O conceito de estabelecimento empresarial é dado pelo art. 1.142, do Código Civil, como “todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. Esses bens podem ser de natureza corpórea ou incorpórea.
Bens de natureza corpórea compreendem a matéria-prima, mercadorias estocadas, mobiliário, veículos, máquinas ou equipamentos, etc.
Já os elementos incorpóreos, segundo ensinamentos de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, in “Curso de Direito Comercial Volume 1”, Malheiros, pág. 245:
“são constituídos pela expectativa de lucros (aviamento), pelo bom nome do empresário, pelo ponto comercial, pelos contratos relacionados com a atividade do empresário, pelo título, pela insígnia do estabelecimento e pelos bens inerentes à chamada ‘propriedade industrial’ (marcas e patentes).”
O aviamento ou goodwill pode ser conceituado “como sendo a qualidade, o atributo do estabelecimento, traduzido na sua capacidade de gerar lucros, derivado da proficiência de sua organização na conjugação dos diversos fatores que o integram” (Sérgio Campinho, in “O Direito de Empresa à luz do novo código civil”, 6ª edição, Renovar, pág. 318).
É do aviamento, por exemplo, que nasce a clientela, reputação do empresário e solidez de crédito, fatores de suma importância para a exploração da atividade econômica.
Soma-se, ainda, a tais elementos – corpóreos e incorpóreos –, a combinação de outro fator, para perfeita compreensão do conceito de estabelecimento: a atividade laboral. Como bem observado por Modesto Carvalhosa, in “Comentários ao Código Civil”, volume 13, 2ª edição, Saraiva, pág. 618:
“De nada adianta ao empresário reunir todos os bens corpóreos e incorpóreos que considera necessários para o sucesso da empresa. A eles deve ser adicionado esse fator trabalho, sem o qual os mesmos bens não adquirem sequer a ‘unidade funcional’ que os caracteriza como elementos do estabelecimento, e muito menos instrumentalizam o exercício da empresa.”
A tais elementos, que integram de forma conjunta o estabelecimento, podem-se atribuir pesos de maior ou menor relevância no sucesso da atividade empresarial. Em muitos casos, tais atributos são de público conhecimento dos clientes, como marcas, reputação do empresário, ou ponto empresarial.
Uma loja em Shopping Center, por exemplo, traduz maior confiabilidade a determinados compradores. Para outros, o que importa é a marca, como ocorre com frequência na moda jovem.
Noutros casos, a geração de riqueza está agregada a técnicas e experiências acumuladas pelo empresário ou seus colaboradores, empregados ou não, mantidas com absoluto sigilo da concorrência, tais como técnicas de industrialização, informações de fornecedores, relatórios estatísticos, mercados, produtos e empregados promissores, etc.
Prática comum, no entanto, é a criação de manobras fraudulentas envolvendo estabelecimentos empresariais com o único objetivo de burlar a lei e frustrar credores. São estruturas societárias que, embora formalmente distintas, mantêm unidade gerencial, laboral e patrimonial.
Ou seja, um mesmo estabelecimento empresarial desfrutado por duas ou mais sociedades; é o chamado grupo econômico. Trata-se de métodos simples, porém deveras eficazes, em especial contra credores não diligentes. Com a mera inscrição de outro CNPJ, por exemplo, evita-se a penhora on-line, sonho de qualquer credor em Juízo.
Bens que não dependem de registro em órgãos públicos (maquinário, mercadorias) são desviados, impedindo-se constrições por oficiais de justiça. Veículos e bens imóveis são vendidos a terceiros, em consilium fraudis travestida de boa-fé. Marcas e patentes são licenciadas para as próprias sucessoras.
Em determinados casos, criam-se estruturas paralelas, também meramente formais, com o único objetivo de reduzir a geração de fluxos de caixa e, com isso, diminuir o valor da sociedade. Basta lembrar que o método de avaliação de empresas mais utilizado é o fluxo de caixa descontado (FCF, DCF, discounted cash flow), sendo que peritos judiciais de São Paulo costumam projetar os fluxos futuros com base nos resultados passados. Nesse sentido, Agravo de Instrumento nº 492.275-4/3, www.tj.sp.gov.br. Sócios minoritários ou afastados da administração, e principalmente cônjuges, são os grandes prejudicados nessa modalidade.
O Poder Judiciário, felizmente, está atento a tais fraudes. Dúvidas, entretanto, restam quanto à definição do fundamento jurídico da responsabilização do grupo econômico perante os credores.
