Entre a decisão do CNJ e a norma da RFB: o impasse da CND no registro de imóveis

18/09/2025

Por Vinícius de Barros

O Conselho Nacional de Justiça decidiu que não se pode mais condicionar a lavratura, registro ou averbação de escritura pública de compra e venda de imóvel à apresentação de certidões negativas de débitos tributários, sejam elas federais, estaduais ou municipais. O entendimento é que essa prática configura uma sanção política, utilizada de forma indireta para forçar o pagamento de tributos, em afronta ao que já vinha sendo consolidado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo próprio CNJ.

Ao mesmo tempo, o CNJ deixou claro que nada impede a solicitação de certidões, inclusive positivas, quando isso se destina apenas a dar transparência, segurança e eficácia jurídica ao negócio, tanto para as partes quanto para terceiros e para a Administração Tributária.

Apesar da relevância da decisão do CNJ, a questão da exigência de CND ainda não pode ser considerada resolvida. Isso porque, na prática, há uma tensão entre o que foi decidido no âmbito administrativo pelo CNJ e as regras de responsabilidade fixadas em lei e por normas da Receita Federal. Esse conflito deixa uma zona de insegurança para os cartórios, que se veem no dilema entre cumprir a decisão administrativa ou seguir à risca as exigências tributárias que ainda estão formalmente em vigor.

Em São Paulo, por exemplo, a Associação que representa os cartórios (ANOREG) ingressou com ação judicial para discutir a legislação que atribui responsabilidade solidária aos notários e registradores caso deixem de exigir certidão negativa na lavratura de escrituras e registros. Em primeira instância, a associação obteve decisão favorável, afastando essa obrigação. No entanto, a União recorreu e conseguiu, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, suspender os efeitos da sentença até o julgamento definitivo.

Enquanto o TRF3 não julgar o mérito da apelação, os cartórios permanecem em situação de incerteza. A decisão que reconheceu a inconstitucionalidade da exigência de certidão negativa perdeu eficácia imediata em razão da suspensão, e isso impede que os notários e registradores se sintam seguros para dispensar a exigência. Afinal, caso atuem sem solicitar a certidão, podem ser responsabilizados solidariamente pela Receita Federal com base na norma ainda vigente.

Essa tensão mostra que, mesmo diante de uma decisão importante como a do CNJ, a realidade prática ainda pode ser marcada pela cautela dos cartórios, que podem continuar exigindo as certidões, ainda que o façam sob a justificativa de buscar segurança jurídica, porque o risco de responsabilização, mesmo que discutível, ainda pesa. O efeito, portanto, é que a decisão administrativa não se traduz, de imediato, em mudança de conduta uniforme.

O precedente do CNJ, no entanto, não deixa de ser significativo. Ele reforça a tese de que a exigência de CND como condição para atos registrais é uma forma indireta de cobrança de tributos, incompatível com a Constituição. Também dá respaldo a contribuintes e operadores do direito que pretendam questionar exigências abusivas em cartórios ou em processos administrativos e judiciais.

Ainda assim, para quem atua no mercado imobiliário, a recomendação prática é de cautela. Mesmo sem a exigência formal, pode haver situações em que cartórios continuem pedindo a apresentação de certidões, temendo a responsabilização solidária. Para o adquirente de um imóvel, por exemplo, é sempre recomendável apresentar todas as certidões fiscais possíveis, não apenas para satisfazer eventuais exigências, mas principalmente para conferir segurança ao negócio.

É preciso destacar também que, independentemente da discussão sobre o registro, a exigência de certidões continua fundamental em negócios que envolvam alienação de bens. O adquirente que deixa de verificar a situação fiscal do vendedor pode ser surpreendido pela caracterização de fraude à execução prevista no artigo 185 do Código Tributário Nacional. Nesses casos, o risco não é apenas de exigência de cartório, mas de responsabilização posterior, caso se comprove que a operação foi usada para frustrar a cobrança de tributos.

Nesse ponto, existe uma diferença importante a ser compreendida. A certidão negativa é a única que garante a inexistência de débitos fiscais e, portanto, afasta de forma clara o risco de fraude. Já a certidão positiva com efeitos de negativa indica que há débito, mas sua exigibilidade está suspensa, seja por parcelamento, seja por discussão judicial. Essa situação exige avaliação caso a caso, porque pode representar um risco para o adquirente, dependendo do montante e da natureza da dívida.

Portanto, embora a decisão do CNJ tenha representado um avanço na limitação das chamadas sanções políticas, o cuidado com a situação fiscal do vendedor continua sendo essencial para a segurança do negócio. O adquirente prudente não deve abrir mão de analisar certidões fiscais antes de assumir a propriedade de um bem de valor relevante.

Na prática, a decisão administrativa e a disputa judicial em curso criam um cenário híbrido. De um lado, há o reconhecimento de que a exigência de CND para registro é inconstitucional. De outro, persiste uma norma legal e administrativa que ameaça responsabilizar os cartórios, o que alimenta a manutenção da prática de exigir certidões. Essa contradição só será resolvida de maneira definitiva quando o Judiciário, em instâncias superiores, pacificar a questão.

Em resumo, a decisão do CNJ é um marco relevante contra sanções políticas tributárias, mas ainda não elimina o risco prático enfrentado pelos cartórios e pelos particulares. A recomendação, nesse contexto, é agir com cautela, munir-se de todas as certidões necessárias e acompanhar de perto a evolução do tema nos tribunais, pois somente a uniformização judicial trará segurança jurídica plena para os negócios imobiliários.

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