Imunidade dos Fiadores e Avalistas na Recuperação Judicial

10/03/2010

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Ir além das evidências é tarefa tanto odiada quanto necessária, é o veneno de Sócrates em ambos os sentidos (o que falou, e o que lhe deram de beber para cumprimento da pena capital).

É neste sentido que quero analisar o artigo 49, o parágrafo primeiro do artigo 50, o artigo 59 e, o parágrafo segundo do artigo 61, todos da Nova Lei de Recuperação Judicial e Falências.

O caput do artigo 49 dispõe que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos (e guardem bem este termo: CRÉDITOS) existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. E no parágrafo primeiro reza que os credores do devedor (guardem bem este termo: CREDORES DO DEVEDOR) em recuperação judicial, conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

Conforme as evidências, pode-se interpretar, de chofre, que deferido o plano de recuperação judicial, o portador de crédito garantido por aval ou fiança pode persegui-lo contra os garantidores, independentemente de habilitação na recuperação judicial.

A doutrina vai no sentido de que é o devedor que obtém o beneplácito da dilargação do pagamento, mediante plano de recuperação, portanto, se o crédito é garantido por fiança ou aval, fiadores e avalistas somente podem ser executados, quando efetivamente vencida a dívida no prazo originário, em outras palavras, o que se ensina é que quem obtém o beneplácito é a pessoa do devedor e não o crédito, não ocorrendo, portanto, o vencimento antecipado em relação aos avalistas e fiadores.

Então, a evidência é que fiadores e avalistas podem ser executados independentemente do plano de recuperação desde que vencida a dívida e não paga.

Mas quero ir contra essa evidência. Se a interpretação do parágrafo primeiro do artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial, é a de que os credores podem executar seus créditos contra fiadores e avalistas, ante o termo “conservam seus direitos,” pergunto : Por que então o parágrafo segundo do artigo 61 da Lei em comento reza que os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, se decretada a falência ?

Ora, o que são o aval e a fiança senão garantias ?

Observe-se ainda que o artigo 61 não está falando das garantias do parágrafo terceiro do artigo 49, nem das do parágrafo primeiro do artigo 50, pois tais garantias sequer se sujeitam à recuperação judicial.

Assim, as garantias que são reconstituídas somente podem ser as que, por óbvio, deixaram de existir ou ficaram suspensas vez que sujeitas à novação do crédito garantido, nos termos do artigo 59.

O artigo 59 é claríssimo ao dispor que o plano de recuperação judicial implica novação dos CRÉDITOS anteriores a ele sujeitos, ou seja, se há novação, não há como se executar os garantidores.

Mas se ocorrer a falência, aí sim, nos termos do artigo 61, o crédito e garantias retornam às suas características originais. Seria a reversão da novação.

Se a Lei diz que os CRÉDITOS são novados, como então executar os garantidores se novos prazos foram concedidos ? Como executar garantidores se foi concedida em termos práticos, a moratória ao crédito ?

Não há que se falar em execução dos garantidores, se com a novação, o inadimplemento deixa de existir.

É neste ponto que quero fazer um parêntese para falar na natureza jurídica da Recuperação Judicial.

Waldemar Ferreira em seu tratado de direito comercial, falando da natureza jurídica da concordata, ensinava que “por ela não se tem contrato, nem convenção. Antes, resulta de sentença judicial. Sua obrigatoriedade para os credores advém do poder que o juiz possui, emanado da constituição do Poder do Estado. Não é a maioria que condena a minoria a aceita, é o Poder Público. A sentença não ratifica direito criado mediante contrato, senão que cria esse direito”.

E mais, ensinou que “concordata é autêntica ação de curso especial pela qual, o devedor insolvente, a fim de evitar a falência intenta contra seus credores o reajustamento financeiro. É o reajustamento judicial da situação financeira do comerciante insolvente independentemente da vontade de seus credores”.

No mesmo sentido, é a lição de Waldo Fazzio Júnior, quando identifica a natureza jurídica da Recuperação Judicial.