Alguns julgados tratam tais questões como desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido:
“Havendo gestão fraudulenta e pertencendo a pessoa jurídica devedora a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legitima a desconsideração da personalidade jurídica da devedora para que os efeitos da execução alcancem as demais sociedades do grupo e os bens do sócio majoritário.” (REsp nº 332763/SP, 3ª Turma, j. 30/4/2002)
“Fortes indícios de sucessão entre empresas. Coincidência de ramo de atividade, estabelecimento, sócios e patronos. Desenvolvimento irregular da atividade empresarial, fraude contra credores ou abuso na utilização da pessoa jurídica, sem reserva de bens idôneos da executada para garantir o crédito exequendo. Hipótese de caracterização da ‘disregard doctrine’. Agravo provido.” (TJSP, AI nº 7.152.981-2, 11ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Soares Levada, j. 2/8/2007)
“CITAÇÃO – SOCIEDADE COMERCIAL – Pretensão à citação da pessoa jurídica constituída pela executada, bem como de seus sócios – Alegação de confusão patrimonial e tentativa de ocultação de citação pela executada – Admissibilidade – Pleito plausível, vez que fundado em bom direito e em provas que fazem presumir sua razão e que não foram impugnadas nesta oportunidade – Determinação de citação da pessoa jurídica que pertence ao mesmo grupo econômico da agravada e de seus sócios que não traz nenhuma grave consequência que não possa ser bem dirimida pelo Poder Judiciário depois da ouvida dos novos executados – Medida, ademais, necessária para garantir o direito desses terceiros de oferta de bens à penhora – Agravo provido para asse fim.” (TJSP, AI nº 7.106.632-5, 23ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Rizzatto Nunes, j. 31/1/2007)
São casos, em sua maioria, em que é demonstrada a existência de abuso da personalidade jurídica e/ou confusão patrimonial, requisitos de extensão de responsabilidade aos sócios e administradores, na forma do art. 50, do Código Civil.
É o que ensina Fábio Ulhoa Coelho, in “Curso de Direito Comercial, Volume 2”, 5ª edição, Saraiva, pág. 43: “Admite-se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária para coibir atos aparentemente lícitos. A ilicitude somente se configura quando o ato deixa de ser imputado à pessoa jurídica da sociedade e passa a ser imputado à pessoa física responsável pela manipulação fraudulenta ou abusiva do princípio da autonomia patrimonial”.
Nos julgados citados, contudo, a responsabilidade pelas dívidas foi estendida, também, às demais sociedades integrantes do grupo econômico, hipótese não prevista, literalmente, no referido dispositivo legal.
Melhor interpretação, talvez, seria a declaração de ineficácia da alienação do estabelecimento (CC., art. 1.145) ou o reconhecimento da responsabilidade solidária das pessoas jurídicas que passaram a explorar o estabelecimento empresarial, a que se pode chamar de sociedade sucessora ou integrante do mesmo grupo econômico, conforme o caso (CC., art. 1.146).
Há diversos julgados nesse sentido, todos do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“PENHORA — Incidência sobre bens de pessoa jurídica executada – Superveniente alienação do ponto comercial e do nome fantasia — Alegação de impenhorabilidade diante da distinção das personalidades jurídicas – Improcedência — Ausência de prova documental pré-constituída neste sentido ou justificativa para sua ausência nos autos — Inexistência igualmente de prova documental da propriedade ou posse dos bens — Presença dos antigos proprietários no estabelecimento supostamente alienado — Indícios que apontam para a inverossimilhança das alegações — Condicionamento, ademais, da eficácia da alienação ao pagamento de todos os credores ou ao consentimento destes — Inteligência do art. 1145 do Código Civil — Embargos de terceiro rejeitados – Apelação improvida” (TJSP, Ap. Civ. nº 1084414-5, 19ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Ricardo Negrão, j. 24/7/2007)
“EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Cheques – Insurgência contra de decisão que não reconheceu a ocorrência de sucessão de empresas, revendo decisão anterior para indeferir a penhora dos bens de terceiro – Admissibilidade – Fortes indícios que apontam no sentido de ocorrência de sucessão empresarial – Constrição de bens da sucessora permitida – Agravo de instrumento provido” (AI nº 7.150.310-5, 18ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Roque Mesquita, j. 18/9/2007)
“Embargos de Terceiro – Constrição que incidiu sobre o faturamento de empresa que não figura no polo passivo da execução – Encerramento irregular das atividades da empresa executada – Sociedades que desempenham as mesmas atividades, no mesmo endereço – Hipótese, ademais, em que os sócios de ambas as empresas são irmãos – Ocorrência de sucessão empresarial de fato – Penhora mantida. Embargos improcedentes. Recurso não provido.” (Ap. Civ. nº 1342702-6, 23ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. José Francisco Matos, j. 22/6/2007)
Pode-se entender, portanto, que manobras fraudulentas praticadas com a única finalidade de esvaziar o patrimônio da sociedade, mediante dilapidação dos elementos integrantes do estabelecimento empresarial, devem implicar tanto desconsideração da personalidade jurídica para atingir os bens dos sócios (CC., art. 50), quanto a responsabilidade solidária da sucessora do estabelecimento (arts. 1.145 e 1.146).
Impedir tais consequências implicaria prestigiar a fraude à lei e credores.
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