Da caneta à câmera: como a “selfie” está reinventando a assinatura dos contratos

29/02/2024

Por Beatriz Martins Rufino

Com a evolução tecnológica e as mudanças legislativas no cenário das transações digitais, a validação de contratos tornou-se um ponto crucial no ambiente jurídico. A utilização da “selfie” do cliente como ratificação de aceite em contratos eletrônicos vem ganhando destaque, especificamente quanto à sua eficácia nas relações contratuais.

Conforme abordado em artigo publicado pelos advogados Marcelo Augusto de Barros e Mateus Matias Santos, a legislação e o judiciário brasileiro têm avançado no reconhecimento da legalidade das assinaturas digitais. Esse cenário, em conjunto com a praticidade dos “smartphones” e a simplicidade da biometria facial, favorece a adoção da “selfie” como alternativa inovadora.

Considerando que setores diversos, desde instituições financeiras até órgãos governamentais, têm adotado a biometria facial como meio seguro para validar a identidade do contratante e sua concordância com os termos contratuais, o sistema jurídico brasileiro tem reconhecido a validade da biometria facial como prova de aceite em contratos eletrônicos. Decisões judiciais têm, inclusive, destacado a admissibilidade dessa forma de autenticação, ressaltando sua legalidade e eficácia em estabelecer a manifestação autêntica de vontade das partes.

Tal forma de contratação já foi inclusive aceita pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que em casos recentes validou contratos digitais com assinaturas por biometria facial, considerando-as legítimas. Vejamos:

“Apelação. Contrato de empréstimo bancário consignado. Ação declaratória c.c indenização por danos morais e materiais. Sentença de improcedência. Recurso da parte autora. Não ocorrência de cerceamento de defesa. Contrato de empréstimo firmado por meio digital, assinado mediante biometria facial. Perícia documentoscópica desnecessária. Preliminar afastada. Mérito. Contrato de empréstimo consignado firmado por meio digital, assinado digitalmente por biometria facial, envio de token e de fotografias de documento pessoal, sendo também identificada a geolocalização e o endereço de IP. Refinanciamento de contrato anterior, com posterior portabilidade, não impugnada pela autora. Crédito em conta de sua titularidade. Parte ré que se desincumbiu de seu ônus probatório. Litigância de má-fé. Arts. 80, II, 81, §2º, e 96 do CPC. Alteração da verdade dos fatos. Penalidade mantida, com alteração do quantum. Precedentes. Redução para 2% do valor da causa. Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido.” [1]

No caso julgado, o contrato de empréstimo consignado foi firmado digitalmente, com assinatura por biometria facial, envio de “token” e fotografias de documentos pessoais. O relator do recurso destacou que a inexistência de contrato escrito não é relevante para comprovação do vínculo obrigacional, sendo válido o contrato realizado por meio eletrônico.

Ainda sobre o tema:

“AÇÃO DECLARATÓRIA C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Empréstimo consignado em benefício previdenciário. Alegação de não contratação. Sentença de improcedência. Empréstimo bancário realizado por meio digital, com envio de documento pessoal e reconhecimento de biometria facial. Refinanciamento de contrato anterior. Liberação de valores em conta de titularidade da autora, que não contestou a contratação de empréstimo anteriormente. Ausência de abusividade ou ocorrência de vício de consentimento na contratação. Banco réu que se desincumbiu satisfatoriamente do ônus que lhe incumbia em demonstrar a regularidade da contratação (art. 6º, VIII, do CDC). Sentença de improcedência mantida e confirmada nos termos do art. 252 do RITJSP. Recurso desprovido.” [2]

No julgado acima, o relator destacou que a biometria é uma forma válida de manifestação de vontade e supre a falta de assinatura escrita, ressaltando nos fundamentos do acórdão que “é da essência da contratação de empréstimo por via eletrônica, mediante utilização de aplicativo de celular, a inexistência de instrumento subscrito pelas partes”.

A ementa abaixo segue a mesma linha de raciocínio:

“CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA LIMINAR URGÊNCIA – Sentença de improcedência – Apelo da autora – Contratação efetiva de empréstimo pessoal consignado. Cédula de crédito bancário assinada digitalmente mediante biometria facial (selfie) da autora, capturada no ato da contratação. Indicação do código de autenticação eletrônica, número do terminal – IP, além da cópia de documento de identificação da autora. Divergências de contratação apontadas pela autora insuficientes diante do conjunto probatório do Banco réu. Crédito utilizado para refinanciamento de empréstimos anteriores firmados entre as partes. Documento comprovando depósito em conta de titularidade da autora, realizado pelo Banco réu, de valor reputado remanescente da aludida quitação referida no contrato de refinanciamento sub judice. Regularidade da contratação. Descontos pertinentes. Inexistência de prática de ato ilícito. Indenizações indevidas. Mantida condenação da autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé, apenas reduzindo seu percentual para 1% sobre o valor da causa. Sentença reformada em parte mínima, mantida a sucumbência da autora, observada a isenção e suspensão decorrentes da gratuidade. RECURSO PROVIDO EM PARTE.” [3]

No entanto, é importante enfatizar que, além da própria biometria facial, o contexto específico da situação é levado em consideração nas decisões. Isso inclui a utilização de outras formas de autenticação, como a verificação da localização da foto, a captura da “selfie” juntamente com o documento do cliente e a análise de dados do aparelho utilizado no processo de assinatura do contrato.

É exatamente essa abordagem multifatorial que, para o judiciário, cria uma camada adicional de comprovação da contratação e garante que a manifestação de vontade seja inequivocamente atribuída ao titular do contrato.

Portanto, embora cada caso deva ser individualmente analisado, a utilização da “selfie” como meio de ratificação em contratos eletrônicos está sendo respaldada por jurisprudência favorável, que destaca a legalidade desse método nas relações contratuais, desde que acompanhada de outros elementos de segurança. Esse marco representa não apenas um avanço tecnológico, mas também uma adaptação necessária às demandas da era digital.

[1] TJSP; Apelação Cível 1005815-05.2023.8.26.0438; Relatora Claudia Carneiro Calbucci Renaux; 24ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 30/01/2024; Data de Registro: 30/01/2024.

[2] TJSP; Apelação Cível 1000677-46.2023.8.26.0474; Relator Flávio Cunha da Silva; 38ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 19/01/2024; Data de Registro: 19/01/2024.

[3] TJSP; Apelação Cível 1000984-68.2022.8.26.0204; Relator Marcelo Ielo Amaro; 16ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 29/01/2024; Data de Registro: 29/01/2024.

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