Holdings familiares: blindagens na mira do Judiciário

21/01/2025

Por Mohamad Fahad Hassan

Uma sociedade holding nada mais é que uma entidade jurídica que visa controlar outras empresas ou gerenciar bens. Uma holding familiar é normalmente constituída para centralizar a gestão do patrimônio familiar, com o intuito de facilitar a sucessão dos bens e proteger o patrimônio da família.

No entanto, em alguns casos, a holding familiar é utilizada com o intuito de blindar o patrimônio dos sócios contra credores legítimos, configurando a chamada “blindagem patrimonial”. Essa prática consiste na transferência de bens e recursos para a holding, de forma que fiquem fora do alcance de eventuais ações de cobrança. Nesse contexto, a estrutura jurídica da holding é empregada para dificultar a penhora de bens pessoais, protegendo o patrimônio dos sócios.

O Judiciário brasileiro tem se mostrado cada vez mais atento a essas práticas, condenando a utilização fraudulenta de holdings familiares. Nos casos em que fica comprovada a intenção de fraudar credores, o Judiciário tem aplicado o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que permite atingir o patrimônio dos sócios da holding.

A Desconsideração da Personalidade Jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo jurídico que visa impedir a utilização da pessoa jurídica para fins fraudulentos ou diferentes daqueles previstos em lei. Ela se aplica quando há abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica é utilizada para fins diversos daqueles previstos em seu contrato social, com o intuito de prejudicar credores ou realizar atos ilícitos. Já a confusão patrimonial se caracteriza pela ausência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio de seus sócios, de forma que se torna impossível identificar a quem pertencem os bens e recursos.

Para que o Judiciário aplique a desconsideração da personalidade jurídica, é necessária a comprovação dos seguintes requisitos:

• Insolvência da pessoa jurídica: demonstração de que a empresa não tem condições de quitar suas obrigações com seus próprios bens (embora essa não seja uma exigência prevista em lei).

• Abuso da personalidade jurídica: caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Jurisprudência do TJSP e a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica

A análise de recentes decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) revela um aumento na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em casos de blindagem patrimonial por meio da constituição de holdings familiares. Essas decisões evidenciam o papel do Judiciário no combate ao uso fraudulento das holdings e na proteção dos direitos dos credores.

Em um desses casos recentes[1] o Tribunal reconheceu a confusão patrimonial e o desvio de finalidade na constituição de holdings familiares pelo executado, com o objetivo de blindar seu patrimônio pessoal. A decisão se baseou na transferência de bens pessoais para a pessoa jurídica e na formação de uma holding familiar composta pelo executado e seus filhos. A cisão com incorporação de bens e a constituição da holding evidenciaram a manobra para dificultar a execução da dívida. O Tribunal decidiu, então, desconsiderar a personalidade jurídica da holding, permitindo que os bens da pessoa jurídica fossem atingidos pelas ações de cobrança.

Em um segundo caso[2] igualmente recente, a desconsideração da personalidade jurídica foi concedida em razão de simulação na aquisição de bens registrados em nome dos filhos menores, com usufruto em nome dos genitores. Posteriormente, esses bens foram transferidos para a holding familiar e vendidos a terceiros por valor vultoso. A venda foi seguida pela transferência do valor para um fundo imobiliário, o que evidenciou a intenção de fraudar credores. O Tribunal reconheceu a fraude e decidiu desconsiderar a personalidade jurídica da holding, permitindo que os ativos fossem atingidos pelas ações de execução.

Considerações Finais

Esses casos ilustram como o Judiciário tem utilizado a desconsideração da personalidade jurídica para coibir o uso indevido das holdings familiares como forma de blindagem patrimonial. Ao aplicar essa medida, o Judiciário visa garantir a efetividade da execução das dívidas e proteger os direitos dos credores, combatendo práticas fraudulentas que buscam ocultar bens.

Entre 2020 e 2024 foram apresentados pela área de Recuperação de Créditos do Teixeira Fortes Advogados cerca de 200 incidentes de desconsideração da personalidade jurídica, todos eles envolvendo grupos econômicos empresariais com maior ou menor função de blindar o patrimônio de seus sócios e administradores. Em 30% deles havia participação de holdings familiares, e em 20% deles foram concedidas ordens liminares para bloqueio de bens dos envolvidos, diante da demonstração de fortes evidências de abuso.

É importante destacar que a desconsideração da personalidade jurídica é uma medida excepcional, que só deve ser aplicada quando ficar comprovada a intenção fraudulenta dos sócios. A simples constituição de uma holding familiar, por si só, não é suficiente para justificar a desconsideração da personalidade jurídica.

Em conclusão, a utilização de holdings familiares como instrumento de blindagem patrimonial tem sido combatida pelo Judiciário brasileiro, que, por meio da desconsideração da personalidade jurídica, busca garantir a proteção dos credores e a transparência nas relações empresariais, criando um ambiente de negócios mais justo e equilibrado.

[1] Recurso nº 2039249-21.2023.8.26.0000
[2] Recurso nº 2100150-52.2023.8.26.0000

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