Contrato de compra e venda de imóvel quitado não comporta rescisão e devolução de valores

16/08/2022

Por Camila Almeida Gilbertoni

O contrato definitivo de compra e venda de imóvel não se submete à Lei nº 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato Imobiliário, que prevê a possibilidade de desfazimento do negócio por iniciativa do comprador e a devolução de valores pelo vendedor. Assim decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo em duas ações promovidas contra uma empresa imobiliária representada pelo Teixeira Fortes.

Os autores das ações adquiriram imóvel da vendedora e para a quitação do preço contraíram empréstimo perante instituição financeira, que transferiu o valor da aquisição dos imóveis à vendedora. Em garantia do empréstimo, os autores transferiram à instituição financeira, em alienação fiduciária, os direitos aquisitivos dos imóveis. Depois de alguns meses, os compradores desistiram do negócio e pleitearam para a vendedora a rescisão dos contratos de compra e venda, que recusou os pedidos.

Os compradores haviam conseguido em primeira instância a rescisão dos contratos de compra e venda, mas o TJSP deu provimento aos recursos interpostos pela vendedora para afastar a rescisão contratual. Para o TJSP, como houve a quitação do preço estipulado entre vendedora e compradores, o contrato foi reconhecido como ato jurídico perfeito e acabado, de impossível rescisão, e sobre o qual não deve recair as regras da Lei do Distrato Imobiliário.

Confira-se os fundamentos dos julgados[1]:

“Ao que se colhe dos autos, o autor firmou com a primeira requerida, […], dois contratos definitivos de compra e venda dos imóveis em questão (fls. 37/42 e 43/48) ainda que mediante a assunção, perante agente financeiro […], do débito relativo ao montante antecipado, e objeto de financiamento, para quitação do preço perante a vendedora.

O contrato de financiamento (fls. 49/60 e 61/68), por sua vez, deu azo ao saque de cédula de crédito bancário, endossada a terceira pessoa (companhia securitizadora) e garantida por alienação fiduciária.

Trata-se, portanto, o negócio jurídico que se pretende rescindir, de contrato compra e venda definitiva de imóvel cumulada com financiamento garantido por alienação fiduciária, e não singelo compromisso de compra e venda de imóvel, que autorizaria a aplicação das regras gerais atinentes à rescisão.

(…)

Nessa perspectiva, presente a cláusula fiduciária, deve-se seguir o procedimento específico instituído pelo decreto-lei 911/1969, não havendo que se cogitar da solução usualmente aplicada para a rescisão de contratos de compromisso de compra e venda de imóvel, visto que a regra geral, aqui, cede ante a disciplina específica trazida pela regra especial.

(…)

Destarte, em resumo, absolutamente descabido o pedido de rescisão do contrato de compra e venda, com ou sem a restituição da pequena quantia paga, devem as partes se sujeitar à disciplina específica razão pela qual fica julgada improcedente a demanda.”

Essas decisões seguem a mesma linha de entendimento adotado pelo TJSP em outro processo em que o Teixeira Fortes atuou, no qual o TJSP decidiu que o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, que disciplina a resolução imotivada de contrato de compra e venda a prazo, não se aplica aos contratos de compra e venda de imóvel com alienação fiduciária, conforme ementa abaixo:

“Agravo de instrumento. Contrato de compra e venda de imóvel com alienação fiduciária. Ação de resolução imotivada promovida pelo adquirente. Tutela antecipada que determinou resolução antecipada do contrato, determinando que a vendedora se abstenha de cobrar parcelas do crédito e que promova depósito de 80% do valor despendido pelo adquirente. Inadmissibilidade. Existência da alienação fiduciária em garantia que é incompatível com a resolução imotivada na forma do art. 53 do CDC, não se justificando obrigar a vendedora a depositar judicialmente parte do preço pago pelo adquirente. Manutenção da determinação de suspensão de cobranças. Agravante que não mais ostenta a qualidade de credora, havendo emissão de cédula de crédito e sua negociação. Recurso parcialmente provido.”[2]

De fato, o artigo 53 do CDC se aplica unicamente aos contratos de compra e venda mediante pagamento em prestações. Se o pagamento foi feito à vista (ainda que mediante empréstimo contraído com instituição financeira), não há razão para se considerar as regras atinentes ao pagamento a prazo, pois são hipóteses distintas.

A nosso ver, as referidas decisões devem prevalecer, pois um ato jurídico perfeito e acabado, como um contrato de compra e venda quitado, não pode sofrer a interferência da vontade unilateral de uma das partes, causando insegurança jurídica e interferindo na bilateralidade dos contratos. Há que se preservar o princípio da livre contratação, que não pode ser ignorado pelo Poder Judiciário por conveniência superveniente de uma das partes.

 

[1] Processos nº 1001519-41.2021.8.26.0136 e 1009216-56.2022.8.26.0564.

[2] Processo nº 2226129-92.2021.8.26.0000

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