Ele ensina que a “recuperação judicial é uma ação de conhecimento constitutiva. Inaugura uma nova conjuntura jurídica modificando a índole das relações entre devedor e seus credores. A bilateralidade é substituída pela pluralidade. Busca um favor legal que a lei atribui ao Poder Judiciário, o poder de concessão. É uma solução anômala de obrigação permitida pelo sistema jurídico para uma situação também anômala. É a satisfação impontual dos credores. É um favor legal concedido pela via judiciária ou no mínimo, que tem como condição de validade de um provimento jurisdicional.

Neste termos, conclui-se que a Recuperação Judicial nada mais é do que a busca de uma ordem de novação ou mais especificamente de moratória, pois o deferimento do plano judicial implica na concessão de prazos mais dilargados para o devedor quitar seus débitos.

E o que é moratória ?

Ora, nada mais é do que a concessão do credor ao devedor para pagamento em prazo, forma ou lugar diversamente do convencionado. Ora, se houver concessão de prazo diverso, por força do plano de recuperação judicial, não se poderá executar avalistas e fiadores, porque se concedida a moratória, a mora, por lógica, deixa de existir.

Frise-se, no caso da Recuperação Judicial, a moratória é concedida pelo Poder Judiciário, ao deferir o plano e neste ponto, a sentença sobrepõe-se à vontade do credor.

Assim, se há moratória, não há que se falar em mora, e se não há mora, não se pode falar em execução ante a falta de interesse de agir.

E ainda, se a Lei diz que os CRÉDITOS são novados (artigo 59), não se poderá, então, persegui-los contra fiadores e avalistas, pois a novação constituiu outras condições para o pagamento do débito, mesmo contra a vontade do credor.

E veja o termo utilizado pela Lei: “Os CRÉDITOS são novados”, ou seja, não se trata da pessoa do devedor, trata-se do crédito em si.

E pouco importa se o crédito é garantido por aval ou fiança, pois ambos são formas de garantias, e uma garantia só pode ser executada se se constatar a mora.

Fiança, como é cediço, é contrato acessório, dando-se quando uma pessoa se obriga por outra, para com seu credor, a satisfazer a obrigação caso o devedor não a cumpra.

Sem maiores dificuldades, entende-se que o contrato de fiança, por ser acessório, segue o destino do principal. Se houver novação no contrato principal, ou se houver concessão de moratória, o fiador se beneficiará nos termos do artigo 838, I do Código Civil.

No que tange ao aval, maiores dificuldades também não haverá.

Eunápio Borges ensina que aval é instituição do direito cambial que tem por finalidade garantir o pagamento da letra. É, portanto, uma garantia cambial.

Ensina ainda, que a natureza jurídica do aval é a de que a responsabilidade do avalista subsiste mesmo quando nula e juridicamente inexistente a obrigação garantida.

Mas no caso vertente, não se está falando de declaração de nulidade ou inexistência da obrigação e nem mesmo que o avalista não está responsabilizado pelo pagamento como se fosse o próprio avalizado. No caso vertente, o que se verifica é simplesmente uma novação dos créditos e uma moratória quanto aos prazos, como se o fosse concedido pelo próprio credor.

Assim, volto a perguntar: É lícito ao credor que concedeu moratória, cobrar avalistas como se não a tivesse concedido ? Por certo que não.

Por isso é que, quando a Lei diz que o credor conserva seus direitos contra coobrigados e fiadores, quer dizer que, apesar da moratória concedida, apesar do credor ter habilitado seu crédito no plano de recuperação, se este não for integralmente pago, e se o devedor vier a falir, poderá o credor executar o saldo dos coobrigados e fiadores.

De fato os credores não estão inibidos de promoverem a execução de seus créditos contra fiadores e avalistas (e endossantes ), todavia, poderão faze-lo somente se o devedor vier a falir – nos termos do artigo 61 – ou se não pagar integralmente o débito na recuperação judicial, porque enquanto os créditos estiverem sob o efeito da moratória, não poderão ser executados.

Em síntese, não haverá interesse de agir para a execução contra fiadores e coobrigados, por crédito objeto de concessão de moratória em virtude do plano de recuperação judicial.

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.