De dentro de casa: em relevante decisão, Tribunal reconhece que preferência do credor trabalhista sobre o civil não é absoluta e garante crédito de FIDC

23/05/2025

Por Fernanda Allan Salgado

Em caso patrocinado pelo Teixeira Fortes, o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu uma interessantíssima decisão, reafirmando um princípio fundamental das execuções judiciais: ainda que o mesmo devedor tenha também credores trabalhistas, só tem direito ao produto do leilão quem efetivamente penhorou o bem leiloado.

O caso envolvia uma execução ajuizada em desfavor de uma sociedade empresária e seu sócio. Durante o processo, foi penhorado um imóvel de titularidade exclusiva do sócio executado, que foi levado a leilão e arrematado por terceiros. O valor foi depositado judicialmente, e o credor pediu o recebimento do dinheiro.

Entretanto, logo após a arrematação, diversos credores trabalhistas (da empresa devedora e do sócio) realizaram a penhora no rosto dos autos, ou seja, solicitaram que todo o valor depositado fosse transferido para os processos trabalhistas e, somente caso sobrasse algum valor, este fosse destinado ao pagamento do credor civil. E isso porque, como se sabe, os créditos trabalhistas e fiscais gozam de privilégio legal, um instituto jurídico que estabelece uma ordem de preferência na satisfação dos créditos quando há insuficiência de bens do devedor. No Brasil, os créditos trabalhistas e fiscais gozam de privilégios em relação aos créditos de natureza civil, comercial e até mesmo alguns de origem contratual.

No caso dos créditos trabalhistas, a Constituição Federal (artigos 100 e 114) e a Lei de Falências (Lei 11.101/2005) garantem prioridade no pagamento, considerando a proteção ao trabalhador como parte dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Na falência, os créditos trabalhistas, limitados a 150 salários-mínimos por trabalhador, têm prioridade sobre praticamente todos os demais créditos, exceto os extraconcursais. Também os créditos fiscais possuem privilégio legal, previsto no Código Tributário Nacional (art. 186) e em outras legislações específicas. Na ordem de pagamento, são posteriores aos créditos trabalhistas, mas ainda preferem sobre grande parte dos créditos civis.

Com tal base legal, o juiz de primeira instância decidiu que deveria ser instaurado um concurso de credores antes de liberar qualquer valor, portanto os créditos trabalhistas deveriam ser pagos prioritariamente. Contra essa decisão, manejamos um recurso ao Tribunal de Justiça, argumentando que, na verdade, não havia base legal para impedir o levantamento.

O ponto central explorado no recurso foi de que os credores da execução cível penhoraram o imóvel, e os credores trabalhistas, não. Por isso, não havia pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem, condição essencial para caracterizar concurso de credores. Chamamos a atenção, ainda, para o fato de que a chamada “penhora no rosto dos autos” apenas atinge valores remanescentes do devedor, o que não era o caso, uma vez que o produto da arrematação é menor do que o valor atualizado da dívida.

O acórdão, repleto de juridicidade, acolheu integralmente os argumentos esposados no recurso, e afastou a suposta preferência absoluta do credor trabalhista. Veja-se trechos dessa excelente decisão:

“[…] é incontestável, a teor do disposto no artigo 100, § 1º, da Constituição Federal que ‘Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.’.

E, de fato, nas hipóteses em que instaurado o concurso de credores, as preferências de ordem material se sobrepõem às processuais (artigo 908, caput, do Código de Processo Civil), sendo prioritária a satisfação do crédito trabalhista independentemente da ordem das penhoras.

Todavia, tal não é o caso, pois o montante depositado em conta à disposição do juízo a quo tem origem na arrematação e alienação judicial de bem imóvel penhorado exclusivamente pelas agravantes, inexistindo multiplicidade de constrições a justificar o concurso de credores.

[…]

Logo, para a formação do concurso de credores, imprescindível a pluralidade de penhoras, o que não se verifica na hipótese.

[…]

Registre, por oportuno, que, na hipótese, a penhora em benefício dos terceiros interessados foi requerida nos autos originários (fls. 1.459/1.519 – origem) após a alienação do bem (fls. 1.427 origem) e o depósito de seu produto em juízo (fls. 1.435/1.438 – origem), quando o montante arrecadado, embora ainda não levantado, já constituía crédito exclusivo dos agravantes e que, portanto, não se sujeita à constrição, que tem por objeto créditos dos executados, por ora, inexistentes.

Assim, de rigor o provimento do recurso para deferir a expedição de mandado de levantamento em benefício das agravantes, tal qual por elas requeridas ao juízo a quo. […]”

Essa grande vitória reafirma a importância da atuação estratégica e proativa na recuperação de créditos. Ao garantir o levantamento dos valores, protegeu-se no caso concreto a efetividade da execução, e assegurou-se que o patrimônio expropriado pudesse cumprir sua finalidade, qual seja, o pagamento do credor.

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