Tribunais confirmam prazo máximo de 360 dias para o “stay period” em recuperações judiciais

07/07/2023

Por Roberto Caldeira Brant Tomaz

Em artigo veiculado neste periódico no dia 27/01/2023, tratamos a respeito de uma decisão liminar proferida pela Desembargadora Marilsen Andrade Addario, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso – em causa patrocinada pelo Teixeira Fortes – em que foi reconhecido o encerramento do período de blindagem de uma empresa em recuperação judicial tendo em vista o esgotamento do prazo máximo de 360 dias previsto na lei.

Após a publicação do referido artigo, o recurso relacionado a esse caso – interposto em nome de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) –, foi julgado em definitivo pela Segunda Câmara de Direito Privado do TJMT, que a ele deu provimento, confirmando a liminar que reconhecera o término do stay period e autorizara o prosseguimento das execuções movidas pelos credores em face da empresa devedora. Confira a íntegra da decisão.

Trata-se de uma decisão relevante no contexto jurídico atual, no sentido de dar eficácia às regras previstas na lei de recuperação judicial e fortalecer a segurança jurídica e a previsibilidade no âmbito da insolvência empresarial, merecendo mais alguns comentários em complementação ao primeiro texto publicado.

Contextualizando, o processo de recuperação judicial em questão teve início em 15/12/2021; o stay period foi prorrogado pela primeira vez em 08/06/2022; e, no fim de 2022, a recuperanda pediu nova prorrogação (por mais 180 dias), o que foi atendido pela juíza responsável pelo caso, com base no – a nosso ver, banalizado – princípio da “preservação da empresa”. No recurso interposto ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso, o FIDC argumentou que a nova redação do artigo 6º da Lei nº 11.101 de 2005, conferida pela Lei nº 14.112 de 2020, previu de forma expressa a possibilidade de dilação do período de 180 dias de blindagem da devedora uma única vez [1]. O argumento, baseado na literalidade da norma, foi suficiente para a obtenção da liminar pleiteada e consequente suspensão da prorrogação do stay period até o julgamento em definitivo do recurso interposto.

Posteriormente, no julgamento colegiado, os desembargadores da Segunda Câmara de Direito Privado do TJMT confirmaram a liminar e deram provimento ao recurso interposto pelo FIDC, asseverando expressamente a impossibilidade de prorrogação do stay period para além do prazo máximo estabelecido na lei:

“[…] a segunda prorrogação do stay period é incabível e ilegal, indo de encontro com a lei de regência […]”

Para evidenciar o importante efeito prático da decisão, os desembargadores frisaram que o encerramento do stay period implica na possibilidade de os credores retomarem as cobranças contra a empresa:

“Vencido o prazo de blindagem e eventual prorrogação, restabelece-se o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções […]”.

A decisão se soma a outros precedentes jurisprudenciais estabelecidos após a alteração legislativa, modificando a tendência, até então vigente nos juízos, de se permitir uma duração infindável do período de blindagem sempre sob o pálio do temerário princípio da “preservação da empresa”. O acórdão do Tribunal Mato-grossense faz menção expressa a julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais [2] e do Tribunal de Justiça de São Paulo [3], nos quais adotou-se o mesmo entendimento quanto à limitação da prorrogação do stay period.

Em seus comentários a respeito do tema, os doutrinadores João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli, Rodrigo Tellechea [4] relatam de forma precisa o cenário caótico que vigorava no Judiciário brasileiro até a inovação legislativa:

“Relativamente à redação original do §4o do art. 6o, a novidade é a possibilidade de uma única renovação do stay period por igual período. Isso porque, apesar da taxatividade da regra original – que determinava que o prazo de 180 (cento e oitenta) dias era improrrogável –, os tribunais tendiam a mitigar seu comando, dilatando o prazo até a conclusão da assembleia geral de credores ou concedendo sucessivas prorrogações por determinado período, em atenção aos princípios da razoabilidade e da preservação da empresa, nos casos em que devedor não tivesse contribuído para o retardamento do feito. Com a nova redação do §4o do art. 6o da LREF, a tendência é que o stay period fique restrito ao prazo ali previsto. As extensões frequentes do período de proteção – muitas vezes sem observar critérios de razoabilidade – permitiam o surgimento de situações de soma zero para todos os envolvidos (de boa-fé); de um lado, o processo de recuperação judicial não conseguia manter seu fluxo ordinário de atos; de outro, os credores se viam impedidos de tomar medidas executivas contra o devedor por tempo indeterminado. A reforma de 2020 tentou corrigir essas distorções.”

