21/07/2025
A atuação de um FIDC foi recentemente questionada por uma indústria de cosméticos em processo de recuperação judicial. A recuperanda alegou que o Fundo estaria exercendo controle sobre sua administração e, ainda, cobrando diretamente seus clientes (sacados), em violação aos efeitos do pedido de recuperação. Com base nessas acusações, requereu liminar para impedir o FIDC de se comunicar com os sacados e de receber valores.
As acusações dirigidas ao Fundo buscavam imputar-lhe condutas típicas de um fundo de investimento em participações (FIP), como suposta interferência na gestão e ingerência administrativa, o que não condiz com a estrutura e função legal de um FIDC. Além disso, a indústria de cosméticos afirmava que o Fundo estava se apropriando indevidamente de recebíveis que deveriam ser destinados às recuperandas, sugerindo uma tentativa de esvaziar a recuperação judicial.
Em sede liminar, o juízo inicialmente acolheu a narrativa da indústria e proibiu o FIDC de contatar os sacados, nos seguintes termos:
“Assim, em observância ao disposto no art. 14, da LRJF, e do art. 6º, III, da referida Lei, determino que o FIDC se abstenha de entrar em contato com os devedores das Recuperandas, por quaisquer meios.
(…)
Pelos mesmos fundamentos, e ainda, sob pena de frustração à decisão liminar de ID 10421383662, intime-se, pessoalmente (nos termos da Súmula 410, do STJ), a mencionada empresa para, no prazo de 05 dias, restituir às Requerentes os valores por ela indevidamente amortizados, a partir da decisão que publicou a liminar, sob pena de multa diária de R$10.000,00”.
A decisão gerou reação imediata por parte do Fundo. O FIDC apresentou resposta ao juiz demonstrando que sua atuação se restringiu à aquisição onerosa de direitos creditórios — sua atividade típica e autorizada — e que não exercia qualquer influência sobre a administração da indústria de cosméticos.
Apontou, com clareza, que celebrou contratos de cessão de recebíveis com coobrigação e, ainda, obteve garantias robustas, como cessão fiduciária de recebíveis, alienação fiduciária de máquinas e marcas registradas, e alienação fiduciária de quotas sociais.
As provas documentais foram acompanhadas da explicação de que as contas vinculadas e notificações enviadas a sacados se referiam exclusivamente a créditos que haviam sido cedidos de forma plena ou fiduciária ao Fundo, estando, portanto, excluídos dos efeitos da recuperação judicial, nos termos do §3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005:
“§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.
Essa distinção entre o FIDC e fundos de participação foi fundamental para desconstruir a narrativa da recuperanda.
Diante dos elementos trazidos pelo FIDC, o juiz reviu sua decisão e revogou integralmente a liminar concedida, reconhecendo expressamente a legalidade das cessões e a exclusão do FIDC dos efeitos da recuperação judicial:
“Analisando a petição de ID 10439738856, verifica-se que as Requerentes omitiram informação relevante do juízo, qual seja, que os créditos perquiridos pelo FIDC junto aos credores das Requerentes, são decorrentes de cessões de créditos validamente realizadas entre as partes.
(…)
O credor FIDC comprovou satisfatoriamente que não havia uma relação de direção administrativa entre ele e as Requerentes, mas sim a existência de diversos negócios jurídicos, como já constou no decisum, sendo eles: cessão fiduciária em garantia, cédulas de crédito bancário e notas comerciais.
Entendo que a cessão de crédito celebrada entre as partes, com garantia fiduciária, operou-se nos termos do art. 66-B, da Lei nº4.728/65 e que por se tratar de crédito fiduciário não se sujeita aos ditames da Lei nº11.101/05 (art. 49, §3º).
(…)
A meu ver, o que as Requerentes pretendem, na verdade, é receber em duplicidade dos seus créditos, inclusive tentando impedir o verdadeiro credor (FIDC) de movimentar a conta bancária aberta justamente para que ele recebesse os créditos objeto da cessão de crédito realizada entre as partes, o que configura enriquecimento ilícito, vedado em nosso ordenamento jurídico (art. 884, CC)”.
Mais do que isso, o juízo impôs multa por litigância de má-fé à recuperanda, por ter omitido a existência das cessões de crédito e tentado induzir o juízo em erro. Nas palavras da decisão:
“No caso dos autos, é nítido que as Requerentes/Recuperandas alteraram a verdade dos fatos, omitindo informação extremamente relevante sobre a existência da cessão de crédito, visando obter objetivo ilegal, qual seja, receber em duplicidade os seus créditos (tanto pelo valor pago pelo FIDC, quanto receber diretamente dos próprios credores), bem como tentando induzir o juízo a erro, o que é gravíssimo, devendo ser aplicada a correspondente sanção processual, vez que o Poder Judiciário não pode compactuar com este tipo de atitude das partes, devendo punir os atos de má-fé severamente para desestimulá-los.
Condeno as Requerentes ao pagamento de multa por litigância de má-fé de 2% do valor corrigido da causa, com fulcro no art. 81, caput, do CPC”.
Mesmo diante da contundência da decisão, a indústria opôs embargos de declaração, reafirmando suas alegações e sustentando que não teve oportunidade de se manifestar antes da aplicação da multa. Os argumentos, porém, foram novamente rejeitados, sendo considerados tentativa de rediscussão da matéria já decidida.
O juiz manteve sua posição, destacando que “as Embargantes/Requerentes não podem se beneficiar da própria torpeza, aproveitando as decisões judiciais que são prolatadas, sem a oitiva dos credores, em seu favor, e impugnando as decisões que são prolatadas sem a sua oitiva prévia em seu desfavor, sob a alegação de que houve violação ao contraditório, sob pena de violação ao princípio da boa-fé”.
O caso é emblemático por evidenciar o bom uso do arcabouço jurídico por parte do FIDC, que demonstrou regularidade nas operações de cessão, respeito à legislação aplicável e atuação técnica, desprovida de interferência administrativa.
Representado pelo escritório Teixeira Fortes Advogados, o FIDC demonstrou atuação regular e técnica, com cessões devidamente estruturadas e garantias robustas, afastando qualquer tentativa de distorção dos fatos pela recuperanda, reforçando a importância dos FIDCs como instrumentos seguros e transparentes de financiamento.
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