que nenhum benefício foi aplicado na operação (a forma de ser fazer tal prova ainda será regulamentada).
Se o governo de São Paulo colocar em prática a fiscalização das fronteiras para exigir o pagamento do imposto, a nova regra atrapalhará, e muito, as empresas que vendem ou compram mercadorias beneficiadas. Pode ocorrer inclusive a retenção da mercadoria até que o adquirente pague o débito, embora isso não esteja claro na nova norma. Mas se não for feita fiscalização nas fronteiras, a situação continuará parecida com a de antes, ou seja, a autuação dependerá de uma fiscalização na empresa paulista.
O que muda de qualquer maneira são as punições por consequência do uso de benefício fiscal não aprovado pelo Confaz, que passam a ser mais severas. Antes do Decreto nº 58.918/2013, o contribuinte paulista que se creditasse integralmente do ICMS destacado na nota fiscal de operação beneficiada era obrigado a pagar o crédito indevido e multa de 100%. Agora, se nova regra não for respeitada, além de ser penalizado pelo creditamento indevido, o contribuinte paulista será obrigado a pagar o imposto que deixar de recolher na entrada e a respectiva multa. Ou seja, o contribuinte paulista será penalizado por duas situações (não pagamento do ICMS na entrada e crédito indevido), ao passo que antes ele era penalizado por apenas uma (crédito indevido).
Essas novas regras representam mais uma tentativa do governo de São Paulo de intimidar o contribuinte a não se envolver em operação amparada por benefício fiscal não aprovado pelo Confaz. Mas mais uma vez o Fisco paulista escolhe o caminho errado para combater os benefícios fiscais que julga ilegais.
Ao cobrar o ICMS que incide em uma operação interestadual que tem como destino o território paulista, o governo de São Paulo acaba exigindo um imposto que não lhe pertence, pois o ICMS nesse caso cabe ao Estado de origem, como determina a Constituição Federal e a Lei Complementar nº 87, de 1996. Assim, por ser inconstitucional e ilegal, a exigência do pagamento do imposto na entrada da mercadoria em São Paulo pode ser afastada, o que, no entanto, depende de ação judicial.
A possível conduta do Fisco paulista de reter as mercadorias até que o pagamento do imposto seja feito também se revela ilegítima. Como pacificado pelos tribunais superiores, a retenção de mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributo é ilegal.
Da mesma forma ilegal é a restrição ao creditamento integral do ICMS destacado na nota. Não se pode exigir o efetivo pagamento do imposto que origina o crédito destacado no documento fiscal. O que a legislação exige para que o crédito seja autorizado é que o documento fiscal esteja formalmente em ordem e que tenha havido a incidência do imposto. O recolhimento do imposto ao Estado de origem pelo remetente é irrelevante. Esse entendimento é corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1125188/MT, ministro Benedito Gonçalves, julgado em 18 de maio de 2010).
O Fisco somente pode restringir o creditamento integral do imposto destacado na nota fiscal se houver decisão judicial declarando ilegal o benefício fiscal. Enquanto isso não acontece, a fiscalização não pode presumir que ele seja irregular e que o contribuinte esteja agindo ilegalmente, entendimento corroborado pelo Supremo Tribunal Federal (AC 2611 MC, ministra Ellen Gracie, julgado em 07 de maio de 2010).
Enfim, existe muita polêmica em torno do Decreto nº 58.918/2013, e a quem se sentir prejudicado pelas medidas nele previstas restará procurar o Judiciário.
Vinicius de Barros é advogado da área tributária do Teixeira Fortes Advogados Associados
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