Por ser uma alteração relativamente nova na lei, o Superior Tribunal de Justiça, até o momento, só enfrentou a questão em uma única oportunidade, mas espera-se que seja provocado outras vezes à medida em que novos recursos forem submetidos à sua análise visando a uniformização do entendimento. Em todo caso, já é possível se verificar no julgado da Corte Superior (REsp 2057372/MT) a mudança de posicionamento estimulada pela inovação legislativa:

RECURSO ESPECIAL. 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA POSTA 2. STAY PERIOD. NOVO TRATAMENTO CONFERIDO PELA LEI N. 14.112/2020. OBSERVÂNCIA. 3. DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA DELIBERAR A RESPEITO DAS CONSTRIÇÕES REALIZADAS NO BOJO DAS EXECUÇÕES INDIVIDUAIS DE CRÉDITO EXTRACONCURSAL, SEJA QUANTO AO SEU CONTEÚDO, SEJA QUANTO AO ESPAÇO TEMPORAL. AFASTAMENTO, POR COMPLETO, DA IDEIA DE JUÍZO UNIVERSAL. 4. DECURSO DO STAY PERIOD (NO CASO, INCLUSIVE, COM A PROLAÇÃO DE SENTENÇA DE CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL). EQUALIZAÇÃO DO CRÉDITO EXTRACONCURSAL. INDISPENSABILIDADE. 5. RECURSO IMPROVIDO, CASSANDO-SE A LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA. […]

2.1 A lei estabelece a possibilidade de o período de suspensão perdurar por até 360 (trezentos e sessenta) dias. […] 2.3 O novo regramento ofertado pela Lei n. 14.112/2020, de modo expresso e peremptório, veda a prorrogação do stay period, após a fluência desse período máximo de blindagem (de até 360 dias) […] 2.5 Em conclusão, a partir da nova sistemática implementada pela Lei n. 14.112/2020, a extensão do stay period, para além da prorrogação estabelecida no § 4º do art. 6º da LRF, somente se afigurará possível se houver, necessariamente, a deliberação prévia e favorável da assembleia geral dos credores a esse respeito, seja com vistas à apresentação do plano de recuperação judicial, seja por reputarem conveniente e necessário, segundo seus interesses, para se chegar a um denominador comum no que alude às negociações em trâmite. Ausente a deliberação prévia e favorável da assembleia geral dos credores para autorizar a extensão do stay period (além da prorrogação estabelecida no § 4º do art. 6º da LRF), seu deferimento configura indevida ingerência judicial, apartando-se das disposições legais que, como demonstrado, são expressas nesse sentido. […] 5. Recurso especial improvido. (STJ; Recurso Especial REsp 2057372 / MT; Órgão Julgador: 3ª Turma; Data da Decisão: 11/04/2023; Data de Publicação: 13/04/2023)

As decisões judiciais em comento ressaltam a importância de se observar os limites estabelecidos pela legislação quanto à duração do período de proteção da empresa devedora contra as execuções movidas pelos credores, a fim de contribuir para o fortalecimento do instituto da recuperação judicial, assegurando a efetividade do processo de restruturação empresarial e a proteção dos interesses de todos os envolvidos.

 

[1] Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:

I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;

II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;

III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.
[…]

§ 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.

[2] TJMG; Agravo de Instrumento-cv 0483986-75.2022.8.13.0000; Relator(a): Des.(a) Maria Lúcia Cabral Caruso (Jd Convocada); Órgão Julgador: Câmaras Especializadas Cíveis / 16ª Câmara Cível Especializada; Data da Decisão: 27/07/2022; Data de Publicação: 28/07/2022.

[3] TJSP; Agravo de Instrumento 2146177-64.2021.8.26.0000; Relator(a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data da Decisão: 08/09/2021; Data de Publicação: 08/09/2021.

[4] SCALZILLI, João P.; SPINELLI, Luis F.; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e Prática na Lei 11.101/2005. 4. ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Almedina, 2023.

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