FIDCs e a tributação pelo IBS e CBS: o que muda a partir de 2026

04/06/2025

Por Vinícius de Barros e Romario Almeida Andrade

Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) sempre ocuparam papel relevante no mercado financeiro, especialmente como instrumento de captação de recursos, fomento à liquidez e estruturação de operações de securitização. Até o presente momento, essas estruturas não estão submetidas à tributação por tributos que incidem sobre o consumo, como o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a Contribuição para o PIS/PASEP e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

A lógica que historicamente afastou a incidência desses tributos decorre, entre outros fatores, da compreensão de que os FIDCs são veículos de investimento coletivo e não prestadores de serviços. Ainda que realizem operações de antecipação de recebíveis ou de cessão de créditos com deságio, sua atuação não se equipara, sob a ótica tributária, a uma operação de prestação de serviço tributável pelo ISS, tampouco a uma operação de circulação de mercadoria ou prestação de serviço de transporte ou comunicação sujeita ao ICMS.

Contudo, esse cenário jurídico sofrerá importante alteração a partir de 2026, quando entrarão em vigor os novos tributos sobre o consumo: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos Estados e Municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União. Esses tributos foram instituídos pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentados pela Lei Complementar nº 214/2025.

A referida legislação estabeleceu um regime específico de apuração para os serviços financeiros, dentro do qual se insere a nova disciplina tributária aplicável aos FIDCs. Mais especificamente, os arts. 193 e 219 da Lei Complementar nº 214/2025 preveem hipóteses de incidência do IBS e da CBS sobre as operações realizadas por FIDCs que antecipem recebíveis comerciais ou recebíveis de arranjos de pagamento.

De acordo com o art. 193, §5º, os FIDCs que liquidarem antecipadamente recebíveis comerciais, mediante desconto de duplicatas, notas promissórias, cheques ou outros títulos mercantis, estarão sujeitos à incidência do IBS e da CBS. Já o art. 219, §6º, aplica a mesma regra aos FIDCs que realizarem liquidação antecipada de recebíveis de arranjos de pagamento. Em ambos os casos, a sujeição ao tributo está condicionada a um critério essencial: o fundo será tributado se não for classificado como entidade de investimento, nos termos do art. 23 da Lei nº 14.754/2023.

A correta compreensão do alcance da norma exige, portanto, a análise da legislação que disciplina o conceito de FIDC e o conceito de entidade de investimento.

O art. 19 da Lei nº 14.754/2023 estabelece que serão considerados FIDCs, para fins da legislação tributária, os fundos que possuírem carteira composta, no mínimo, por 67% de direitos creditórios. A própria Lei nº 14.754/2023 remete à regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN) para fins de definição dos direitos creditórios e para disciplinar o conceito de entidade de investimento.

O art. 23 da mesma Lei define como entidade de investimento o fundo que tenha estrutura de gestão profissional, com poderes discricionários para tomar decisões de investimento e desinvestimento, com o propósito de obter retorno por meio de valorização do capital ou geração de renda.

O CMN regulamentou esse conceito por meio da Resolução nº 5.111/2023. Nos termos dessa norma, serão classificados como entidades de investimento os fundos que, cumulativamente, (i) captem recursos de um ou mais investidores, (ii) sejam geridos por prestadores de serviços profissionais autorizados e (iii) definam estratégias de investimento voltadas à obtenção de retorno, conforme especificado em seu regulamento.

A Resolução CMN nº 5.111/2023 também especifica situações que descaracterizam o fundo como entidade de investimento, mesmo que ele possua gestão profissional. São exemplos: (i) existência de comitê de investimento controlado por cotistas majoritários; (ii) controle de empresas investidas por cotistas pessoas físicas nos cinco anos anteriores ao investimento; (iii) atuação dos cotistas como administradores das investidas; e (iv) existência de cotistas com poder de decisão ou veto sobre os investimentos.

Por outro lado, o simples fato de haver comitês consultivos com participação dos cotistas, acordos de voto, ou mesmo concentração de ativos em um único emissor, não descaracteriza a qualificação do fundo como entidade de investimento, desde que o gestor mantenha autonomia decisória quanto à alocação dos recursos.

Os FIDCs que não se qualificarem como entidades de investimento estarão sujeitos ao IBS e à CBS nas hipóteses mencionadas. A base de cálculo será o valor do deságio aplicado na liquidação antecipada, com possibilidade de dedução de algumas despesas específicas, como: (i) despesas financeiras com captação de recursos; (ii) despesas de estruturação e custódia; e (iii) perdas no recebimento ou cessão de créditos.

Essa nova tributação representa uma inovação relevante, pois implica a incidência de tributos sobre o consumo sobre uma base que, até então, era considerada atípica para fins de incidência do ISS, ICMS, PIS ou Cofins. Na prática, poderá haver aumento do custo das operações de antecipação de recebíveis, afetando a rentabilidade dos fundos e a atratividade desse tipo de estrutura para os investidores.

Diante desse novo cenário normativo, é fundamental que os administradores e gestores responsáveis por FIDCs analisem cuidadosamente a estrutura regulatória e operacional de cada fundo, com especial atenção aos requisitos para caracterização como entidade de investimento, que são determinantes para o enquadramento fiscal do fundo.

Em conclusão, a reforma da tributação do consumo, ao incluir os FIDCs na hipótese de incidência do IBS e da CBS, impõe a necessidade de revisão e eventual reestruturação dos fundos que operam com antecipação de recebíveis. A observância rigorosa dos critérios legais e regulamentares é indispensável para evitar a incidência indevida dos novos tributos e preservar a eficiência econômica e tributária dessas estruturas de investimento.

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